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Passou da hora de discutir a insalubridade no contexto do esporte durante a pandemia de COVID-19, até porque a prescrição está ocorrendo

Por Higor Maffei Bellini

Olá a todos, voltamos mais uma vez, a este importante espaço de discussão e difusão de ideias, relacionadas ao direito e ao esporte de maneira geral, agora para tratar de um assunto que o tempo está tratando de deixar ultrapassado, em razão da ocorrência da prescrição e esperamos, que pelos avanços da ciência não aconteçam, novamente em tão breve espaço de tempo, mas, que ainda vale a pena ser visto.

Sim, estamos falando das consequências da COVID-19 nos contratos de trabalho das pessoas que trabalhavam com esporte durante a crise mundial, a pandemia de COVID, que literalmente fez o mundo parar por mais de um ano. No entanto, o esporte não parou completamente; ele se adaptou e, após uma breve pausa, voltou a acontecer, proporcionando entretenimento para aqueles que estavam recolhidos em casa.

Mas não vi discussões sobre uma mudança que a pandemia de COVID, deveria ter causado nos contratos de trabalho dos atletas, ao menos no Brasil, onde existe o adicional de insalubridade, a ser pago aos empregados que desenvolvem as suas atividades em situações de contaminação por agentes biológicos. O que segundo se comentava e dizia na época acontecia, apenas da pessoa sair de sua residência, razão pela qual se orientavam as pessoas ao regressar da rua, deixar os sapatos, fora de casa e imediatamente higienizar as mãos com álcool em gel.

Alguns esportes como o basquete norte-americano, representado pela NBA, entrou a solução para questão levando as equipes, para uma grande bolha sanitária, onde os atletas e demais empregados das equipes, ficaram isolados do mundo apenas, para desempenhar as suas atividades profissionais, jogar basquete[1].

Modelo esse não repetido no Brasil. Aqui os empregados dos clubes, de todos os esportes, continuaram a morar em suas residências, fazendo deslocamentos para treinar e competir, segundo os protocolos sanitários existentes[2].

E aqui é o nosso ponto de partida, para desenvolver a nossa ideia, pois como no caso do futebol, foi efetuado um protocolo pela CBF, para tentar prevenir, pois houve contaminações pela covid. Em alguns casos com grande parte do elenco contaminada, em uma única oportunidade[3], situação que atingiu tanto o elenco masculino como o elenco feminino[4].

Assim, é certo que o vírus da COVID-19 estava circulando nos clubes de futebol no Brasil, pois a imprensa noticiou que havia atletas com resultado positivo para a COVID-19. Isso indica que eles estiveram em contato com o vírus em algum lugar, possivelmente no próprio ambiente de trabalho. Em qualquer esporte, é comum haver contato físico e troca de suor devido à atividade física. Portanto, não é possível afirmar que as pessoas foram contaminadas apenas em suas vidas privadas ou em casa.

E tendo isso em mente podemos dizer que deveria ser aplicado o disposto no artigo 189 da CLT, que assim estabelece:

Art.189 – Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

Esta aplicação do artigo 189 da CLT deveria ter sido para todos os empregados de clubes, que estavam ligados aos esportes que não pararam, durante a pandemia de COVID19, não apenas, para os profissionais das áreas de saúdes destes clubes, posto que todos ali estavam expostos à possibilidade contaminação, pois se a possibilidade não existisse, não teriam sido desenvolvidos protocolos, para buscar evitar a presença de atletas contaminados, nas partidas disputadas.

Isso porque todos os envolvidos, ao que parece, ao menos tinham a noção de que o simples fornecimento de EPIs, não iria servir para proteger as pessoas, que trabalhavam com o esporte, pois, de nada adiantava fornecer as máscaras, o álcool em geral ou fazer qualquer outra medida, pois os atletas continuavam a ficar doentes. Este fato de que não via EPI, que afastasse a possibilidade de contaminação, foi abordado em decisão judicial inclusive, como se observa abaixo:

