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Osaka, a lei dos Grand Slams e saúde mental

Por Giulianna Selingardi

No dia 31 de maio, a número 2 do mundo, Naomi Osaka, se retirou de Roland Garros, Grand Slam francês, o único jogado no saibro. Tudo começou quando a atleta anunciou que não daria as mandatórias entrevistas postmatch. Após vencer seu primeiro jogo contra a romena Patricia Maria, Osaka realmente não apareceu na coletiva de imprensa. A resposta da organização veio de forma ríspida, acompanhada de uma multa de U$ 15 mil dólares e uma ameaça de suspende-la.

Segundo consta nos rulebooks e códigos de conduta da ITF (Federação Internacional de Tênis), WTA (Associação de Tênis Feminino) e dos próprios ACES (activities at each Tournament – atividades de cada torneio) que, neste caso, se representa pela FFT (Federação Francesa de Tênis), as entrevistas pós jogos em torneios de Grand Slam são obrigatórias para todos os tenistas, sejam eles da chave masculina, feminina, duplas ou duplas mistas.

Mas o motivo apresentado por Osaka para descumprir sua obrigação não foi nada irrelevante. A atleta disse que “A verdade é que eu tenho sofrido longos períodos de depressão desde o US Open de 2018 (..) e todos que me viram em torneios notam que eu geralmente estou com fones de ouvido porque eles ajudam a aplacar minha ansiedade mental. Embora a imprensa especializada em tênis tenha sempre sido carinhosa comigo (..) eu não sou uma oradora natural e tenho enormes crises de ansiedade antes de falar com a imprensa. Nunca quis ser uma distração e aceito que meu momento não foi o ideal e minha mensagem poderia ter sido mais clara. Mais importante, eu nunca banalizaria a saúde mental ou usaria o termo levianamente. ”

O estado de saúde mental da Osaka não deve ser questionado, sendo a pessoa que sofre de ansiedade, depressão e outros tipos de condições relativas à saúde mental, a única com legitimidade para definir tanto a situação em que se encontra, quanto seus limites. Mas a pergunta é: as autoridades do torneio teriam violado alguma lei caso tivessem, de fato, expulsado Naomi Osaka do Grand Slam? De certa forma, pode-se dizer que sim.

O comunicado informando a multa e a possível suspensão, assinado pelos chefes dos 4 torneios de Grand Slam, Gilles Moretton por Roland Garros, Jayne Hrdlicka pelo Australian Open, Ian Hewitt por Wimbledon e Mike McNulty pelo US Open, pareceu ignorar um instituto fundamental, quando se trata de saúde mental, chamado de “acomodações razoáveis”.

As disfunções de saúde mental, como depressão, ansiedade, síndrome do pânico e outras, são caracterizadas como distúrbios cerebrais. Deste modo, podemos toma-los por uma deficiência, ainda que momentânea. Em diversos países, inclusive na própria França, há leis que regulam proteções anti-discriminação e delegam ao empregador, por exemplo, a obrigação de realizar acomodações razoáveis nos ambientes de trabalho.

O Código Penal francês, em seu Artigo 225 – 1§1, define discriminação como “qualquer distinção feita entre pessoas físicas em razão de sua origem, seu sexo, seu estado civil, sua gravidez, sua aparência física, seu sobrenome, seu local de residência. Seu estado de saúde, sua deficiência, suas características genéticas, seus costumes, sua orientação ou identidade sexual, sua idade, suas opiniões políticas, suas atividades sindicais, sua filiação ou não filiação, verdadeira ou suposta, a uma etnia, nação, raça ou religião específica”.

Neste paralelo, a lei ADA (Americans with Disabilities – Americanos com Deficiência), é uma das leis mais abrangentes de Direitos Civis da América, que proíbe a discriminação e garante que pessoas com deficiência tenham seus diretos e oportunidades asseguradas e inclui, neste rol, as condições de saúde mental. Assim como na lei francesa, a ADA também sugere que as empresas façam, nos casos possíveis, acomodações razoáveis desde que não alterem fundamentalmente a natureza do negócio.

A Suprema Corte dos EUA apreciou uma questão relativa, no caso “Casey Martin v. PGA Tour, Inc”. Casey Martin é um jogador de golfe profissional que sofre da Síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber, condição que complica seu andar, logo, sua locomoção. O PGA Tour se recusou a conferir à Casey o direito de se locomover nos famosos carrinhos de golfe, praticamente inviabilizando a participação do atleta.

O golfista recorreu à justiça americana e peticionou alegando a discriminação com base na sua condição de deficiência, bem como seu direito de participar do torneio. No caso julgado em 2001, Casey terminou vitorioso por 7 votos a 2, após a Suprema Corte entender que a utilização dos carrinhos para a locomoção de uma atleta não interferia necessariamente no caráter fundamental do ato, nem lhe conferia vantagem esportiva e técnica relevante.

Deste modo, aplicando o exposto ao caso de Naomi Osaka, não teria a ameaça de suspende-la do Grand Slam sido demasiadamente exagerada? O quanto de vantagem esportiva e técnica a ausência na coletiva de imprensa pós jogo confere ao atleta? O quanto a organização de Roland Garros e os demais envolvidos não ignoraram as recomendações, inclusive da OMS, de flexibilizar para proferir acomodações razoáveis ao atleta que sofre com uma condição séria de saúde mental?

Não é nenhum absurdo afirmar que a condução da situação Osaka se deu de modo equivocado e até leviano ao tratar da saúde mental, uma das condições que mais assombram a sociedade moderna, de forma inflexível.

O grito de alerta de uma das atletas mais bem pagas do mundo é um sinal, meio à tantos outros, de que os administradores e reguladores do desporto mundial, precisam, com urgência, através de diálogo, estudo e conscientização, encontrar novos caminhos para oferecer ao seu bem mais preciso condições suficientes para que eles se preocupem, tão e somente, em jogar.

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Advogada. Pós-Graduanda em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Curso de extensão em Governança & Compliance no Futebol pela Confederação Brasileira de Futebol.

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