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O que o Coliseu de Roma tem a ver com o Direito Desportivo?

  1. Considerações iniciais:

Já tive a oportunidade de ir à Roma inúmeras vezes, inclusive para lecionar no Master de Diritto & Sport da Universidade La Sapienza. Contudo, estive no Coliseu apenas em uma oportunidade e fiquei admirado com a sua história e estrutura. Na semana passada, tive a oportunidade de fazer uma visita guiada, acompanhado da minha família e fiquei surpreso com tudo o que vi e ouvi. Cabe registrar que o tema em questão me foi despertado pelo amigo Alexandre Mestre, um dos maiores especialistas em Olimpismo e Direito Desportivo do mundo.

Com efeito, estar presente no Coliseu é compreender a própria origem do Direito Desportivo e sua magnífica evolução. As disputas de gladiadores eram eventos organizados, muitas vezes patrocinados pelo Estado ou por figuras políticas influentes. Esses eventos seguiam regras específicas, com condições de vitória e derrota bem definidas. Isso pode ser comparado aos eventos desportivos modernos, como os campeonatos e competições desportivas, onde existem regulamentos e normas estabelecidas para garantir o bom andamento da disputa.

É justamente o estabelecimento de regras que faz com que um mero jogo possa ser considerado prática desportiva.

  1. Regras pré-estabelecidas:

No direito desportivo moderno, é fundamental que as competições sejam regulamentadas por um conjunto de normas que protejam tanto os atletas quanto a integridade do evento. O conceito de “competição organizada” nos gladiadores pode ser visto como um precursor dos eventos desportivos contemporâneos, que são regulamentados por leis específicas e organismos oficiais.

A história registra que em 264 a.C. foi realizado o primeiro combate de gladiadores na cidade de Roma em memória do falecido Iunus Brutus Pera, conforme registrado por Tito Lívio (Ab urbe Condita, XVI), nada obstante haver quem sustente que a origem dos combates seria etrusca. O Código Teodosiano de 438 d.C e o desenvolvimento do cristianismo marcam o fim dos combates sanguinários no mundo romano.

Embora os gladiadores não tivessem os direitos que hoje entendemos como fundamentais para os atletas, existia uma certa “organização” para sua participação nas lutas, com regras que diziam respeito ao tratamento dos combatentes, como a possibilidade de rendição ou a necessidade de um árbitro para julgar a luta. A forma como o combate deveria acontecer, com algumas normas de conduta (como a luta até a morte ou até a rendição), reflete, de forma primitiva, a preocupação com a regulamentação do que é permitido e do que não é.

Nos dias atuais, o direito desportivo proporciona aos atletas direitos e garantias, assegurando, por exemplo, condições de segurança, a prevenção de lesões, e o cumprimento de contratos, além de assegurar uma competição justa e limpa. A ideia de que “algo” protege os competidores e organiza a atividade está presente em ambos os contextos, embora com uma notável e espetacular evolução do tratamento dos direitos humanos.

 Os gladiadores eram, em sua maioria, escravos ou prisioneiros de guerra, razão pela qual eram propriedade de um “mestre”, que decidia as formas e condições de como eles lutariam. Hoje, no direito desportivo, atletas são frequentemente contratados por clubes ou patrocinados por empresas, mas em nenhum momento são considerados “propriedade” de outra pessoa, principalmente após o fim da Lei Passe com célebre “Caso Bosman”.

No entanto, o conceito de gestão de carreiras de atletas e a exploração da imagem, que envolve contratos, marketing e patrocínios, guarda certa semelhança com o controle que os mestres de gladiadores exerciam sobre os combatentes.

  1. Entretenimento e ética:

Os combates de gladiadores também tinham um grande componente de entretenimento público, sendo realizados em grandes arenas – o Coliseu era o principal deles – com o intuito de agradar a multidão. Da mesma forma, o desporto profissional moderno está intimamente ligado ao entretenimento (sportainment), com grande envolvimento de público e mídia, buscando atrair atenção e gerar lucros.

A diferença é que, enquanto os gladiadores colocavam a própria vida em risco, hoje o entretenimento desportivo busca evitar danos graves aos atletas, com regras de segurança e condições de jogo protegidas por leis específicas.

O Coliseu de Roma foi inaugurado por volta do ano 80 d.C. e chegava a abrigar em torno de 50.000 a 80.000 espectadores, que se posicionavam no recinto de acordo com suas classes sociais, sendo que a “Tribuna” dos Senadores ficavam no primeiro patamar e a população mais humilde no alto do “estádio”.

No período romano, havia um debate moral sobre os combates de gladiadores, com algumas correntes filosóficas questionando a ética desses eventos. Da mesma forma, o direito desportivo moderno lida com questões éticas, como o doping, as condições de trabalho dos atletas, a exploração de jovens talentos, manipulação de resultados e a preocupação com a saúde e segurança dos atores envolvidos no desporto.

  1. Direito de Arena:

 O espetáculo proporciona aos atletas, como seus protagonistas, a exibição pública e, de forma conexa, agregada ou vizinha dos direitos autorais, o direito de exploração econômica da imagem.

O próprio conceito de “direito de arena” tem sua origem na disputa de gladiadores, que faziam a sua exibição em palcos de madeira que eram cobertos com areia (arena) para poder absorver o sangue que era abundante naqueles espetáculos.

No contexto moderno, o direito de arena é frequentemente associado ao direito de exploração de um evento desportivo. No desporto atual, o direito de arena refere-se ao direito de exploração comercial de um evento desportivo, especialmente no que diz respeito à transmissão televisiva e direitos de transmissão, onde empresas e redes de comunicação pagam grandes quantias para obter esses direitos.

  1. Conclusão:

Muito embora o contexto histórico seja completamente diferente, há um ponto de conexão entre os gladiadores romanos e o direito desportivo no sentido de que ambos envolvem a regulamentação da atividade competitiva e a gestão da participação dos indivíduos em tais competições, embora a evolução da ética e das leis tenha transformado de maneira radical a forma como tratamos os participantes.

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