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O som do silêncio: um momento ímpar na história do esporte universitário norte-americano

Para a NCAA (National Collegiate Athletic Association), associação que reúne as instituições responsáveis pelo esporte universitário nos Estados Unidos, 2024 ficará marcado como um ano de muitas novidades.

Na sequência de um movimento iniciado na temporada 2021–2022, diversas universidades mudaram de conferência, no chamado realinhamento.

Além disso, os impactos do NIL, com novas ações judiciais no horizonte, como aquela recentemente ajuizada pelo ex-jogador Reggie Bush, continuam alterando profundamente o cenário competitivo e comercial das principais modalidades, sobretudo o futebol americano e o basquete.

Essas importantes questões, porém, serão abordadas em outra oportunidade. Hoje o tema é outro: como a tecnologia pode trabalhar em favor da inclusão no esporte.

Quem assiste futebol americano ou já viu algum dos muitos filmes que tratam da modalidade sabe que o quão importante é a comunicação em campo, seja entre atletas ou seja entre estes e a comissão técnica.

Aos que se interessam pela arte do playcalling, termo que descreve o ato de anunciar as jogadas que serão executadas com a bola oval, recomendo um vídeo da ESPN que mostra o quão complexos são os sistemas utilizados por equipes da NFL e o quão curiosas são as nomenclaturas que os jogadores precisam memorizar.

De fato, o peso decisivo da comunicação torna o futebol americano uma modalidade cujo acesso é especialmente difícil para pessoas com alguma deficiência auditiva. Tal limitação, contudo, parece ter sido superada.

Um capacete digital desenvolvido pela AT&T em colaboração com a Gallaudet University acaba de ser aprovado para uso pela NCAA. Por meio dele, atletas com deficiência auditiva podem visualizar as jogadas “chamadas” pelos treinadores por meio de um visor, utilizando uma interface de realidade aumentada e conectividade 5G.

Com isso, atletas que não conseguem ouvir deixarão de ser dependentes de sinais com as mãos ou de leitura labial para receberem as instruções de seus treinadores.

Um aspecto fascinante dessa história é que foi justamente a Gallaudet University, uma escola para estudantes surdos ou com deficiência auditiva, que, em 1894, inventou o huddle.

Para aqueles que não estão tão habituados ao jargão do futebol americano, o huddle é a reunião dos jogadores em um círculo fechado, que acontece antes de uma jogada para que o quarterback comunique aos demais qual é a “chamada” e qual será a respectiva estratégia para a execução dela.

O huddle mudou, para sempre, a comunicação no esporte mais popular entre os norte-americanos. E aqui está a Gallaudet University transformando o jogo novamente, como a própria entidade, orgulhosamente, proclama:

A Universidade Gallaudet é há muito tempo pioneira em inovação. Atletas surdos e com deficiência auditiva têm um longo histórico de quebrar barreiras e provar (…) [seu] talento em campo.  O capacete permitirá que os treinadores na linha lateral selecionem uma jogada em um tablet, que a enviará para uma lente dentro do capacete. O quarterback que estiver usando o capacete receberá a jogada em realidade aumentada no display digital localizado dentro do visor. A AT&T 5G oferece confiabilidade e baixa latência para que as jogadas sejam enviadas e recebidas em uma velocidade que acompanha o ritmo do jogo.  (…) Essa tecnologia elimina uma lacuna para atletas surdos e com deficiência auditiva, tornando o futebol [americano] mais inclusivo”.

Para o material de divulgação, a AT&T produziu um vídeo intitulado Sound of Silence (Som do Silêncio), que mostra imagens reais do time de futebol americano da Gallaudet University ao som de The Sound of Silence, em versão de Amira Daughtery, cantora que possui deficiência auditiva.

Composta por Paul Simon, da dupla Simon & Garfunkel, após o assassinato de John F. Kennedy em 1963, a clássica canção contém versos que dialogam poeticamente com os propósitos do capacete digital:

Olá, escuridão, minha velha amiga

Vim conversar com você outra vez

Porque uma visão surgiu mansamente

Deixou suas sementes enquanto eu dormia

E a visão que foi plantada em meu cérebro

Ainda permanece

Dentro do som do silêncio

Em outubro de 2023, em partida contra o Hilbert College, o equipamento foi demonstrado e três quarterbacks da Gallaudet University o utilizaram em campo. Foi um sucesso.

O treinador Chuck Goldstein, que domina a linguagem de sinais, declarou o quanto a nova ferramenta, por tornar desnecessária a atenção visual dos atletas, é benéfica:

Eu não conseguia chamar a atenção do meu quarterback para mudar uma jogada, algo que as equipes que têm jogadores com capacidades auditivas plenas conseguiam fazer, gritando as instruções. Se o jogador não estivesse olhando para mim ou estivesse longe, ficávamos presos na jogada chamada, o que gerava erros desnecessários. (…) Trabalhamos da mesma forma que qualquer outro programa de futebol [americano] universitário, praticamos da mesma forma, competimos da mesma forma. (…) O capacete conectado à AT&T 5G mudará o esporte”.

Diretor Atlético da Gallaudet University, Warren Keller vai além, dizendo acreditar que “em alguns anos, todos, da NCAA à NFL, usarão essa tecnologia”.

Estamos falando de algo que melhora o esporte por torná-lo mais inclusivo e que, por via reflexa, melhora a vida de pessoas e comunidades.

Todavia, já se vislumbram outros usos para o capacete, como em canteiros de obras (para incrementar a segurança dos trabalhadores) e nas atividades de socorristas (para resgates em condições extremas).

Se deixarmos a nossa imaginação nos levar pelos versos de The Sound of Silence, a tecnologia seria o “deus neon” e “as palavras dos profetas sussurradas ao som do silêncio” seriam as jogadas informadas no visor do capacete digital:

E as pessoas se curvaram e rezaram

Para o deus de neon que elas criaram

E a placa mostrou o seu aviso

Nas palavras que formava

E a placa dizia

As palavras dos profetas estão escritas nas paredes do metrô

E nos corredores dos cortiços

E são sussurradas ao som do silêncio

Para os atletas surdos ou com alguma deficiência auditiva, o silêncio, além de um som, agora terá imagens. Um lindo touchdown em nome da inclusão.

Crédito imagem: Agnes Bun/AFP via Getty Images

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