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O uso da lógica jurídica na apresentação nos casos trabalhistas apresentados perante a Fifa

Por Higor Maffei Bellini

Neste nosso texto trataremos de um assunto mais prático do que meramente acadêmico, que é a utilização da lógica quando forem apresentados os casos junto à Fifa para que esta decida as questões trabalhistas envolvendo atletas e técnicos de nacionalidade distintas de seus empregadores.

Esta possibilidade de ser utilizado o órgão máximo do futebol para tratar de questões trabalhistas que envolvam partes de nacionalidades distintas é de grande valia para os empregados, sejam jogadores ou técnicos, que não tiveram respeitados os seus contratos de trabalho, por ações ou omissões de seus empregadores, que não necessitam se utilizar da justiça estatal dos países onde estão localizados os clubes, o que dificultaria a questão já que os empregados poderiam ter regressado ao seus pais de origem ou seguido para outro para continuar a sua carreira.

A entrega pela Fifa de uma decisão arbitral que tem todo o seu tramite de maneira eletrônica – sem a necessidade da presença física das partes em uma das línguas oficiais da Fifa, o que facilita o entendimento, mas que exige o cuidado de ser traduzido todo o conjunto probatório, que poderá ser exequível graças aos mecanismos internos da família do futebol – traz a segurança para aqueles que trabalham como empregados em outros países e que poderão conseguir receber o que lhe é de direito.

Quando se vai apresentar uma reclamação trabalhista (uso o mesmo nome comumente empregado no Brasil) junto à Fifa há a necessidade de ser adaptada a petição de apresentação da causa, da lógica jurídica empregada para fazer a argumentação junto àquela instituição, que é internacional e compostas por pessoas que não necessariamente entendem a nossa lógica jurídica, seja no sentido lato de como vemos o direito, seja no sentido estrito de fazer a apresentação das ideias na petição.

Quando falamos de fazer a apresentação das ideias na petição não falamos do emprego da chamada visual law (que simplificadamente pode ser entendia como sendo uma forma de ser efetuada argumentação jurídica que utiliza a combinação de elementos visuais, fotos, gráficos e elementos textuais, a própria argumentação escrita, para assim, melhor contextualizar as informações sobre o caso) mas sim da forma como as ideias são desenvolvidas no transcorrer da petição de apresentação da petição.

Isto porque ao contrário do que somos levados a crer pelo que nos é passado ao longo dos cursos de direito, em todos os níveis, não existe uma única lógica jurídica ao redor do mundo. A lógica, não apenas a jurídica, é influenciada por fatores externos, tais como o lugar, a história/tradição do país e a própria pessoa que a utilizará para poder apresentar o caso ao tribunal. O direito, sendo uma ciência ainda que humana, é influenciado pela lógica em sua evolução e transformação tal qual o restante da sociedade naquele recorte espaço-tempo.

Assim, cremos que o conceito de um direito básico universal pode sim existir quando tratar de valores que são inerentes a todos os seres humanos, independente do lugar em que se encontrem. Pois, como o tempo afeta a sociedade a fazendo mudar também afeta a lógica jurídica a moldando à sociedade existente naquele período histórico.

Como exemplo de um direito universal, por ser reconhecido como intrínseco à espécie humana, temos atualmente a declaração universal dos direitos do homem, que é uma norma jurídica válida ao redor do mundo para os países que a assinam e reconhecem. Mas este é um exemplo de uma norma jurídica com caráter transacional. E não de uma lógica jurídica supranacional. Não devemos confundir normas jurídicas com lógica jurídica.

A lógica utilizada para quando se apresenta uma demanda junto a Fifa é a de que a primeira base a ser analisada pela entidade, para decidir a questão, é o contrato firmado entre as partes. Sim, o pacta sunt servanda é muito respeitado na Fifa, e depois são utilizadas as normas vindas da própria entidade.

