Pesquisar
Feche esta caixa de pesquisa.

Os exemplos do esporte norte-americano para lidarmos com o caso Luighi

O final desta primeira semana de março de 2025 ficará marcado pelo caso Luighi, atleta da base do Palmeiras que denunciou, em emocionada e emocionante entrevista, o crime de racismo sofrido por ele em partida válida pela Libertadores Sub-20, contra o Cerro Porteño, no Paraguai.

Infelizmente, tal pauta nunca se esgota, o que é (ou deveria ser) motivo de imenso dissabor para toda a comunidade do esporte.

Nesse contexto, é válido relembrar outras ocasiões em que o tema se fez presente em nossa coluna, para examinarmos exemplos das ligas esportivas norte-americanas que podem nos ajudar diante da reiteração de condutas criminosas semelhantes àquela praticada contra o jovem Luighi.

Em texto de maio de 2023 intitulado Respira e reage, abordamos, inspirados na luta de Vinícius Júnior contra o racismo na Europa, as contundentes respostas de LeBron James a agressões racistas sofridas por ele em 2017 e 2018.

Não à toa, LeBron foi um dos jogadores mais vocais nas manifestações em apoio ao movimento Black Lives Matter que ocorreram na NBA em 2020, na “bolha” sanitária organizada pela liga durante o período mais sensível da pandemia de Covid-19.

Em novembro de 2024, Vinícius Júnior voltou à “capa” da coluna, que dessa vez tratou da National Basketball Social Justice Coalition, organização sem fins lucrativos criada conjuntamente pela NBA, pela associação dos atletas (NBPA) e pela associação dos treinadores (NBCA) para promover justiça social e ajudar no combate à desigualdade racial.

A motivação daquele texto foi a declaração forte e corajosa de Vini de que ele  “[faria] dez vezes se [fosse] preciso”, pois “eles não estão preparados”. Como Luighi sentiu na pele no estádio Gunther Vogel, eles ainda não estão preparados…

Além de LeBron James e da National Basketball Social Justice Coalition, precisamos falar novamente de “Jackie” Robinson (MLB), da Rooney Rule (NFL) e de algumas punições aplicadas pela NBA.

Em 15/04/1947, Jack Roosevelt Robinson rompeu a “barreira de cor” no beisebol dos Estados Unidos. Até aquele dia, jogadores negros tinham seus próprios times e ligas (as chamadas Negro Leagues), enquanto a MLB era composta apenas por atletas brancos.

Ao atuar pelo Brooklyn Dodgers no Ebbets Field, em Nova Iorque, “Jackie” Robinson desafiou o status quo e mudou o esporte para sempre.

Demorou muito, mas a MLB, a partir de 2004, passou a organizar, na mesma data de 15/04, o Jackie Robinson Day. De 2009 para cá, na rodada disputada nesse dia de abril, os jogadores de todas as equipes, além dos árbitros, usam às costas um mesmo número, o 42, aposentado pelas franquias em 1997 e que “Jackie” vestia em sua camisa.

O simbolismo da ação, que está em mostrar que somos todos iguais, foi baseado em uma fala atribuída a Harold Peter Henry “Pee Wee” Reese, companheiro de time de Robinson: “Talvez um dia todos nós usaremos a 42, para que eles não consigam nos diferenciar”.

É o relato de um fato ocorrido em Cincinatti no ano de 1947 (ou em Boston no ano de 1948, a depender da versão) que melhor ilustra a importância de “Pee Wee” Reese no acolhimento a Robinson: enquanto o amigo era vaiado e xingado agressivamente por torcedores rivais, Reese, o capitão do Dodgers, foi até “Jackie” e, em um gesto de apoio que silenciou a multidão, colocou o braço sobre os ombros dele. A imagem está imortalizada em um monumento de bronze instalado no estádio Maimonides Park, no Brooklyn.

Saindo da MLB para a NFL, destacamos a Rooney Rule, aprovada em 2003 e alterada e aprimorada desde então. A norma obriga as franquias a entrevistarem candidatos de minorias para cargos executivos e de direção.

