Por Igor Serrano
Nos últimos dias, em meio à crise global do Coronavírus, alguns sites noticiaram que, em Singapura, um protótipo de robô-cão (com câmera e alto-falante) foi criado para alertar sobre o distanciamento social, além de preservar a saúde de policiais do contato com os cidadãos infratores/da fiscalização. Infelizmente, ainda não desenvolveram um protótipo de robô-atleta, que garanta aos envolvidos pelos negócios e a organização do futebol no Brasil, o retorno das competições e mantenham os principais personagens em casa, sem apresentar nenhum risco a eles, seus familiares, comissões técnicas e demais profissionais envolvidos em uma partida (como a imprensa, por exemplo).
É nítido que após o adiamento dos Jogos Olímpicos, da Copa América e da Eurocopa, insistir em retorno o quanto antes de competições estaduais ou até mesmo nacionais, demonstra que pouco importa o que, ou quem, está em campo sendo transmitido, desde que lá esteja, sendo humano ou máquina.
Enquanto o sistema de saúde de vários Estados do país entra em colapso, o retorno de seus campeonatos locais traz à tona a disparidade dos chamados times “grandes” e “pequenos”. Mais do que isso, dos atletas das duas categorias de equipes, diante de um cenário epidemiológico causado por uma doença que não tornou todos iguais, mesmo vidas humanas não sendo comparáveis/mais ou menos importantes. Para exemplificar, recordemos a pesquisa desenvolvida por José Jairo Vieira em seu doutorado em Sociologia, que resultou na obra “As relações étnico-raciais e o futebol do Rio de Janeiro” (Mauad Editora).
No livro, ao abordar o panorama salarial dos atletas em todo o país durante o período do estudo, o professor chegou à seguinte conclusão: “Percebe-se que a maioria dos jogadores nacionais, ou seja, 54%, recebem até um salário mínimo. Aqueles que conseguem receber um pouco mais se situam na faixa de um a dois salários são 24% do total. Ao somarmos esses dois estratos, teremos algo em torno de 78% dos jogadores recebendo até dois salários, o que dificilmente pode ser caracterizado como o perfil salarial de um indivíduo de classe média. […] Poucos jogadores podem dizer que recebem salários elevados com o futebol: apenas 3,90% recebem entre cinco e dez salários e 9,50% recebem acima de dez salários. [….] O fato é que jogador pobre não rende manchete nem vende jornal. No entanto, eles são a maioria nesse esporte cada vez mais monetarizado no Brasil” (p. 127).
Ou seja, jogar atletas para um mesmo (e desnecessário) risco de contágio, mas com recursos financeiros desproporcionais (para lidar com tratamentos médicos de si e de sua família, em caso de acometimento, somado ao fato dos hospitais públicos lotados), é de uma temeridade sem precedentes.
Vale lembrar que na primeira semana de maio, conforme noticiado pelo Globoesporte.com, alguns atletas dos “times grandes” do país testaram positivo para a Covid-19, em meio a uma tentativa de retomada dos treinos. E até mesmo na Alemanha, com situação bem diversa da brasileira e que já reiniciou seus campeonatos (sem público), o Dynamo Dresden registrou dois testes positivos hoje para a Covid-19 em atletas, fazendo com que toda a delegação fique de quarentena por quinze dias e adiando sine die as partidas contra Hannover e Greuther Furth.
Parafraseando Charles Chaplin, neste momento (principalmente; e sempre), “mais do que máquinas, precisamos de humanidade”. Até mesmo no futebol.
Imagem: The Wizard of Oz, 1939; todos os direitos reservados.
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Igor Serrano é advogado, pós-graduado em Direito Desportivo e autor do livro “O racismo no futebol brasileiro”.