Os clubes jogaram água fria na ideia do deputado Pedro Paulo de criar uma lei para transformar clube em empresa, abraçada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Por medo? Para manter o status quo? Pode até ser. Mas foi principalmente porque o anteprojeto abraçado pelo presidente da Câmara é ruim.
Ele traz um verniz de modernidade, mas na verdade mais parece ressuscitar velhas práticas que nunca contribuíram para alimentar políticas de boa governança e transparência na gestão esportiva. E mais, gera profunda insegurança jurídica para os clubes.
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Entre outras coisas, o anteprojeto propõe quase um calote dos clubes devedores que passarem a ser empresas (20 anos para pagar e desconto de 50% da dívida); perda de direitos trabalhistas para atletas que ganham mais de R$ 21 mil; e esquecimento de princípios caros ao direito esportivo.
A “negociação” da dívida traria vantagem financeira ao clube mal administrado, contrariando princípio caro ao esporte – o da igualdade entre os competidores. Seria uma espécie de “doping financeiro”. O clube que respeitou regras estaria em desvantagem.
Ou seja, uma lei com pontos controvertidos, caminhando para a inconstitucionalidade. Claro que ela geraria grande insegurança jurídica, não funcionando jamais como um catalizador de investimentos.
É fundamental, nesse momento em que o movimento esportivo e o Congresso debatem o esporte, que se discuta e se avance na construção de um mecanismo legal que corrija os descaminhos da gestão esportiva, que exija compromissos com ética e transparência. Caso contrário, não se tomará o caminho da modernização e moralidade da gestão, mas se repetirão fórmulas paliativas de amparo à incompetência.
Até porque a natureza jurídica do clube, associação esportiva ou clube-empresa, não é determinante para a modernização da gestão. Temos exemplos de clubes bem administrados como associações e como empresas. E outros em crise, nos dois modelos.
No debate sobre a ideia da Câmara, os próprios clubes levantaram questões importantes que precisam ser esclarecidas e, provavelmente, modificadas. O projeto defendido por Maia tem o mérito de provocar uma discussão necessária, mas não tem o conteúdo adequado para transformar a gestão esportiva no Brasil.
E por que isso aconteceu? Simples. Porque foi conduzido de maneira assoberbada, por quem não é da área, além de não se ter buscado um debate profundo com o movimento esportivo desde o início. E principalmente porque não ataca a questão esportiva de maneira sistêmica.
Ou seja, um anteprojeto ruim.
Só para lembrar, aproveitando esse interesse da classe política e de grande parte do mundo esportivo brasileiro por essas questões jurídicas: há uma nova Lei Geral do Esporte – o PL 68/2017 – pronta para ser analisada pelo Senado.
Um PL que trata a questão do esporte de maneira sistêmica, unifica a legislação esportiva e ataca, entre outras coisas, a corrupção privada no esporte (sim, corrupção privada passa a ser tipificada, e um dirigente que desviou dinheiro de entidade poderá ser preso).
Tem também um outro PL que está na Câmara, o PL 5082/2016, que foi elaborado por pensadores do direito esportivo e teve autoria do deputado Otávio Leite. Um projeto muito mais completo e menos perigoso sobre Sociedade Anônima do Futebol, as SAFs, e que também parece esquecido.
Por que se esquecer desses projetos e querer discutir de maneira apressada algo novo, sem o debate mais aprofundado e necessário com o movimento esportivo? Seria importante que nossos políticos respondessem.