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O futebol pode oferecer mais que o placar

Por Cáscio Cardoso

Quando falamos em inovação, logo associamos o conceito à tecnologia.  Isso é tão automático quanto o grito de gol que vem precocemente do nosso coração e explode por nossas gargantas, na hora que o nosso atacante está prestes a nos consagrar como torcedores apaixonados. Nem sempre o gol sai. Nem sempre inovação significa tecnologia. Essa é uma lógica que precisamos esclarecer primeiro. A inovação é uma ideia diferente para tornar processos mais eficientes e objetivos mais próximos de serem alcançados. E, muitas vezes, ainda mais em um mundo como o de hoje, usa a tecnologia como ferramenta.

Exemplos como a concepção de uniformes dos times por parte de torcedores e a eleição dos melhores feita pela própria torcida são inovações. A tecnologia é ferramenta para exposição, apreciação, votação. O Uber não tem carro. O AirBnb não tem imóvel, o iFood não tem restaurante. O torcedor não tem uma confecção. Inovação é nossa capacidade de encontrar soluções. A Copa União foi um exemplo de inovação sem tecnologia. Inclusive, o nome sugestivo se deu por conta da união (?) de clubes em torno de uma liga brasileira, sem a CBF, vendido como propriedade ao açúcar União. Além dele, foi inovação contar com a Varig para transportar as delegações e a Coca-Cola para estampar as camisas de quase todos os clubes.  E propor à TV Globo mostrar esses jogos para o Brasil. O objetivo era coletivo: fortalecer os times e a competição. Crescer o bolo para aumentar as fatias. Há mais de 30 anos. A inovação não depende exclusivamente da tecnologia.

Tudo isso para dizer que o futebol também não pode depender exclusivamente da vitória. Infelizmente, hoje, quando um torcedor vai para o estádio, no Brasil, ele não vai ver futebol,  ele vai “ganhar” um jogo de futebol. Sem os desejados “três pontos”, a percepção de que o evento não valeu a pena, normalmente, é verbalizada. Por isso é clássico ouvirmos “não venho mais” na porta de um estádio após a derrota. Ou o “eu desliguei a TV depois do gol deles.” Porque oferecemos pouco como futebol. Só oferecemos o placar final.

Por isso, com o objetivo de dar ao torcedor o que ele deseja, clubes se engalfinham, diminuem a qualidade do espetáculo, vendem a alma pela glória efêmera da vitória da semana. E atiram com bazuca nos próprios pés. Só um time ganha. Só um time é campeão. Se essa lógica prevalece, ela frustra mais do que entretém. Se essa lógica prevalece temos mais incompetentes que qualificados. Isso é injusto e desleal com quem faz o futebol e é pouco atrativo para quem consome futebol.

Precisamos, como indústria, melhorar a experiência de quem acompanha o jogo. A qualidade do futebol jogado, do estádio que recebe o público, da transmissão. Dar alternativas, entregar o controle a quem já nasceu sabendo o que quer e quando quer consumir. Narração como o torcedor que ouvir, câmera como o fã quer ver, serviço de alimentação como o simpatizante quer comer. Transporte, segurança, relacionamento, personalização. E deixar que o resultado, esse bendito componente incontrolável, tenha sua relevância revista, pois, acima dele, está a experiência de torcer.

Para começar a viabilizar isso, temos que diminuir as distâncias de receitas entre divisões do futebol brasileiro, temos que melhorar a governança dos clubes, para que dependam menos do dinheiro da TV, ajustar calendário, arbitragem, a relação dos clubes entre si. Temos que pensar, veja só, de forma coletiva. Precisamos rever a ideia que desvaloriza um vice-campeonato. Combater a lógica que sugere que sentar ao lado do torcedor adversário é uma afronta à civilização.  Defendo que presidentes de clubes no Brasil devam assistir aos jogos lado a lado. Juntos. Inovação é quebrar preconceitos e aceitar uma mudança de cultura. É usar a cabeça para além do toque dela que bota a bola nas redes. Para fazer com que o futebol não tenha só a vitória como oferta. E assim,  quando o grito precoce de gol se frustrar, a gente queira rir do mesmo jeito. De nós ou de quem está ao nosso lado. De nós ou com quem está ao nosso lado.

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Cáscio Cardoso é apresentador e comentarista esportivo da Rádio Sociedade da Bahia, do Podcast 45 Minutos e do Futebol S/A. Acredita em um futebol melhor a partir do aprofundamento das ideias e do equilíbrio na relação entre paixão e razão na condução do esporte mais encantador do mundo. É sócio do Futebol S/A.

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