Assim, nós brasileiros temos certa dificuldade em entender que a lógica lá utilizada é a análise da questão pela via contratualista e, por isso, é importante sempre quando da redação da petição saber explicar onde no contrato de trabalho; sim, primeiro no contrato está a base daquilo que se pleiteia, seja ela a base fática ou a jurídica. De modo que as pessoas que analisarão tenham a facilidade de encontrar o dito, na peça que apresenta a questão, no contrato. Deixando claro assim a necessidade da mudança na maneira de ser efetuada a peça inaugural, que deixa a de ser aquela com a qual estamos acostumados – uso dos códigos para tentar embasar os pedidos – para buscar relativizar os conteúdos do contrato, já que na Fifa o contrato vale e muito.

 Mas Higor, isso quer dizer que não há possibilidade de argumentar para explicar que há equívocos no contrato ou no instrumento de rescisão contratual?

Sim, há a possibilidade. Contudo ela não vem embasada em leis, até pela dificuldade em se determinar quais instrumentos legais, quais das leis, seriam utilizados para construir a ideia que leva a discussão do contrato ou da rescisão contratual. Até porque teria o problema de escolha, a explicação do porquê de se escolher legislação e não outra. Além disso, depois há de se fazer a tradução daquela norma para os idiomas da família do futebol e seria necessário explicar porque usar o sistema jurídico do país de origem do atleta e não do clube contratante, ou ao contrário, ou porque não se utilizar a legislação vigente no país da própria que analisará a causa.

Assim, a maneira como é efetuada a apresentação dos fatos e a argumentação na exordia tem a sua própria lógica, a depender para quem será enviada para ser analisada, por exemplo. No Brasil nós que temos ações em nove Tribunais Regionais do Trabalho temos de apartar as petições à forma como cada um deles analisa a questão. Além disso, deve ser respeitado o mesmo pensamento de entregar a petição segundo as expectativas de quem vai recebê-la. Ou seja, quando se vai tratar do assunto trabalhista ligado ao futebol se deve utilizar a lógica própria do “mundo futebol”, já que esta é conhecida de todos que ali estão – ou ao menos deveria ser – sendo um tribunal arbitral, com árbitros capacitados para analisar as questões inerente aos contratos de trabalho do futebol.

Uma exemplificação do que pode ser utilizado como lógica argumentativa em uma petição junto a FIFA, e que não depende de embasamento em ordenamentos jurídicos ou no contrato de trabalho, é a de que todo jogador de futebol que chega para trabalhar em um clube o faz em perfeitas condições físicas para atuar, para jogar. Quando saem da equipe, seja lá por qual motivo for, deve sair no mínimo nas mesmas condições físicas e mentais, se não melhores em razão de treinos e suplementos alimentares, do que chegou.

Desta forma não há lógica na argumentação de qualquer clube ao redor do mundo de que uma atleta de futebol aceitou ser desligada enquanto estava machucada, e antes do prazo previsto no seu contrato, apenas porque queria retornar ao seu país ignorando o fato da atleta desejar se tratar com seu médico, aquele com quem mantêm uma relação de plena confiança, por exemplo. Até porque uma cirurgia que não é bem realizada pode encerrar uma carreira

Pois bem, quem vai a Fifa defender o interesse de clientes deve rever, revistar a sua lógica na argumentação e observar que embasar a demanda em leis não garantirá o resultado desejado. A lógica deve ser revista na forma de como fazer a composição da sua petição, já que as vezes uma forma de apresentar válida no Brasil, quando da análise do caso na Fifa muda muito, e pode se tornar não eficaz pelo desconhecimento do receptor do documento, podendo fazer com que exista uma improcedência do pedido.

Mas cada um é livre para montar a sua petição como quiser, inclusive aquele modelo padrão brasileiro: fatos, direito e pedidos ou ainda a variação comum na trabalhista colocando os fatos junto com o direito, ou utilizar a caraterística das petições de outros países, já que não estou aqui a vender um método, trazer uma receita de bolo, mas apenas discutir que a lógica da petição da reclamação junto a Fifa é diferente daquela que nos ensinam nas escolas de direito no Brasil.

Crédito imagem: Reuters

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