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Por que clubes brasileiros não são rebaixados por dívidas com a União

Levantamento da Folha de S.Paulo mostra que os clubes brasileiros da Série A do Campeonato Brasileiro devem, juntos, aproximadamente R$ 1,8 bilhão ao governo federal. O passivo tem como origem débitos tributários, previdenciários, Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS, Cofins, FGTS e INSS.

A dívida, apesar de exorbitante, parece estar controlada pela maior parte dos clubes, que aproveitaram programas de benefício fiscal como o Programa de Modernização da Gestão de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut) e o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) para parcelar seus débitos com a União.

“O clube não consegue manter as suas contas em dia porque gasta o que não pode”, afirma o advogado tributarista Flávio Rodovalho. “Para trazer um craque e, com isso, ganhar o campeonato, gasta o que tem. Se endivida e deixa a responsabilidade de lado. Ou seja, olha apenas o curto prazo. Em alguns casos, quando ganha, ainda consegue diminuir o prejuízo. Mas, na maioria das vezes, não diminui o prejuízo e ainda o aumenta. O olhar ainda é imediatista e não há planejamento esportivo em longo prazo. Sem uma visão conjunta e planejada, não há saída. E tudo o que se fez e se vier a fazer será apenas paliativo”, completa o advogado, que já atuou como diretor jurídico do Goiás.

Mas isso leva a outro ponto. Por que não pagar tributos não rebaixa os clubes brasileiros?

“Quem tem que determinar se um clube é rebaixado não é uma lei federal, nem o Congresso, e sim os próprios clubes e o regulamento dos campeonatos. O artigo 217 da Constituição garante autonomia para as entidades esportivas. Isso é uma questão que os clubes e a CBF têm que decidir. A punição ao devedor não pode ser desportiva”, argumenta o advogado especialista em Direito Constitucional Daniel Falcão.

O regulamento do Campeonato Brasileiro prevê, no artigo 19, a perda de três pontos por jogo para o clube que atrasar o salário, após 30 dias de atraso. Mas a denúncia tem de ser feita pelo jogador do clube para a Justiça Desportiva. A partir disso, o clube devedor tem 15 dias para acertar o pagamento, ou estará sujeito à perda de pontos.

“É um mecanismo que nenhum jogador vai usar, porque ficaria queimado perante o mercado”, ressalta Daniel Falcão.

Outra forma de rebaixamento para os maus pagadores é quando a dívida é contraída com outro clube. Nesta semana, o Cruzeiro teve de desembolsar R$ 18,5 milhões para não ficar em uma situação complicada no Campeonato Brasileiro.

Em janeiro de 2015, o clube mineiro foi até o Uruguai e comprou dois jogadores: Giorgian de Arrascaeta e Gonzalo Latorre. Enquanto Arrascaeta deu títulos ao clube e rendeu milhões aos cofres, Latorre nunca vestiu a camisa do time profissional do Cruzeiro. Mas a equipe mineira se comprometeu a pagar R$ 12 milhões ao Atenas, do Uruguai, pelos direitos econômicos de Latorre. E não o fez. O Atenas foi até a Fifa, denunciou o Cruzeiro e obteve a vitória na ação. Assim, a entidade máxima do futebol ameaçou o Cruzeiro: ou paga ou terá seis pontos retirados da pontuação do Campeonato Brasileiro. O Cruzeiro não titubeou e quitou o débito com o clube uruguaio.

A advogada constitucionalista e mestre em direito público administrativo Vera Chemim levanta um ponto interessante no caso das dívidas dos clubes com a União.

“Essa não cobrança se deve ao descaso dos órgãos públicos, ao não ir atrás. Não se sabe se por falta de tempo ou falta de pessoal suficiente para cobrar os clubes. E não se deve descartar a influência política nos bastidores. Assim como empresas fazem lobby para obter benefícios, os clubes também fazem”, alerta a advogada.

De fato, recentemente os clubes ganharam uma batalha importante contra quem queria que eles fossem rebaixados por conta de débitos com o governo.

No mês passado, o Superior Tribunal Federal (STF) formou maioria pela inconstitucionalidade do artigo 40 da lei do Profut. Esse artigo prevê que quem não esteja em dia com a regularidade fiscal, o pagamento do FGTS e a quitação de salários e direitos de imagem deve ser rebaixado. O ministro Marco Aurélio Mello pediu vistas da ação, e, enquanto isso, continua a valer a liminar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes.

Flávio Rodovalho está de acordo com a inconstitucionalidade da medida, que ele classifica como “sanção política”. Até porque, para ele, a dívida dos clubes é menor do que a demonstrada, uma vez que, ao seu ver, alguns tributos não poderiam ser cobrados das agremiações.

“A Receita Federal tem autuado os clubes sem ter razão. Não deve incidir o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, porque os clubes são associações civis sem fins lucrativos. Em alguns casos, o PIS e a Cofins sobre as suas receitas. Não deveria incidir a Contribuição Previdenciária daquilo que não é efetivamente salário. O problema é considerar aquilo que não é salário como base de cálculo da contribuição”, defende o advogado tributarista.

Do ponto de vista econômico, o não pagamento de tributos pode contribuir para que um clube tenha vantagem sobre outro na hora de contratar um jogador, um técnico, ou fazer obras de infraestrutura, gerando uma disparidade na hora em que eles entrarem em campo.

“Estou usufruindo do privilégio de não ser cobrado e contratando jogadores de alta performance de outros clubes que pagam suas dívidas e que não têm o mesmo poder financeiro. Isso configura o que chamamos na economia de ‘concorrência desleal’”, alega Vera Chemim.

Mas, segundo Flávio Rodovalho, essa é uma visão distorcida do que realmente acontece no Brasil.

“Me parece mais um argumento que um fato. Se isso trouxesse de fato uma vantagem verdadeira, o Botafogo era campeão todo ano. Ainda mais que isso, existem várias outras disparidades entre os clubes. Essa é apenas uma, e, mesmo assim, indireta. Não vejo como efetiva e mesmo aferível”, declara.

Uma das saídas para coibir os maus pagadores seria ter sanções ou punições administrativas por parte da União e maior rigor para as pessoas físicas que contribuem para a má gestão dos clubes e das confederações e federações esportivas.

“Que se puna o dirigente na forma da lei, até com prisão por crimes tributários. E os clubes poderiam ser punidos com a proibição de não poder fazer empréstimo em bancos públicos”, defende Daniel Falcão.

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