Foi amplamente noticiado, nos últimos dias, o rompimento entre a Major League Baseball (MLB) e a ESPN, que concordaram mutuamente em encerrar o atual contrato de direitos de transmissão após o final da próxima temporada.
Trata-se do fim de um longo casamento: a liga e a rede de televisão eram parceiras desde 1990.
Em memorando enviado aos proprietários das franquias no último dia 20 de fevereiro, o comissário da MLB, Rob Manfred, afirmou que a liga “não ficou satisfeita com a cobertura mínima que vem recebendo nas plataformas da ESPN”.
No texto, Manfred justificou assim a decisão:
“Nos últimos meses, a ESPN nos abordou com o desejo de reduzir o valor pago pelo conteúdo da MLB durante o restante do prazo [contratual]. Pública e privadamente, [a razão apontada foi] o valor mais baixo pago pela Apple e pela Roku em seus acordos com a liga. Acreditamos que os argumentos baseados [nisso] não se sustentam (…).
Primeiro, o inventário [de conteúdos] abrangido nos acordos com a Apple e com a Roku é muito diferente daquele detido pela ESPN, que contém as únicas janelas de temporada regular verdadeiramente exclusivas nas noites de domingo, o direito exclusivo a uma rodada inteira de playoffs e o Home Run Derby, um dos eventos mais emocionantes do verão.
Em contraste, a Apple e a Roku têm jogos que competem contra uma lista completa de outros jogos transmitidos em mercados locais.
Na verdade, na última rodada de negociações com a ESPN, eles se recusaram a comprar o inventário [de conteúdos] que posteriormente vendemos para a Apple e para a Roku.
Segundo, dada a força do nosso produto, não acreditamos que uma redução nos valores contratuais seja justificada. As audiências do Sunday Night Baseball aumentaram 6% em 2024 em relação a 2023, o que é notável, dado que 2024 foi um ano de Olimpíadas de verão. A MLB Wild Card Series de 2024 foi a mais assistida de todos os tempos, com uma média de mais de 2,8 milhões de espectadores por jogo, um aumento de 25% em relação a 2023. Nosso Home Run Derby é a competição de habilidades mais bem avaliada de qualquer liga profissional. Além disso, nossa demografia é extremamente atraente. A proporção geral de homens/mulheres na ESPN é de 73/27, enquanto a MLB na ESPN tem a proporção de 68/32, com o crescimento entre mulheres superando o crescimento entre os homens este ano. No mais, nossa audiência hispânica na ESPN é de aproximadamente 10%, significativamente acima da maioria dos outros esportes nas plataformas [dela].
Terceiro, não acreditamos que a TV paga, a principal plataforma de distribuição da ESPN, seja o futuro das transmissões em vídeo ou a melhor plataforma para nosso conteúdo. Em dezembro de 2024, a ESPN estava disponível em 53,6 milhões de lares, abaixo do pico de mais de 100 milhões de lares em 2011 e 69 milhões de lares quando fechamos o acordo atual em 2021.
(…)
Com base no exposto, nós e a ESPN concordamos mutuamente em rescindir nosso contrato. Embora a ESPN tenha declarado que gostaria de continuar a ter a MLB, (…) não achamos benéfico aceitar um acordo menor para permanecer em uma plataforma em declínio. Para melhor posicionar a MLB a fim de otimizar nossos ativos em um próximo ciclo de acordos, acreditamos que não é prudente desvalorizar os direitos negociados com um parceiro atual (…).
(…) Temos conversado com várias partes interessadas (…) nos últimos meses e esperamos ter pelo menos duas opções potenciais para [novas parcerias] nas próximas semanas.”
A ESPN, por sua vez, declarou-se “grata pelo relacionamento de longa data com a Major League Baseball e orgulhosos de como a cobertura (…) atende super bem os fãs”, destacando que, ao tomar a decisão, optou por aplicar “a mesma disciplina e responsabilidade fiscal que construiu o portfólio de eventos ao vivo líder do setor”.
Estaria encerrado, em 1º de março de 2025, o prazo para que a MLB e/ou a ESPN invocassem uma cláusula contratual que a(s) liberaria dos três anos finais do vínculo. O “divórcio”, porém, veio antes disso.
Na prática, a decisão representa, para a MLB, a perda de cerca de US$ 550 milhões por ano nesse triênio.
