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O Ministro de Chico

O grande Chico Buarque, em conversa com o então Presidente da República, ao perceber a ocorrência de vários erros de comunicação cometidos pelo governo, teria dado um conselho inusitado: a administração deveria criar o “Ministério do Vai Dar M“.

Sua ideia estava sedimentada nos seguintes termos: ‘A cada decisão importante, esse ministro seria chamado. Se o governo decide recadastrar os idosos, o Lula convoca o ministro e pergunta: “Vai dar m?” O ministro analisa o caso, vê que os velhinhos vão ser humilhados nas filas, e responde: “Vai dar m“. No caso da briga com o “New York Times”, era só chamar esse ministro e perguntar: “Vamos expulsar o jornalista. Vai dar m?” O cara ia analisar e responder: “Vai dar m..

O que Chico percebia é que o Poder deturpa a visão de quem o exerce. Dá ao seu titular a sensação de que pode fazer mais do que a ordem jurídica lhe confere. É preciso que alguém esteja equidistante da situação e possa projetar as consequências das atitudes tomadas pelos governantes, alertando-os dos efeitos funestos de determinadas posturas.

A ideia de Chico não era nova. No império romano já existia essa figura, como, por exemplo, foi o caso de Sêneca, contemporâneo de Jesus e que atuava junto ao imperador, principalmente para lapidar o natural autoritarismo que emanava de tamanho poder do soberano.    

Se tanto a seleção da Argentina quanto o governo brasileiro tivessem um Ministro desses, certamente a lambança ocorrida no último domingo não teria produzido o odor terrível que se fez sentir em todos os cantos do planeta.

Com relação à equipe rival, é bem de ver que ela está impregnada da sensação de impunidade que cultiva o futebol como um mundo à parte. Para que se tenha uma noção do que se está falando, houve, décadas atrás, juristas doutrinando que os muros de um estádio de futebol deveriam constituir em barreira intransponível para aplicação do Direito do Estado.

Como salienta o renomado professor espanhol Cazorla Prieto, o esporte sofre do denominado complexo de ilha, tendo, ao longo da história, procurado se apartar consideravelmente do continente jurídico do Estado.

A resistência da seleção portenha para cumprir as determinações das autoridades sanitárias, nada mais é do que um ranço adquirido ao longo dos tempos.

Eles deveriam ter alguém para soprar na orelha, dizendo que assuntos relacionados à pandemia são de competência exclusiva das autoridades locais e que não existe federação esportiva no mundo que possa mudar essa realidade. Essa pessoa igualmente lembraria que ignorar todas as notificações que receberam definitivamente não seria uma boa ideia.

Da mesma forma, as autoridades brasileiras olvidaram do bom senso e da proporcionalidade da medida de entrar em campo para impedir a presença dos jogadores argentinos que precisavam cumprir a quarentena. Isto juridicamente atende pelo princípio da Razoabilidade e que é amplamente reconhecido por nossa doutrina e jurisprudência.

Com efeito, toda e qualquer pessoa investida do poder de império do Estado precisa respeitar o referido princípio na prática dos atos administrativos, a fim de que sejam evitados o abuso e o arbítrio.

O acatamento ao princípio da razoabilidade se dá quando se constata que a medida administrativa é adequada, necessária e proporcional. Por adequada, entende-se a medida que seja apta a atingir o fim almejado. Por necessária (e que pressupõe a adequação) analisa-se se existe alguma medida menos gravosa para os direitos fundamentais do que aquela tomada pelo administrador. Finalmente, considera-se proporcional a medida se o bônus decorrente da providência supera o ônus derivado da sua implementação.

Não é preciso ser um jurista para ver que retirar os atletas no meio do jogo é algo tão desproporcional quanto desnecessário. Não havia necessidade alguma de que os jogadores fossem sacados no meio do jogo. Isso poderia ter sido feito muito antes…

E já que não haviam impedido os atletas de entrar, será que compensou terem estragado a partida e passado a pior imagem possível do Brasil para o resto do mundo?

Por outro lado, não se pode esquecer que o menosprezo dos argentinos pelas ordens brasileiras,certamente provocaria forte reação dos agentes encarregados em cumprir as leis, os quais, mordidos com a zombaria, estariam ávidos por fazer valer a sua autoridade.

Era evidente que as coisas estavam cheirando mal e o “Ministro de Chico” seria valiosíssimo neste episódio, pois certamente teria prevenido que tanta insensatez e arrogância de ambos os lados não terminaria bem.

Ou simplesmente alertaria que isso tudo ia darm…

Como efetivamente deu.

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