“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. GRAU MÁXIMO. COVID-19. AUSÊNCIA DE PROVA PERICIAL. DEFERIMENTO DA PARCELA COM FUNDAMENTO EM OUTROS MEIOS DE PROVA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA . O regramento insculpido no art. 195, § 2º, da CLT é claro no sentido de que ao magistrado, condutor do feito, é obrigatória a determinação da realização de prova pericial quando se estiver diante de pleito de adicional de insalubridade ou periculosidade, muito embora, relembre-se, o laudo pericial não seja vinculante. Lado outro, a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de admitir a dispensa da realização da perícia quando nos autos houver elementos outros que atestem as condições de risco experimentadas pelo trabalhador. Precedentes. No caso, o e. TRT, com base na prova testemunhal, deferiu o pagamento do adicional de insalubridade, em grau máximo, ao concluir que a Reclamante trabalhava na “linha de frente”, em contato direto com pacientes acometidos pela COVID-19. Ressaltou, nesse passo, que “o mero uso de máscaras, luvas e álcool por esses profissionais não tem o condão de eliminar o risco de contaminação pela COVID 19″. Nesse contexto, ante as premissas fáticas delineadas pela Corte de origem, insuscetíveis de reexame ante a vedação da Súmula nº 126/TST, verifica-se que o reclamante laborou em condição de risco, sendo desnecessária, portanto, a perícia técnica. Ressalte-se, ainda, que a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o adicional deinsalubridadeé devido, emgrau máximo, ao empregado que mantém contato permanente com agentes biológicos infectocontagiosos, ainda que não exerça suas atividades em área de isolamento. Precedentes. Assim, estando a decisão regional em harmonia com a jurisprudência pacífica desta Corte, incide a Súmula nº 333 do TST como obstáculo à extraordinária intervenção deste Tribunal Superior no feito. A existência de obstáculo processual apto a inviabilizar o exame da matéria de fundo veiculada, como no caso , acaba por evidenciar, em última análise, a própria ausência de transcendência do recurso de revista, em qualquer das suas modalidades, conforme precedentes invocados na decisão agravada. Agravo não provido” (Ag-AIRR-100146-25.2022.5.01.0002, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 17/05/2024).

Lembrando que os dados divulgados eram sobre atletas e técnicos, e não diziam respeito aos integrantes da rouparia, segurança ou motoristas das equipes. Outra prova de que não era seguro trabalhar com o esporte durante a COVID-19 é que as partidas foram disputadas sem a presença de público nos estádios e arenas esportivas, para manter o distanciamento social entre as pessoas. E quando se abriu uma exceção para a presença de público no auge da pandemia, foi exigida a apresentação de exames negativos para a COVID-19[5].

Assim, a COVID-19 mudou o mundo do esporte e o mundo jurídico, enquanto estava em nível de pandemia mundial. Aos que não se lembram do que foi a referida epidemia sob a ótica do direito do trabalho, basta lembrar que, junto ao TRT7, ao ser decidida a questão número 0080473-55.2020.5.07.0000, ficou estabelecido que seria devido aos substituídos o adicional de 40% de insalubridade, independente da apresentação de laudo pericial. Vejamos a ementa

PROCESSO nº 0080473-55.2020.5.07.0000 (IAC)

SUSCITANTE: DESEMBARGADOR JOSÉ ANTONIO PARENTE DA SILVA

SUSCITADO: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 7ª REGIÃO

RELATOR: JOSE ANTONIO PARENTE DA SILVA

EMENTA

INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA – IAC. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SINDICATO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. CONTROVÉRSIA ACERCA DO PAGAMENTO DE ADICIONAL DE INSALUBRIDADE EM GRAU MÁXIMO INDEPENDENTEMENTE DE PROVA PERICIAL. COVID-19. APLICAÇÃO DO ART. 947 DO CPC E ART. 166-A DO RITRT7.

  1. O caso em apreço entabula hipótese de substituição processual decorrente de direito individual homogêneo cuja origem comum decorre de situação de trabalho sujeito a condição de trabalho insalubre em grau máximo. Aplicabilidade do art. 81 doCDCe art. 8º, III, da CF/88. Legitimidade do sindicato que se reconhece.

  2. Incidente de Assunção de Competência – IAC instaurado para deliberar acerca da possibilidade, ou não, de majoração do adicional de insalubridade ao grau máximo, de 40%, independentemente de prova pericial, para aqueles trabalhadores que percebem adicional de insalubridade de grau médio, de 20%, durante o período de duração da pandemia da COVID-19.