Embora a Apple esteja pagando US$ 85 milhões por ano e a Roku pague outros US$ 10 milhões anualmente, o impacto financeiro é significativo, ainda que alguns dirigentes, como Terry McGuirk, presidente do Atlanta Braves, tenham tentado minimizar a situação.
Comentando o caso, Erich Beting, fundador da Máquina do Esporte, analisou:
“(…) nessa ruptura, sobrou [um] ´veneninho’ nada usual nas declarações dos executivos. A MLB diz que não ficou satisfeita com a forma como a ESPN vinha cobrindo o esporte. E a ESPN afirma que a rescisão tinha motivação financeira, deixando claro que a conta não vinha fechando.
Por trás dessa história há uma crise que o beisebol tem enfrentado (…) no mercado dos Estados Unidos. O esporte não consegue atrair as gerações mais jovens e vem perdendo terreno para o basquete a passos largos.
Não é de hoje que a MLB tenta se reinventar. Só que ela não tem conseguido furar a bolha do torcedor tradicional. Enquanto basquete e futebol americano representam estilo de vida e falam com outras culturas, o beisebol está fechado na bolha do fanático de antigamente.
Ainda em segundo lugar no ranking de popularidade, o esporte, porém, tem perdido espaço e, principalmente, valor. E isso reflete, diretamente, nesse fim de casamento entre ESPN e MLB. Um lado não olha mais o esporte como prioridade em sua grade de programação e considera oneroso o custo para aquisição de direitos de mídia. O outro quer mais dinheiro e maior ‘carinho’ de seu parceiro comercial.
É essa, principalmente, a conta que não fecha. Qualquer semelhança com outros esportes, no Brasil, não é mera coincidência. O consumo mudou – e muito – nos últimos anos. Quem não estiver atualizado e não souber atender às novas demandas, vai sofrer com perda de público e, naturalmente, de dinheiro.
MLB e ESPN estão aí para mostrar isso (…).”
Em oportunidade anterior na coluna, expusemos como a MLB promoveu algumas mudanças de regra para endereçar a queda de popularidade entre os norte-americanos. E que os esforços de internacionalização do jogo também caminhavam nesse sentido.
Para analistas especializados no mercado de direitos de transmissão das ligas esportivas norte-americanas, ou o comissário Rob Manfred já possui uma “carta na manga” para recuperar os US$ 550 milhões por ano ou ele pode ter sido negligente ao avaliar a questão.
Manfred, considerado um negociador difícil, ainda conta com os contratos mais robustos da Fox (aproximadamente US$ 729 milhões por ano) e da TBS (US$ 470 milhões para os principais jogos dos playoffs), sendo que ambos terminam em 2028. E depois disso? Será que a Amazon, a Netflix e o Google podem entrar na jogada?
Seja como for, é fato que a MLB precisa se modernizar para conseguir uma melhor conexão com fãs mais jovens e globalizados, adeptos de novos hábitos e caracterizados por perfis dos mais diversos. É esse o público que estará ávido por acompanhar as aventuras de Shohei Othani nos anos que virão.
A propósito, nesse cenário de tentativa de reconquistar o espaço perdido para a NFL e para a NBA, pareceu bem natural a decisão do New York Yankees de flexibilizar a sua histórica política de proibição de barbas e cabelos longos para seus jogadores, divulgada no último dia 21 de fevereiro.
Na verdade, mais do que uma simples mudança estética, trata-se de um ajuste cultural necessário para alinhar a tradicional franquia com a evolução dos tempos e com os desafios da atualidade.
Desde que o então proprietário George Steinbrenner instituiu a regra em 1973, os Yankees se tornaram um dos últimos bastiões de um ideário conservador do beisebol, exigindo dos atletas um visual “limpo e profissional”. Quer queira, quer não, tal rigidez parecia, no entanto, cada vez mais antiquada diante da valorização das individualidades na manifestação das identidades esportivas.
As dinâmicas contemporâneas do esporte e do entretenimento são inevitáveis. Adapte-se ou morra.
Em um mundo no qual a economia da atenção dita o ritmo, que o beisebol, sem perder o apreço por tradições que realmente sejam relevantes para os torcedores mais antigos, saiba dialogar com as gerações do presente e do futuro.
Crédito imagem: Associated Press
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