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Os ventos de mudança que nos libertam e ameaçam

Iniciarei hoje a coluna Direito no Lance, fazendo parte do encantador projeto Lei em Campo, tão bem conduzido por Andrei Kampff, que conta com inúmeros outros colegas e amigos também apaixonados pelo Direito Desportivo.

O tema que escolhi para começar este diálogo semanal com você, caro leitor, foi a mudança.

Mudar nem sempre é fácil. Implica em escolher uma nova jornada para a vida, lidar com o inusitado, viver experiências desconhecidas, sair da zona de conforto. Não se pode negar que há mudanças que são prejudiciais, embora aparentem, inicialmente, mais agradáveis. Enfim, apenas vivendo poderemos asseverar isso.

O mercado esportivo brasileiro foi balançado fortemente com a edição da Medida Provisória n° 984/2020, que alterou o caput e § 1°, do artigo 42, da Lei n° 9.615/1998, dentre outros dispositivos. Me atenho somente a estes dois. Ou seja, modificou-se a essência dos direitos de transmissão de jogos e do denominado Direito de Arena.

A partir dai, muitas teorias e teses têm surgido sobre os desdobramentos da eficácia – que é imediata – da MP 984 na realidade jurídica, algumas bem calcadas, outras nem tanto; umas oportunas, outras oportunistas. Enfim, tudo isso faz parte do script desta película que assistimos.

No Parlamento, local onde se decidirá se a Medida Provisória em questão se converterá em Lei ou se fenecerá, o azougue foi idêntico: 91 emendas dentro do prazo regimental. Seguramente, um recorde, que revela o  interesse que o tema causou na sociedade civil através dos seus representantes.

No que tange à modificação do caput do artigo 42, da Lei Pelé, que dá poderes exclusivos aos mandantes de jogos para negociar o direito de transmissão dos jogos, essa conta com expressiva acolhida dos clubes de futebol, dos juristas do esporte, da imprensa e dos torcedores. Com isso, fica patente que a alteração foi acertada e – diríamos – até necessária.

É tão evidente o interesse sobre a ratificação da norma por meio de futura conversão em lei, que as questões formais atinentes à edição de medida provisória ficaram em segundo plano!

A sensação é que os novos ventos nos fizeram esquecer que este direito um dia já foi compartilhado entre mandante e visitante. Klaus Meine, vocalista dos Scorpions[1], ao compor Wind of Change soube bem sintetizar a sensação do esquecimento do passado e o ardor por um futuro novo[2] – no caso, o sentimento advindo da queda do Muro de Berlim[3], que significou a reunificação da Alemanha e um novo tempo para as pessoas e a geopolítica mundial (culminando com o fim da União Soviética dois anos depois).

Mas, nem toda mudança será marcada por acertos.

Na hipótese da alteração das regras atinentes ao direito de arena (art. 42, § 1°), o fluxo de aceitação é diametralmente àquele exposto acima. As inconsistências no texto provocam inúmeras incertezas, trazem abalos ao próprio conceito do instituto jurídicos e seus limites.

Antevejo até um ativismo judicial para solucionar tais questões que a modificação permite trazer a efeito. Portanto, aqui, para se mudar, é preciso ter mais exatidão e certeza do que se pretende.

Veja-se que, após a alteração advinda na MP 984, se passou a questionar se o clube mandante tem o dever de pagar direito de arena aos atletas visitantes; a motivação de se extirpar os sindicatos do texto de lei; renascimento da luta dos árbitros para receber também valores por exposição da sua imagem; e até mesmo técnicos e membros de comissão técnica aventam serem titulares de direito de arena.

Fato inconteste é que tais questões jurídicas são importantes e merecem solução dentro do processo legislativo que se submete à MP 984.

Não se pode mais esperar para se definir se o conceito jurídico que a Lei Pelé e jurisprudência firme do Tribunal Superior do Trabalho deram ao direito de arena deve ser alterado para incluir esses novos atores; ou, preservado na íntegra, rechaçando incertezas com texto legal claro e preciso.

Ao mesmo tempo em que estamos libertos de um passado com as alterações eleitas, somos ameaçados com retrocessos e anomia se não escolhermos adequadamente o que e como mudar.

A oportunidade de se construir a história é agora, olhar adiante com destemor e sem olhar para trás.

Tal qual no mundo idílico reportado na canção do Scorpions, além da mensagem de esperança por dias melhores com as mudanças, será preciso união de esforços para que estas se tornem realidade.

Somente, os efeitos da MP 984 divergem dos conceitos sobre mudança na balada alemã porque, embora seja um tornado que tocou o sino da liberdade, não nos trouxe ainda paz de espírito[4]. E nem creio que trará tão cedo!

E sigamos vendo e fazendo a nossa história! Let your balalika sing, what my guitar wants to say.

Bem-vindos aos novos tempos do Lei em Campo!

……….

[1] O Scorpions é uma banda alemã de hard rock (considerada a primeira do gênero na Alemanha), nascida em 1965, que influenciou gerações e movimentos diversos do Rock.

[2] Walking down the street/ Distant memories/ Are buried in past forever (…) Take me to magic of the moment/ On a glory night / Where the children of tomorrow dream away/ In the wind of change.  Descendo pela rua/E memórias distantes/Estão enterradas no passado para sempre (…) Leve-me à magia do momento/Em uma noite de glória/Onde as crianças do amanhã sonham/No vento da mudança. (tradução livre).

[3] Também chamado de “Muro da Vergonha”, foi uma muralha construída – não apenas ideológica, e sim física- para separar a cidade de Berlim, em 1961. Após a Segunda Guerra Mundial, os vencedores (Grã Bretanha, França, EUA e União Soviética) decidiram dividir a nação derrotada para construir a sua unificação. Porém, as relações entre “capitalistas” e “comunistas” deterioraram, ocasionando a divisão em Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental. Berlim, que era controlada pelos vencedores, se transformou num ícone da Guerra Fria, sobretudo após a construção do muro e da ordem de proibição de se cruzar de um lado para o outro,  sob pena de morte (a chamada ordem 101) por disparos dos soldados orientais que vigiavam.

[4] Impossível não parafrasear esse trecho de Wind of change: The wind of change blows straight/ Into the face of time/ Like stornwind that will wing/The freedom bell for peace of mind (O vento da mudança sopra direto/ No rosto do tempo/ Como o tornado que irá tocar/ O sino da liberdade para a paz de espírito – tradução livre).

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