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O Terroir Nordestino

No mundo da gastronomia, o conceito de Terroir é conhecido como o conjunto de características climáticas tipicamente locais que explicam por que um produto de uma determinada região não pode ser simplesmente copiado e reproduzido da mesma forma em outro lugar. Uma vez que solo, chuvas, temperatura e umidade não podem simplesmente ser reproduzidos da mesma forma em outros locais, isso daria à região uma capacidade única de gerar produtos típicos e irreplicáveis. E assim, aquilo que o faz mais local – seu Terroir – é exatamente o que o torna competitivo e desejado mundialmente.

Maior representante das nossas copas regionais, a Copa do Nordeste, cuja final aconteceu no último sábado (08/05), mostrou mais uma vez o acerto do seu modelo e a convergência entre sua relevância esportiva e financeira para as federações, clubes, torcidas e patrocinadores envolvidos. E mesmo em tempo de estádios vazios e maior distanciamento com o futebol, gerou índices de audiência e engajamento que demonstram a sua força na região

A Copa do Nordeste tem seu Terroir: clubes tradicionais, torcidas numerosas e apaixonadas (em 2019, o Fortaleza teve a 4ª e o Bahia teve a 6ª maiores médias de público do Brasil), campeonatos estaduais esvaziados (baixa premiação financeira e times escalando jogadores reservas), crescimento e valorização das rivalidades regionais (especialmente entre os Estados da Bahia, Pernambuco e Ceará) e um calendário que privilegia a realização desses grandes jogos. Como consequência, em 2019 a Copa do Nordeste teve a 7ª maior média de público entre os nossos principais campeonatos, superando todos os estaduais à exceção de SP e RJ.

Para organizar a competição e potencializar seus resultados esportivos e financeiros, os times da região formaram uma Liga – A Liga do Nordeste – que em conjunto com a CBF se responsabiliza pela execução e comercialização do torneio. E apesar da existência dessa Liga, o acesso ao torneio não é automático, uma vez que a participação dos clubes é determinada pela sua posição nos 9 torneios estaduais e no ranking da CBF. E aqui aparece mais um elemento fundamental para explicar seu sucesso.

O atual modelo de governança do futebol brasileiro se baseia na existência de Clubes associados a Federações Estaduais que por sua vez são coordenadas por uma Confederação Nacional (CBF). Historicamente, os campeonatos pertencem e são organizados e comercializados pelas Federações e pela CBF, dando aos Clubes o mero papel de participantes. E ao longo do tempo, a distância dessa propriedade os transformou na parte política e financeiramente mais frágil, esvaziando seu poder de influência e sua capacidade de definir os destinos do futebol brasileiro.

Mas romper com esse modelo não é simples. A governança do nosso futebol espelha um modelo global e centenário, construído tijolo por tijolo para transformar o conjunto das entidades federativas na única instância de regulação institucional, legitimação política e viabilização financeira dos campeonatos, tornando quase impossível um movimento de independência ou autonomia dos clubes.

Ao ser organizada de forma conjunta entre a CBF e a Liga dos Clubes, a Copa do Nordeste nos mostra que o caminho talvez não esteja na ruptura, mas na convivência e na cooperação, onde cada um possa trazer o que tem de melhor para oferecer. As Entidades Federativas legitimam e operacionalizam os jogos; a Liga organiza e comercializa as propriedades do produto. E assim é possível desenvolver ao mesmo tempo a competição e o negócio, criando um círculo virtuoso no qual ganham todos: Federações, Clubes, Torcedores e Patrocinadores. E ainda que na sua origem essa cooperação não tenha sido alcançada graças à harmonia ou ao alinhamento de visões e interesses, seu legado deixa claro que esse é um caminho no qual vale a pena investir. Não há por que retroceder.

Enquanto grandes clubes agirem em prol unicamente dos seus interesses individuais, no curto prazo alguns podem até ficar mais ricos, mas no longo prazo veremos um futebol cada vez mais pobre do ponto de vista esportivo e financeiro. Não se constrói castelo no deserto. A cooperação entre a Liga do Nordeste e a CBF demonstra que o caminho para o futebol brasileiro passa necessariamente pela capacidade de desenvolver um produto coletivo, que atenda aos interesses de todos e que possa conciliar o negócio e a paixão.

Vida longa à Copa do Nordeste.

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Tom Assmar tem graduação e mestrado em Administração, e atua há mais de 25 anos com gestão, planejamento e finanças. Acredita que o futuro do nosso futebol passa necessariamente pela formatação de um produto que atenda aos interesses coletivos e pela qualificação da gestão dos clubes. É sócio do Futebol S/A.

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