  3. Para os efeitos do art. 947 do CPC e art. 166-A do RITRT7, fixar tese jurídica: “É devido o adicional de insalubridade em grau máximo, de 40% (quarenta por cento), independentemente de laudo pericial, aos trabalhadores substituídos pelo SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE NO ESTADO DO CEARÁ que se encontrem expostos ao risco biológico do SARS-CoV-2, descritos no Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), conforme subitem 9.3.3, “d” e “e”, da NR 9 c/c subitem 32.21.2.1, inciso II da NR 32, enquanto vigorar, no âmbito do Estado do Ceará, o Estado de Calamidade Pública reconhecido pelo Decreto Legislativo 543/2020, que se estende, no momento, até 31/06/2021″.

  4. No caso concreto, concedida a segurança.

Se para o esporte, mais especificamente, para o caso do futebol, já existe a possibilidade do pagamento de adicional de insalubridade, em razão do calor, após o julgamento do processo: 0000707.96.2016.5.21.0001, porque não haveria a possibilidade de pagamento de adicional de insalubridade, em razão do risco biológico que foi a COVID19?

Não discuto que deva ser em grau máximo, apesar de eu achar que seria o mais indicado nesse caso, pois, embora os empregados de clubes de futebol, ou qualquer outro esporte, não estivessem na linha de frente do combate à pandemia, como médicos, enfermeiros e profissionais de saúde em geral, eles estavam expostos ao risco de contaminação e, por isso, deveriam receber o adicional, e o que gera o direito ao adicional é a exposição ao agente, não a ocupação profissional da pessoa.

A meu ver nada impediria a condenação dos clubes, se demandados perante a justiça do trabalho, ao pagamento do adicional de insalubridade e seus respectivos reflexos, pelo período quem que a pessoa atuou, durante a pandemia, que era publico e notório, que trazia risco de vida para as pessoas. E não se venha com o argumento de que não seria devido, pois são atletas, não expostos a grupo de risco, pois como dito no começo estamos pensando em todos os envolvidos, na competição não apenas nos atletas.

Para quem não sabe, o apoio às atividades desenvolvidas pelos jogadores envolve pessoas indispensáveis para a realização do espetáculo. Entre essas pessoas, há idosos, hipertensos, diabéticos e obesos. O que se vê na tela ou nas quadras é apenas uma parte do show, e não o espetáculo completo

O esporte, como sempre digo, não é um mundo apartado da realidade terrena. Apesar de alguns insistirem em que o esporte deve ser tratado de forma diferente, não deve. O esporte é apenas mais uma atividade que precisa se adaptar à realidade existente no mundo jurídico e além.

Assim sendo, a meu ver, já estava passando da hora de esta questão ser ao menos discutida, se não na prática com processos sendo apresentados perante a justiça do trabalho, mas academicamente, para que se tivesse a oportunidade de encontrar uma linha de raciocínio para quando ocorrer novamente uma situação de pandemia. A gripe espanhola demonstra que, passados mais de 100 anos desde sua ocorrência[6], o esporte e o direito não estavam preparados para outra pandemia, como foi a COVID-19.

Crédito imagem: Reprodução

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] https://www.uol.com.br/esporte/basquete/ultimas-noticias/2020/09/30/nba-mostra-como-se-faz-uma-bolha-contra-covid19-em-3-meses-nenhum-caso.htm

[2] https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/index/cbf-publica-guia-medico-para-retorno-das-atividades-do-futebol#:~:text=As%20medidas%20de%20prote%C3%A7%C3%A3o%20para,pelas%20autoridades%20de%20sa%C3%BAde%20locais.

[3] https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/corinthians-tem-oito-atletas-infectados-com-covid-19/#:~:text=Os%20jogadores%20infectados%20foram%20os,Ramiro%20e%20o%20atacante%20Cau%C3%AA.&text=Os%20exames%20iniciais%20foram%20realizados,sa%C3%ADram%20nesta%20ter%C3%A7a%20(2).

[4] https://www.torcedores.com/noticias/2020/07/tres-jogadoras-elenco-feminino-do-corinthians-estao-com-o-novo-coronavirus

[5] https://istoe.com.br/com-5-mil-pessoas-no-maracana-final-da-libertadores-tera-logistica-especial/

[6] https://ge.globo.com/pe/futebol/noticia/paralisacoes-e-ate-morte-como-a-gripe-espanhola-afetou-o-futebol-brasileiro-ha-102-anos.ghtml

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