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Pesquisas, torcidas e polêmicas

Por Renato Gueudeville

Dizem que mais decepcionante do que previsão do tempo é pesquisa eleitoral. Uma maldade aos profissionais dos segmentos.

O fato é que as pesquisas de opinião sempre serão polêmicas. Com cada vez mais pessoas na sociedade que mudam rapidamente de opinião como quem troca de roupa, dar uma resposta assertiva dos resultados ao mercado sempre será uma gincana. Não é necessário afirmar que isso faz com que os institutos de pesquisas também passem por momentos de grandes desafios.

E pesquisas de torcidas, em diversas ocasiões, estão acopladas em outras de opinião. Se um grande instituto desses vai a campo, entrevistando algumas milhares de pessoas, nada mais racional do que incluir algumas perguntas acessórias e que derivem para outras pesquisas segmentadas. É uma espécie de spin-off das pesquisas.

A última pesquisa sobre torcidas, realizada pelo Datafolha em 2019, nos traz os percentuais do infográfico abaixo presente na reportagem deste link do ge.

Há anos, o G5 é intocável e com pequenas variações percentuais entre eles. Vai mudar algo na vida do Flamengo se ao invés de 20% ele passar a ter 19% ou 21%?

Qual a real distância entre Vasco, Cruzeiro e Grêmio? Não é preciso nem mencionar a turma do 1%. Um arredondamento injustificável para um momento em que até a 2ª casa decimal após a vírgula faz a diferença. E faz diferença mesmo?

Existem tantos fatores que podem influenciar a mensuração correta de uma pesquisa de futebol. Citar alguns deles pode ser um bom exercício para nossa reflexão.

  1. A fase vivida pelo clube.

Pesquisa é foto, não é filme. Os retratos do momento do clube são decisivos para os resultados da amostragem.

A do Flamengo sempre foi a maior, isso é inquestionável, mas ela aparecerá maior ainda em pesquisas de 2019 para cá.

Da mesma forma que o Corinthians também apareceu cada vez mais representativa quando foi campeão da Libertadores e Mundial em 2012.

Vejam abaixo a pesquisa do Ibope em parceria com o Lance, de 2014, e a distância que aparece entre o Flamengo e o Corinthians. A distância entre os dois clubes era de 2,6 p.p (pontos percentuais) e,  em 2019, passou a ser de 6 p.p.

Se considerarmos, para efeito de facilitarmos os cálculos, uma população de 210 milhões de habitantes, o Flamengo teria em 2019 cerca de 8 milhões de torcedores a mais do que em 2014.

Se levarmos em conta que a população brasileira cresceu em torno de 9 milhões de habitantes nos intervalos de períodos mencionados acima, só nasceram flamenguistas em terras brasileiras. Ou ainda, que em 2014 explodiu o número de corinthianos no país a ponto de colocar a soberania rubro-negra em questão.

Sinceramente? Melhor deixar para cada um de nossos leitores a conclusão de uma análise dessas.

  1. Quais as cidades em que a pesquisa aconteceu.

Esta pesquisa que o Datafolha fez em 2019 foi com 2.878 pessoas em 175 municípios do Brasil entre os dias 29 e 30 de agosto. Onde essas pessoas foram entrevistadas? Quais regiões, cidades? A escolha de um voto de uma cidade que tem 10 milhões de habitantes versus uma de 100 mil habitantes têm o mesmo trato na amostra?

Certamente, a teoria da amostragem mitiga essas discrepâncias. Longe do autor desse artigo desqualificar as ciências estatísticas, mas sim, de provocar que a nossa vida digital nos permite evoluir os formatos, metodologias e modelos.

  1. O formato e conteúdo das perguntas.

Até a ordem do questionário pode influenciar. Se o pesquisador começar uma lista com Flamengo, Corinthians e, ao invés do São Paulo, colocar o Palmeiras em 3º, existe uma grande probabilidade de trazer votos daqueles não convictos para o time alviverde.

As pesquisas são essenciais para o mercado. A provocação aqui é justamente que os stakeholders do futebol busquem evoluir os formatos, métricas utilizadas, metodologias e, acima de tudo, abrangência. A digitalização está aí para aumentar exponencialmente a capilaridade da amostra.

Será que precisamos, em pleno de 2021 e em um mundo extremamente digital, se contentar com pesquisas de duas mil pessoas que medem quem ganhará a eleição presidencial ou qual a maior torcida do país?

Além disso, nós precisamos extrapolar a mesmice dessas pesquisas. Mais importante do que saber o tamanho e montar rankings que servem de insumos de caça-cliques em sites é conhecer o perfil do torcedor. É focar no qualitativo e deixar o quantitativo para massagear o ego de quem frequenta as arquibancadas.

O quantitativo é para o ego do torcedor. O qualitativo é para o negócio.

Ter os dados cadastrais de cada torcedor deveria ser o novo indicador de performance. Conhecer seu comportamento enquanto fã e consumidor, contemplando um país continental e com diversas facetas multiculturais, é a informação que os gestores de clubes deveriam concentrar suas prioridades.

Informações qualificadas do perfil dessas pessoas servirão de base para estratégias mais assertivas no desenho de produtos, serviços e precificação, além da captura cada vez maior daquela que é a grande moeda dos tempos modernos: o engajamento.

Enquanto o modelo não evoluir, vamos nos divertindo com a nossa irracional paixão por rankings e os gestores tentando pagar as contas dos clubes com seus milhões de torcedores distantes.

A vantagem desses rankings? Junta a turma, puxa as cadeiras e pede umas geladas no seu boteco de estimação.

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Renato Gueudeville é administrador de empresas com MBA em Finanças Corporativas, conselheiro consultivo, gestor com conhecimento em reestruturação empresarial com atuação pelas principais instituições financeiras do país. Acredita que no mundo da bola, fora da gestão não há salvação. É sócio do Futebol S/A.

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