Por Higor Maffei Bellini
Independentemente da forma como um clube seja, ou do esporte que se dedica, está constituído juridicamente e é o empregador dos seus atletas segundo o estabelecido no disposto nos artigos 2 e 3 da CLT. Não vamos discutir o conceito de amador ou profissional, já que esta nomenclatura interessa muito mais ao direito desportivo, na forma como a competição será organizado, do que ao direito trabalhista, que trata da relação clube atleta.
Sobre esta discussão – da alegada dicotomia entre relação de empregado e profissionalismo esportivo, até para demonstrar que para o reconhecimento do vínculo empregatício ela é irrelevante saber se determinada modalidade é amadora ou profissional – vale a transcrição abaixo de matéria publicada no site da Anamatra10[1]:
O MM. Juiz do Trabalho Marcos Ulhoa Dani, em atuação na 13ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, apreciou pedidos de ação trabalhista formulados por jogadora de futebol profissional.
Em sua sentença, o Juiz afastou o registro do contrato na carteira de trabalho da jogadora – onde constou que ela seria atleta não profissional -, explicando que ela recebia salário e tinha rotina de treinos e jogos. Explicou também que pela Lei 9.615/98, artigo 94, não existe a figura do atleta autônomo para modalidades coletivas como o futebol.
A sentença reconheceu o acidente de trabalho da jogadora profissional, em razão de lesão no joelho contraída durante um treinamento. Consequentemente, lhe assegurou o direito à garantia provisória de emprego e indenização correspondente.
A decisão ainda trata da natureza do alojamento fornecido à atleta, haja vista o pedido de reconhecimento do salário in natura. Quanto a esse pedido, o indeferiu, por reconhecer que a moradia foi ajustada como essencial para o deslocamento da trabalhadora para Brasília. Mesmo entendimento foi adotado em relação à alimentação.
Como em qualquer atividade empregatícia, cabe ao empregador, no caso o clube, fornecer – obrigatoriamente – todos os instrumentos de trabalho que seus funcionários necessitarem para desempenhar suas funções. Isto é, os clubes são obrigados a fornecer desde as ataduras necessárias para um simples curativo, passando pelo custeio integral de tratamentos de saúde relativos a lesões: até por isso devem buscar evitar o aparecimento das lesões, seja pela aplicação da mais moderna tecnologia (fazendo uso dos mais modernos equipamentos), investindo na formação dos profissionais da equipe médica, de fisiologia e afins, escolhendo a melhor comissão técnica e física, chegando ao fornecimento dos necessários EpIs: Equipamentos de Proteção Individual.
Mas Higor, como assim o clube deve fornecer EPI, ainda mais sendo um calçado, para um atleta? Simples, o atleta – como empregado – tem o direito de trabalhar em um meio saudável, aquele que não vá lhe causar lesões ou agravar alguma já existente, segundo os artigos 200, VIII e art. 225 da Constituição Federal; e, segundo as normas regulamentadoras, mais em especifico a NR6, anexo 1, o calçado é um EPI e que deve ser fornecido gratuitamente ao empregado, o atleta, pelo empregador o clube, para que este se proteja enquanto trabalha, seja treinando, seja jogando.
Os esportes coletivos, disputados em quadras ou na grama, têm como parte integrante dos uniformes, para que os atletas possam participar das competições, a exigência de que estes estejam devidamente uniformizados, o que traz a obrigatoriedade de estarem calçados.
Desta forma, o clube – por obrigação legal – deve fazer a entrega para os seus atletas, de forma gratuita, dos calçados que estes irão utilizar nas atividades laborais enquanto estes estiverem uniformizados representando o clube, o que deve ser estendido também aos trajes de passeio: os utilizados em viagens quando da exigência para que os atletas viagem uniformizados.
No Brasil ainda não é comum que os clubes tenham patrocínios de uniformes distintos: um para a prática esportiva e outro de trajes sociais para viagens e participações em premiações ou patrocínios apenas para a comissão técnica – como já acontece em território europeu. Apenas a título de exemplo temos os casos do Real Madri e do Tottenham, que já firmaram no passado contratos com empresas de roupas sociais.
