Um dia após o Paris Saint-Germain ser derrotado na final da Liga dos Campeões, o governo do Catar, dono do time francês, sofreu mais um revés na imagem do seu propalado e bilionário projeto esportivo. Relatório da Human Rights Watch, organização internacional não-governamental que defende os direitos humano, mostra que os empregadores em todo o Catar frequentemente violam o direito dos trabalhadores a salários e que o Catar não cumpriu compromisso firmado em 2017 com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em que prometeu proteger os trabalhadores migrantes de abusos salariais e abolir o sistema kafala, que vincula os vistos dos trabalhadores migrantes aos seus empregadores.
“O governo catari usa o esporte de forma suja, injeta muito mais recursos nos seus times, nas suas competições. Pensa em quantas pessoas morreram na construção dos estádios do Catar. Isso nunca tinha acontecido antes. Então, o Catar joga na cara do mundo a hipocrisia do dinheiro. As pessoas falam muito em valores esportivos, e o Catar estapeia todo mundo com os bilhões de dólares na mão. Fifa, Uefa, todo mundo de joelhos para o emir do Catar, um dos homens mais ricos do mundo. Sem sombra de dúvida a hipocrisia do esporte”, dispara o consultor de marketing Amir Somoggi.
O relatório “Como podemos trabalhar sem salários?: Abusos salariais enfrentados por trabalhadores migrantes antes da Copa do Mundo FIFA 2022 do Catar” A Human Rights Watch encontrou casos e casos de abusos salariais em várias ocupações, incluindo guardas de segurança, servidores, baristas, seguranças, faxineiros, pessoal administrativo e trabalhadores da construção.
Na tentativa de cooptar a opinião pública internacional e aplacar as denúncias de violações de direitos humanos, o Catar resolveu utilizar o esporte como instrumento de propaganda do regime comandado pelo Emir Tamim Bin Hamad Al Thani.
Em 2010, a pequena nação de 11,581 km2 e 2,8 milhão de habitantes no Golfo Pérsico conquistou o direito de sediar a Copa do Mundo de 2022. Em 2011, adquiriu, através fundo soberano Qatar Sports Investments (QSI), o controle do PSG. De lá para cá, gastou 1,2 bilhão de euros em contratações para tornar o clube em uma potência europeia. Os sete títulos franceses nunca foram o foco. O título europeu sempre foi a meta. E a derrota diante do Bayern põe vem no momento em que o país é novamente cobrado por não garantir direitos básicos aos cidadãos de outros países que viram no Catar a possibilidade de sobrevivência, mas que hoje convivem com passaportes retidos, condições de trabalho insalubres e subtração do salário.
A progressão do PSG de uma equipe de segunda linha para a luta pelo mais alto patamar esportivo no cenário de clubes é simbolizada pela dupla Neymar-Kylian Mbappé, que chegou em 2017 por mais de 400 milhões de euros para mudar a história do clube e, além disso, ajudar o Catar em sua estratégia internacional de melhorar em termos de imagem, apesar das recorrentes críticas de tortura, repressão a homossexuais e falta de liberdade de expressão.
“Dez anos desde que o Catar ganhou o direito de sediar a Copa do Mundo de 2022 da Fédération Internationale de Football Association (FIFA), os trabalhadores migrantes ainda enfrentam salários atrasados, não pagos e deduzidos”, disse Michael Page, vice-diretor do Oriente Médio e Norte da África da Human Rights Watch. “Ouvimos falar de trabalhadores morrendo de fome devido a atrasos nos salários, trabalhadores endividados labutando no Catar apenas para receber salários mal pagos e trabalhadores presos em condições de trabalho abusivas devido ao medo de retaliação.”
A Human Rights Watch enviou as conclusões deste relatório junto com as perguntas ao Ministério do Trabalho e ao Ministério do Interior do Catar, bem como à Fifa e ao Comitê Supremo para Entrega e Legado do Catar. Recebemos respostas do Comitê Supremo, do Gabinete de Comunicações do Governo do Catar (GCO) e da FIFA.
A entidade que comanda o futebol mundial afirmou que está “ciente da importância das medidas de proteção salarial no país”, e que implementou sistemas robustos para prevenir e mitigar abusos salariais em sites da Copa do Mundo, bem como mecanismos para que os trabalhadores levantem queixas e práticas potenciais para providenciar remediação quando as empresas não cumprirem os padrões estabelecidos por ela. “A Fifa incentiva veementemente os trabalhadores e ONGs que desejam levantar preocupações com relação aos locais da Copa do Mundo por meio da linha direta de Bem-estar dos Trabalhadores. Isso permitirá que as equipes no local verifiquem essas informações e tomem as medidas adequadas sempre que necessário, como sempre no melhor interesse dos respectivos trabalhadores”, escreveu a Fifa.
“Claro que o que eles buscam é a conquista, mas é uma construção. A chegada de Neymar e Mbappé acelerou o processo e já os levou à final. Sobre o pós-Copa, vejo como uma incógnita. Parecem ter gostado da indústria, a ponto de estarem próximos à Uefa. Mas com o objetivo maior realizado, talvez venha algum ajuste. Mas é cedo para falar nisso. Talvez resolvam reduzir investimentos ou, quem sabe, até aumentar e seguir o exemplo do Manchester City, comprando clubes em outros países”, analisou o economista César Grafietti.
Fato é que o relógio está correndo e o tempo para o Catar mostrar que mudou, ou que pretende mudar, a forma como o país encara os direitos humanos está se esgotando.
“O Catar precisa mostrar que vai cumprir sua promessa de abolir o sistema de kafala, melhorar seus sistemas de monitoramento de salários, acelerar seus mecanismos de reparação e adotar medidas adicionais para combater o abuso salarial”, disparou Michael Page, vice-diretor do Oriente Médio e Norte da África da Human Rights Watch.
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