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O contrato de trabalho intermitente e o contrato especial de trabalho desportivo

A Reforma Trabalhista introduziu em nosso ordenamento jurídico a figura do contrato de trabalho intermitente. O novo § 3º, do art. 443, da CLT dispõe: “Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.” (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).

Adita o neófito art. 452-A, caput, da reformada CLT: “O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.” (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).

Depreende-se das disposições normativas acima, que o contrato de trabalho intermitente foi adotado no Brasil sem maiores restrições quanto à atividade empresarial e laboral, excluindo apenas a profissão dos aeronautas. A partir disso, pode surgir a seguinte indagação: já que não houve delimitações específicas quanto ao tipo de empresa e de trabalho, o contrato de trabalho intermitente poderia ser utilizado para reger o trabalho dos atletas?

A Lei Pelé regulamenta a atividade laboral dos jogadores como regime especialíssimo, até denomina “Contrato Especial de Trabalho Desportivo” (art. 28, caput, Lei n. 9.615/98). Partindo do citado art. 28, § 4º, é incompatível a aplicação subsidiária do contrato de trabalho intermitente ao trabalho esportivo, que possui espécie contratual sui generis com prazo determinado, cláusulas próprias de rescisão, formulário padrão de dados expedidos pela entidade de administração do desporto (no caso do futebol, CBF), não pode ser acumulável com outro da mesma espécie (trabalho desportivo), está sob a dualidade normativa (a trabalhista e a desportiva), pode albergar em seu bojo a cessão temporária e é submetido a registro nas federações que organizam a modalidade esportiva (arts. 28, 30, 34, I, 38 a 40, da Lei n. 9.615/98).

O contrato de trabalho intermitente não pode ser utilizado subsidiariamente para o trabalho esportivo, exatamente porque não há lacuna normativa. A Lei Pelé regulamenta pormenorizadamente a espécie contratual adequada, que só permite ao atleta competir nos campeonatos oficiais da modalidade se cumpridas as formalidades especiais, registrado nas federações e inscritos nas competições.

Também não há lacuna ontológica e axiológica, uma vez que os termos normativos atendem ao resguardo mínimo do trabalhador desportista e da atividade desportiva. Se fosse possível adotar o contrato intermitente para a seara laboral desportiva, poder-se-ia minar o objeto maior da atividade esportiva, que é a integridade da competição, e na dimensão econômica as cláusulas rescisórias dificilmente funcionariam como fluxo de capital para os clubes.

Interessante notar que, pela natureza temporal das competições, poderia ser presumível a possibilidade de aplicação subsidiária, porém, os próprios empregadores desportivos não aceitariam perder seus principais jogadores a “custo zero”, sem os abonos das cláusulas rescisórias, por menores que fossem os clubes e as competições profissionais que eles participassem.

As federações esportivas não consentiriam assistir à degradação das suas competições, desequilíbrios com fluxos de transferências de jogadores em qualquer instante da temporada, violando suas “janelas de inscrições”, a perda da força e a qualificação mínimas de seus certames competitivos, afastando o seu principal consumidor, os torcedores.

Consoante a Reforma Trabalhista ser bem explicita ao subscrever “… independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador…” (art. 443, § 3º, CLT), é possível interpretar pela utilização do contrato de trabalho intermitente em algumas profissões regulamentadas ou categorias diferenciadas que sejam precariamente regidas por leis especiais laborais.

No entanto, não se concebe permitido extrair hermenêutica subsidiária de aplicação do contrato de trabalho intermitente ao trabalho dos atletas, sendo este regido por uma espécie contratual bem complexa, submetida a especificidades de uma legislação particular que envolve a imbricação da Lei Laboral com a Lex Sportiva.

A despeito da abertura geral contida no art. 443, § 3º, da CLT para o contrato de trabalho intermitente, excetuando a categoria dos aeronautas, recorde-se que a Lei n. 13.467/17, no ponto do trabalho intermitente, altera o texto consolidado que trata de normas gerais sobre trabalho, continuando a incidir o art. 2º, § 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB): “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”.

Portanto, para o trabalho dos jogadores, a Lei Pelé permanece vigorando e por ser a Lei Especial afasta o contrato de trabalho intermitente que é inaplicável ao regimento específico do contrato de trabalho dos atletas.

Nesse globo, o contrato de trabalho intermitente é inviável para reger o trabalho dos jogadores, pois há Lei Especial que conjuga normas complexas laborais e a lex sportiva, não restando lacuna normativa. Também inexiste lacuna ontológica ou axiológica, já que a fórmula contratual adotada na Lei Pelé se amolda bem ao objeto principal da atividade esportiva, a preservação das competições, sem descurar dos direitos trabalhistas dos desportistas.

O contrato de trabalho intermitente provocaria uma corrosão nefasta da atividade esportiva, ameaçaria o controle da imparcialidade, o equilíbrio competitivo, retratado nos limites de prazos para transferências, exigências de inscrições, balanceamento econômico regido pelas cláusulas de rescisão. Ademais, não faria sentido aplicar subsidiariamente uma espécie contratual intermitente a outra espécie contratual que já permite uma contratação mínima de três meses (art. 30, caput, da Lei n. 9.615/98) e uma contínua renovação a prazo determinado.

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