O calçado, como é parte integrante do uniforme, que tem o seu uso exigido pelo empregado, deve ter o seu custo suportado integramente pelo empregador, como já consta do precedente normativo 115 do Tribunal Superior do Trabalho, que assim estabelece:
Nº 115 UNIFORMES (positivo)
Determina-se o fornecimento gratuito de uniformes, desde que exigido seu uso pelo empregador.
Se o atleta for utilizar os calçados – em especial os entregues para viagens ou participação em eventos festivos – em atividades particulares o clube poderia conversar com o mesmo sobre a participação deste nos custos deste equipamento, o que não acontece em razão destes equipamentos geralmente serem entregues aos clubes dentro das cotas de material esportivo que as fornecedoras se comprometem a entregar quando assinam os contratos com as equipes. Ressalte-se que além de entregar o dinheiro para usar o uniforme do clube como vitrine, também faz a entrega dos equipamentos, que deve atender a todas as necessidades de todas as equipes mantidas pelo clube.
Além disso, a CLT – no parágrafo segundo, inciso I, do artigo 458 – estabelece que o vestuário, além de necessitar ser entregue de forma gratuita não será considerado como salário. E não poderia ser diferente, já que a mesma CLT, agora em seu artigo 456 A, estabelece que o clube enquanto empregador pode estabelecer o dress code, ou em português claro: o código de vestimenta. Esse obriga a todos os empregados usarem a mesma vestimenta quando se apresentarem representando as equipes; seja em viagens, eventos ou ainda entrevistas.
Em posicionamento recente o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu que a empresa – o que pode ser aplicado também aos clubes esportivos – não pode impor o custo deste uniforme ao empregado, porque isto implicaria em redução do valor do salário pago ao mesmo; no caso dos clubes, aos atletas, como se observa abaixo[2]:
O relator dos embargos do MPT, ministro Hugo Scheuermann, explicou é poder do empregador definir o padrão de vestimenta a ser adotado no ambiente de trabalho. Contudo, se exige a utilização de vestuário específico, as roupas devem ser fornecidas gratuitamente, pois o empregado não pode ser responsabilizado pelos custos do trabalho prestado.
A seu ver, a exigência de que o trabalhador disponha de parte de seu salário para a compra de vestimenta específica, por obrigação do empregador, fere o princípio da irredutibilidade salarial. Ele lembrou, ainda, que, de acordo com o precedente normativo 115 do TST, no caso de exigência de uniforme pelo empregador, ele deve ser fornecido gratuitamente ao empregado.
Por maioria, vencidos a ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do TST, e o ministro Breno Medeiros, a SDI-1 determinou o retorno do processo à vara do Trabalho, para que prossiga no exame da ação civil pública.
No caso dos esportes é reforçado pela existência dos contratos de licenciamento de imagem dos atletas, que são firmados como uma forma de equipes pagarem menos encargos trabalhistas, previdenciários e ficais sobre as folhas de pagamento. Mas que acabam por trazer como consequência ao atleta o fato destes deixarem de ser, no período de vigência destes contratos, livres para escolher a vestimenta e a marca desta, quando se apresentam enquanto empregados da equipe; e também, enquanto figuras públicas que se tornam, já que aos fãs interessa também consumir a imagem do atleta, em seus momentos de descanso com a família, por exemplo.
Por isso é que nos contratos de trabalho, e de imagem, se faz usualmente a menção expressa da liberdade do atleta em usar o tênis que deseja, ou com Marca que tenha um contrato anterior de patrocínio, porque sem essa ressalva esse atleta é obrigado a usar o material fornecido pelo clube, sob pena – de não o fazendo – estar cometendo um ato de insubordinação passível de multa.
E é por isso que os clubes, ao fazerem a negociação do seu contrato de patrocínio com empresa de material esportivo, ou de roupas sociais, devem deixar consignado se poderão ou não obrigar a todos os seus atletas empregados a utilizarem aquele material fornecido pela patrocinadora, já que podem existir aqueles atletas empregados que tenham contratos de patrocínio firmados com outras empresas e que o clube se obrigou a respeitar quando da contratação desse atleta.
