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Ponto final

O cérebro de Einstein tinha algumas diferenças morfológicas impressionantes e que fugiam do padrão dos seres humanos. Pesquisadores detectaram que o córtex pré-frontal, somatossensorial, motor, parietal, temporal e occipital eram extraordinariamente grandes.

Jeff Dabe, lutador profissional de queda de braço, possui braços que são absolutamente desproporcionais em relação aos seu corpo. Os antebraços de Jeff medem 49 centímetros de circunferência e, com essa medida, ele obtém grande vantagem em relação aos seus adversários.

Michael Phelps detém características físicas que fizeram dele um nadador muito superior aos demais. Estudiosos já destacaram que especialmente o grande formato das mãos e dos pés do americano foram decisivos na sua espetacular carreira.

Grande também é a quantidade de testosterona produzida pelo organismo da corredora sul-africana Caster Semenya, bicampeã olímpica nos 800 metros. Ela se nega a seguir a decisão da Associação Internacional das Federações de Atletismo (IAAF) que a obrigou a fazer um tratamento para reduzir as suas taxas do referido  hormônio.

Semenya teve duas derrotas ao discutir o assunto em juízo. Perdeu no Tribunal Arbitral do Esporte e nesta semana foi negado provimento ao recurso de apelação que interpôs no Supremo Tribunal da Suíça.

Como explicam os especialistas, a testosterona é muito influenciada pelo humor. Ao saber desse resultado, tenho certeza que meus níveis dessa substância devem ter flutuado bastante, pois é difícil admitir que, em pleno século XXI se considere que uma federação tenha o direito de invadir a individualidade de alguém como a IAAF fez com Semenya. E o pior: que essa decisão tenha sido referendada por duas cortes de justiça…

Não é preciso ter o cérebro de Einstein para entender que se está diante de uma flagrante violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, não apenas por ser um procedimento aviltante para a corredora, como também por discriminá-la pela sua constituição orgânica. Ademais, há igualmente uma ameaça à sua saúde, pois ninguém é capaz de garantir que as drogas que Semenya eventualmente venha a usar não lhe trarão problemas no futuro.

Esportivamente falando, não é certo apostar que a alteração dos niveis de substâncias orgânicas é decisivo nas disputas. Quem assistiu ao documentário “Ícaro” (2017), viu que o ciclista Bryan Fogel submeteu-se a um regime de dopagem consistente para vencer competições e seus resultados foram um fracasso.

Poderíamos também nos perguntar porque a Federação exigiu certos níveis de testosterona para equiparar as atletas e não estipulou outros critérios. Há atletas que poderão deter maior capacidade de reagir ao tiro de partida do que Semenya, possuir um campo de visão melhor do que ela, ou ainda ter uma ossatura que permita dar passadas mais largas do que a sul-africana, por exemplo.

Outra pergunta que se impõe consiste em perquirir se alguém tem o direito de impor a outrem que restrinja suas aptidões físicas para disputar espaço na sociedade com os demais.

Será que as federações esportivas poderiam determinar a redução dos membros de Phelps e Babe? Poderia a Fundação Nobel exigir que Einstein tomasse medicamentos visando atrofiar o cérebro, para que assim pudesse concorrer ao Prêmio Nobel de física que conquistou em 1921?

Não, não há diferença desses exemplos em relação à Semenya. Ela tem mais testosterona que outras mulheres, como poderia ter outras características físicas que a tornasse superior às demais. Se isso a ajuda a obter melhores resultados, que ótimo! Deve ser visto como um desafio para as rivais e não como um defeito a ser extirpado como se fosse um câncer.

Na prática, Semenya está sendo mesmo é punida por ter nascido do jeito que é, e não por haver burlado qualquer sistema. Como sabemos, a corredora não se valeu de qualquer expediente ilícito para alcançar seus objetivos.

 Rousseau, em seu “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens” (1755), fez a distinção entre desigualdades naturais e desigualdades sociais. Na obra, ele reconhece que se deve tentar eliminar o segundo tipo de desigualdades, mas não o primeiro, porque atenta contra a natureza dos seres humanos.

Não podemos fugir disso. Todos nós temos características particulares que nos distinguem dos demais, fazendo-nos melhores ou piores do que os outros em certos aspectos. Como dizia Benjamim Franklin, “Todo homem que encontro é superior a mim em alguma coisa”.

É preciso reconhecer as qualidades das pessoas e não tentar reduzir suas capacidades: Einstein teorizava sobre física como ninguém, Jeff é imbatível na quebra de braço; Michael Phelps é o melhor nadador de todos os tempos e Semenya corre espetacularmente bem.

E ponto final.

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