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O futebol brasileiro precisa deixar de ser colônia

O universo esportivo brasileiro provavelmente virará cenário de terra arrasada em decorrência da pandemia da Covid-19. Não apenas pelos problemas no calendário, mas também por causa dos problemas administrativos e financeiro que se agravaram nesse momento. E é no caos que temos as maiores oportunidades de construir algo novo.

Um dos maiores mitos que aceitamos sem questionar é a estrutura das competições, que importamos da Europa. Não observamos, no entanto, que o Brasil é absolutamente diferente de todos os países da Europa. As dimensões continentais e a grande diversidade socioeconômica tornam o cenário brasileiro incomparável com o cenário europeu.

Mas, por uma questão cultural e de “colonialismo”, adotamos o modelo de competição que prevalece na estrutura federativa europeia. Mas o país que mais se assemelha ao Brasil é os Estados Unidos, seja em questão geográfica, seja em questão socioeconômica. Então, o que nos impede de analisar o que eles fazem e replicar no Brasil? A resposta pode passar por fatores como vínculo excessivo às tradições, pressão da estrutura federativa, na fragilidade da gestão ou simplesmente no comodismo.

Mas, vamos pensar um pouco sobre o que poderia acontecer se adotássemos um modelo como o da NBA para o futebol brasileiro, por exemplo.

A primeira coisa que precisaria acontecer é a divisão do país em duas conferências. Diferente da NBA, que dividiu o país em leste e oeste, no caso do Brasil faria mais sentido uma divisão em norte e sul. Assim, os times das regiões sul e sudeste fariam parte de uma conferência, enquanto os times das regiões centro-oeste, norte e nordeste ficariam em outra.

E aí já surgirá o primeiro questionamento: sabendo que a realidade da hipotética conferência sul é completamente diferente da realidade da conferência norte, é justa essa divisão? Os clubes da conferência norte teriam muito mais facilidade para chegar até a final.

EXATAMENTE!

Estamos falando de regiões com estruturas econômicas e esportivas muito diferentes. Colocá-las em competição direta serviria apenas para perpetuar um domínio das regiões sul e sudeste sobre o país. Essa divisão faria com que as equipes disputassem com outras equipes que convivem com elas em uma realidade socioeconômica muito mais próxima, e aumentaria significativamente o equilíbrio competitivo do campeonato.

E o equilíbrio competitivo é uma das principais bases da economia do esporte, algo que já é comentado desde 1956[1]. Uma competição mais equilibrada, ou seja, cujo resultado é mais incerto, atrai mais público, gera melhores resultados financeiros e tende a aprimorar sua qualidade técnica ao longo do tempo. O oposto ocorre em competições com grande desequilíbrio.

Mas há um outro grande benefício já conhecido. Em competições onde há duas conferências, a tendência é de migração de atletas de uma conferência para a outra[2]. Ou seja, ainda que os melhores jogadores estivessem na conferência sul hoje, com a tendência de migração, ano após ano essa diferença seria reduzida.

Essa alteração também poderá facilitar a reconstrução do calendário nacional, um problema de longa data. A elaboração de um calendário não é simples, mas desenvolver um calendário com base computacional e estruturado em conferências é algo que já é feito há algum tempo[3] [4]. E não é apenas o calendário da competição nacional que seria impactado, mas também o das competições regionais.

Com uma estrutura baseada em duas conferências de 16 times, sendo 2 rebaixados a cada ano, aqueles clubes que não participam da principal competição poderiam disputar regionalmente o direito de jogar a categoria de acesso, que seria equivalente a uma segunda divisão, saindo dessa competição os promovidos para a categoria principal a cada ano.

Esse modelo deixaria um número significativo de clubes com o calendário cheio, mas não sobrecarregaria o calendário daqueles que, além de disputar a principal competição nacional, disputam competições internacionais.

Mas existe também uma questão comercial. A Copa do Nordeste já mostrou que rivalidades locais são muito mais interessantes. E este modelo permitirá que estas rivalidades sejam fortalecidas, além de oferecer uma gama maior de opções para a transmissão de partidas, o que aumentaria as receitas de todos os clubes.

Em especial para os clubes da hipotética conferência norte haveria um benefício, já que com a garantia de uma vaga na final e da chance de título esses clubes teriam maior apelo comercial, recebendo maiores verbas de patrocinadores e também ampliando a presença de público, apenas para citar algumas fontes de receita que seriam diretamente impactadas[5] [6].

Essa ideia, ainda que distante de se tornar realidade, seria um caminho interessante para o futebol brasileiro se reconstruir depois da crise, junto com outras medidas essenciais como o Fair Play Financeiro e a profissionalização da gestão, fortalecendo os times de regiões economicamente menos favorecidas, aumentando o número de times competitivos e oferecendo um produto melhor para o torcedor.

É hora de deixar o injusto modelo europeu de pontos corridos para trás e construir um modelo que seja melhor e mais a cara do brasileiro.

……….

[1] Rottenberg, S., (1956). The base-ball player’s labour market. Journal of Political Economy, 64 (3), 242-258.

[2] Marburger, D. R. (2002). Property rights and unilateral player transfers in a multiconference sports league. Journal of Sports Economics3(2), 122-132.

[3] Nemhauser, G. L., & Trick, M. A. (1998). Scheduling a major college basketball conference. Operations research46(1), 1-8.

[4] Henz, M. (2001). Scheduling a major college basketball conference—revisited. Operations research49(1), 163-168.

[5] Zimbalist, A. S. (2002). Competitive balance in sports leagues: An introduction.

[6] Michie, J., & Oughton, C. (2004). Competitive balance in football: Trends and effects (pp. 1-38). London: The sportsnexus.

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