Na coluna passada, falamos sobre a ausência de controle legal sobre o agenciamento de atletas no Brasil em relação aos esportes de combate. Um manager é frequentemente a voz de um lutador para promotores e mídia , também podendo tratar de assuntos financeiros, como cobrança de pagamento dos promotores dos eventos ou pagamento de pessoal ou despesas adicionais. Como tende a haver tanta responsabilidade pela administração, um lutador precisar sentir que pode confiar a um manager seu dinheiro, sua imagem e sua carreira.
Em nosso país, impera a figura dos promotores de eventos que também atuam como managers ou representantes dos lutadores. Muitos lutadores só conseguem lutas no Brasil depois de assinar com determinados managers, muitos deles com ligações com eventos internacionais. Desta forma, o atleta só consegue ascender na carreira se estiver vinculado a determinada promoção nacional cujo dirigente tem acesso à eventos internacionais mais renomados.
O problema maior ocorre quando o representante do atleta tem laços comerciais com eventos onde o atleta luta, podendo ocorrer um conflito de interesses. A situação se daria da seguinte forma: o atleta precisa negociar um novo contrato com o evento internacional onde está lutando na atualidade, porém o seu manager, além de representá-lo, também é parceiro do evento e já levou, através de sua própria promoção de lutas, vários atletas para o plantel desse mesmo evento internacional. Fica difícil imaginar que prevalecerão os interesses do atleta em sua maioria em eventual negociação do evento com o manager que têm vários outros atletas vinculados ao plantel da promoção e não tenciona prejudicar suas relações com os parceiros. Embora esta posição dupla não leve necessariamente a comportamentos tendenciosos, os efeitos negativos podem ser reais.
O campeão dos pesos-moscas do UFC Deiveson Figueiredo rompeu com seu manager de longa data Wallid Ismail. A relação entre Deiveson e Wallid estava estremecida e o desconforto quando o brasileiro admitiu uma mágoa com o seu agente por ele não ter se manifestado sobre a recente criação do cinturão interino do peso-mosca do UFC. Wallid também perdeu outro agenciado, na figura do lutador Paulo Costa, o “Borrachinha”. Costa, em vídeo publicado em suas redes sociais, assim falou sobre a questão: “resolvi fazer esse vídeo para explicar o fim do meu relacionamento profissional com Wallid. Sempre trabalhamos muito bem juntos e Wallid me ajudou desde o início da minha carreira como lutador naquela época, por volta de 2015. Foi ele quem abriu as portas do Jungle Fight para eu começar a lutar profissionalmente em um cenário muito difícil no Brasil naquela época. Como eu tive sucesso lutando no Jungle Fight, era uma época que eu precisava trabalhar mais, lutar mais e ganhar mais dinheiro, Wallid começou a procurar outras lutas fora do Brasil. Logo no início de 2017, ele conseguiu um acordo muito bom para mim com o UFC, que começou a coisa toda como vocês sabem. Sempre tivemos uma relação muito boa como empresário e lutador, mas agora não temos mais as mesmas ideias. Cresci muito como pessoa e como lutador e agora quero seguir minhas próprias ideias”.
Embora comum no Brasil a figura do manager-promotor de eventos quanto aos esportes de combate, com o advento da nova Lei Geral do Esporte, a tendência é que haja mudança drástica no cenário do sports management no Brasil nesse sentido, uma vez que a lei cria um empecilho para o recebimento de valores por parte do manager quanto ao percentual que o atleta viria a receber do evento, veja-se pois[1]:
SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 1.153, DE 2019 E AOS APENSADOS
Institui a Lei Geral do Esporte.
(…)
SEÇÃO IV
DA GESTÃO TEMERÁRIA NO ESPORTE
(…)
Art. 66. Consideram-se atos de gestão irregular ou temerária praticados pelo dirigente aqueles que revelem desvio de finalidade na direção da organização ou que gerem risco excessivo e irresponsável para seu patrimônio, tais como:
(…)
IV receber qualquer pagamento, doação ou outra forma de repasse de recursos oriundos de terceiros que, no prazo de até um ano, antes ou depois do repasse, tenham celebrado contrato com a organização esportiva. (grifei)
(…)
§ 2º Para os fins do disposto no inciso IV do caput deste artigo, também será considerado ato de gestão irregular ou temerária o recebimento de qualquer pagamento, doação ou outra forma de repasse de recursos por:
I – cônjuge ou companheiro do dirigente;
II – parentes do dirigente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau; e
III – empresa ou sociedade civil da qual o dirigente, seu cônjuge ou companheiro ou parentes, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, sejam sócios ou administradores.
O que o artigo faz, em tese, é impedir que o dirigente de organização esportiva receba valores de terceiros que tenham celebrado contratos com a organização esportiva, isso incluindo o recebimento de valores por parte de parentes do dirigente, e, mesmo, empresas onde o manager ou parentes deste sejam sócios na forma da lei. Isso inviabilizaria a figura do manager que também é dono de eventos e agencia atletas que lutam em suas promoções, já que estes assinam contrato diretamente com os eventos de luta.
Se a lei prevalecer no Senado da forma como se encontra, fica difícil a manutenção do cenário atual nos esportes de combate no Brasil quanto à forma como são conduzidos os managers, pelo menos em relação àqueles que só permitem lutadores em seu evento sob seu contrato, o que pode acabar por diminuir a bolsa pelo evento ao atleta para “equilibrar” as coisas. No fim, os lutadores são aqueles que se beneficiariam ou sofreriam em consequência disso.
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[1] BRASIL. SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 1.153, DE 2019 E AOS APENSADOS. Institui a Lei Geral do Esporte. In: SENADO. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2195515&filename=SBT+1+%3D%3E+PL+1153/2019. Acesso em: 15 ago. 2022