Os resultados? Nos primeiros três anos de vigência, a porcentagem de treinadores principais negros subiu de 6% para 22%. Em 2022, o percentual estava em 16%, chegando a 19% na temporada seguinte. No ano passado, conforme a definição de minorias adotada pela NFL, 28% dos treinadores eram oriundos de minorias étnicas, mas o índice voltará a ser de 19% em 2025. Para efeitos comparativos, a liga é formada por aproximadamente 75% de atletas negros. A discrepância ainda é enorme.

Embora seja complexo fazer uma associação direta com o advento da Rooney Rule, é curioso notar que quase a metade dos quarterbacks que iniciaram as partidas na primeira semana da última temporada pertencem a minorias étnicas, um recorde absoluto na história da liga.

Seja como for, os esforços não podem parar: a mesma NFL que implantou a Rooney Rule convive com as suspeitas de boicote a Colin Kaepernick (que passou a se ajoelhar durante a execução do hino nacional em protesto contra a violência policial injustamente imposta a minorias) e com as alegações de Brian Flores (que acusou algumas equipes de práticas discriminatórias em processos de contratação).

Passemos do futebol americano para o basquete: a NBA conseguiu, no ano de 2014, o banimento perpétuo de Donald Sterling, então proprietário do Los Angeles Clippers, em razão de manifestações racistas registradas em gravações de áudio. Banido e condenado a pagar uma multa de US$ 2,5 milhões, o bilionário se viu obrigado a vender a franquia.

Já em 2022, Robert Sarver, dono do Phoenix Suns e do Phoenix Mercury (WNBA), foi suspenso por um ano e multado em US$ 10 milhões, também recorrendo à venda de seus ativos esportivos para sair de cena após a comprovação de condutas racistas (como se não bastasse, segundo investigações que envolveram mais de setenta funcionários e ex-funcionários de suas equipes, Sarver praticava, de maneira sistemática, assédio sexual e discriminação de gênero).

O crime cometido contra Luighi veio de um torcedor. Porém, além da punição pessoal de quem cometeu o delito, parece necessário “mexer no bolso” de dirigentes e instituições poderosas para que condutas racistas sejam definitivamente extirpadas no âmbito do esporte.

Se a Conmebol deixar de agir de maneira severa contra o Cerro Porteño e contra outros clubes cujos torcedores ajam assim, jamais sairemos do lamentável cenário que acompanhamos todos os anos nas competições sul-americanas.

Além de notas de repúdio e de campanhas de conscientização, precisamos da aplicação de mecanismos regulatórios específicos, que mostrem, objetivamente, quais serão as repercussões econômicas e esportivas para os infratores.

Faço minhas as palavras do amigo Andrei Kampff no livro Direitos Humanos e Esporte: Como o “caso George Floyd” Ajudou a Transformar Regras do Jogo: “a proteção de direitos humanos não pode estar restrita à relação entre Estados e indivíduos”, sendo “uma responsabilidade de todos, inclusive do movimento privado do esporte”.

Sem um compromisso institucional sólido da Conmebol e de outras entidades de organização do desporto, com punições exemplares tais quais as que foram aplicadas pela NBA, e com a valorização da história, como faz a MLB, cairão no vazio as mensagens de Jesse Owens (nos Jogos Olímpicos de 1936), de Tommie Smith e John Carlos (nos Jogos Olímpicos de 1968) e de tantos outros.

De maneira mais forte do que ocorreu nos casos Aranha e Tinga, a existência das redes sociais ajuda a ecoar o que fazem LeBron James, Vinícius Júnior, Yago Mateus e, agora, Luighi: denunciar e cobrar publicamente, “dez vezes se for preciso”, até que eles, as entidades e os racistas, estejam preparados para aprender a lição.

Basta!

Repetindo o que escrevi em 2023, o esporte, desta vez com e por Luighi, respira e reage. Ao fazê-lo, quem respira e reage é a própria sociedade.

Crédito imagem: Associated Press/ AP Photo

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.