Este fato, a existência de um contrato de patrocínio pessoal do atleta com uma marca de material esportivo, garantindo a este o recebimento do material esportivo e de valores em espécie, aliado aos contratos de licenciamento de imagem que o clube assina com os atletas, é o que pode permitir ao clube ou seleção cobrar do atleta um percentual relativo ao contrato deste com a outra marca esportiva.
Isto vem do fato de que o clube – aquele que é o empregador do atleta – é utilizado como uma vitrine para o atleta expor o patrocinador pessoal dele, e que é concorrente do patrocinador do clube, ao invés de expor a marca do patrocinador do material esportivo do clube, seja em campo seja nas redes sociais do atleta.
O atleta somente pode esconder a marca do seu patrocinador pessoal para material esportivo se, e somente se, não tiver efetuado o licenciamento da sua imagem para o clube, ou para a seleção, posto que se fez o contrato de licenciamento de imagem não lícito ao atleta negociar diretamente a sua imagem para terceiros sem a anuência do clube, que pode cobrar uma porcentagem deste valor – ou então não permitir que aconteça a negociação – se não foi efetuada esta ressalva no momento da assinatura do contrato.
Como a contratação de um atleta ou a sua escolha para a seleção são atos discricionários do empregador, que pode fazer ou deixar de fazer por critérios seus, e um dos critérios pode ser a existência ou não de um contrato de patrocínio anterior com marca concorrente daquela que fornece o material utilizado pelo clube ou seleção, fazendo com que o atleta e o seu agente tenham este fato em sua mente “um patrocínio pessoal, com determinada marca, que pode dificultar ou facilitar a transferência para uma equipe, já que os fatores comerciais extracampo também importam”.
Mas, não havendo a exceção prevista contratualmente para que o atleta possa escolher o calçado que desejar usar este é obrigado a utilizar aquele que é fornecido pela equipe, ou caso não se adapte ao modelo, solicitar um novo de outro modelo para o clube ou para o patrocinador. Nenhum clube vai obrigar um atleta a usar um modelo que não lhe agrade quando existem outras opções a serem escolhidas, podendo evitar que o atleta culpe o modelo pelo seu fraco desempenho, mas pode exigir que seja o de determinada empresa.
O esporte nacional não é homogêneo e a realidade do futebol da série A masculina não é replicada em todas as equipes, todos os esportes e divisões nacionais; e, para aqueles que disputam apenas os campeonatos estaduais a dura realidade é de clubes que não tem condições financeiras de arcar com os custos de calçar toda a equipe se for solicitado pelos atletas. Por isso, preferem deixar consignada a “liberdade” do atleta de escolher o calçado.
Como não é nacional a realidade de atletas das diversas modalidades com contratos de patrocínio com empresas de material esportivo que recebem os calçados e outras peças de vestuários e algumas vezes valores. A realidade é a de atletas que tem dificuldades em adquirir o seu instrumento de trabalho que tem custos elevados e algumas vezes custam mais do que um mês de salário.
Por isso, a presente discussão poucas vezes acontece nos momentos da contratação dos atletas, mas esta pode acontecer como foi no caso da seleção de vôlei que, recentemente, buscou impor aos atletas o uso do calçado do seu patrocinador, e por isso pode ser discutida até para deixar claro aos atletas o direito de pedir o fornecimento dos calçados, mas também a sua obrigação de os utilizar quando fornecidos pelos clubes.
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[1] – (https://www.amatra10.org.br/noticias/1084-justica-do-trabalho-reconhece-natureza-profissional-de-contrato-de-jogadora-de-futebol-acidente-de-trabalho-e-salario-in-natura-tambem-sao-temas-da-decisao)
[2] – https://www.migalhas.com.br/quentes/342745/empresa-de-vestuario-ressarcira-empregados-por-exigir-dress-code)