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O drible ousado de Neymar e o futuro do futebol

Por Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga [1]

“Lambreta”, “Cabrito”, “Chapeu”, “Chaleira” ou “Lençol”. Muitos são os nomes atribuídos ao drible aplicado pelo atleta Neymar na partida do campeonato francês realizada em 01/02/2020, na qual o Paris Saint German goleou o Montpellier por 5X0.

O árbitro da partida entendeu por bem advertir o jogador brasileiro após a tentativa de driblar o adversário. Ao interpretar as imagens transmitidas, nota-se que a advertência foi no sentido de reprimir tal jogada, algo do tipo pegar leve. Logo ele, Neymar, que foi alvo de duras entradas dos adversários durante toda a partida.

 Ao ser repreendido o jogador reagiu com veemência e foi penalizado com o cartão amarelo.

Com efeito, a reação de Neymar foi proporcional à advertência recebida. Uma advertência descabida e que inibe o que o futebol tem de melhor, o drible ousado.

Pierre Coubertin foi preciso quando afirmou que o desporto possibilita um re-encontro de dois mundos: o humano e o divino. Muitos atletas são bons jogadores, poucos são fora de série.

Atenta contra os princípios do próprio desporto reprimir um drible ousado advertindo quem o praticou. Tal situação transmite uma mensagem negativa aos jovens atletas, a de que o drible diferenciado é errado, quando, ao contrário, deveria ser estimulado, como forma de resgatar o futebol-arte.

Muitas são as críticas relacionadas aos esquemas táticos atuais que, em sua maioria, adotam uma estratégia mais conservadora à espera de um deslize do adversário para se chegar à vitória, seja ela como for. A eficiência é mais valorizada que a beleza.

No desporto que atualmente é praticado o jogo desapareceu. No futebol de Garrincha, Pelé, Eusébio, Didi, Heleno, Maradona, Cruyff (e muitos outros), predominava o jogo, em sua essência.

Em sua obra clássica Homo Ludens, Johan Huizinga analisou atentamente a antítese jogo-seriedade e verificou que ambos os termos não possuem valor idêntico: o jogo é positivo, enquanto a seriedade é negativo. O significado de “seriedade” é definido de maneira exaustiva pela negação de “jogo” – seriedade significando ausência de jogo ou brincadeira e nada mais. Por outro lado, o significado de “jogo” de modo algum se define ou se esgota se considerado simplesmente como ausência de seriedade, pois o jogo é uma entidade autônoma. O conceito de jogo enquanto tal é de ordem mais elevada do que o de seriedade. Porque a seriedade procura excluir o jogo, ao passo que o jogo pode muito bem incluir a seriedade. (HUIZINGA : 2014 – p. 51)

No futebol que é praticado nos dias atuais ainda há jogadas espetaculares, que “enchem os olhos”, graças aos jogadores geniais e talentosos. Quanto mais arte, mais jogo, e quanto mais jogo, mais arte, prega o Professor em Motricidade Humana, Manuel Sérgio.

Uma das principais atrações do futebol advém da criatividade, da novidade, de algo que supera o mero cumprimento de regras. A essência do futebol permite (ainda bem!) a originalidade e a criatividade. A genialidade é inata, mas só se desenvolve em condições favoráveis.

Não podemos permitir que modismos e novas tendências afastem o clima de festividade, humor e de jogo do futebol atual, sob pena de aniquilar o espetáculo e transformar uma partida em algo entediante onde os atletas são nivelados por baixo em virtude de não poderem demonstrar, de forma espontânea, o seu talento.

……….

[1] Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa; Professor à contrato da Universidade La Sapienza de Roma; Diretor Jurídico do Club de Regatas Vasco da Gama; Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo, titular da Cadeira n.º 03; Presidente da Comissão de Direito Desportivo do IAB; Vice-Presidente da Comissão Nacional de Direito Desportivo do CFOAB; Sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados

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