Essa célebre expressão, popularizada pelo escritor norte-americano Ernest Hemingway, tem origem em um sermão escrito no século XVII pelo poeta e clérigo inglês John Donne:
“Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; cada homem é um pedaço do continente, uma parte do todo. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, ou a casa de um amigo, ou a tua própria. A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte da humanidade. E, portanto, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
Para Donne, o toque dos sinos de uma igreja, tradicionalmente utilizado para anunciar a morte de alguém, não se refere apenas àquela pessoa em particular, e sim à fragilidade e à finitude que marcam as vidas de todos nós.
Se os versos de Donne evocam a ideia de que, dada a interconexão entre os seres humanos, a morte ou a dor de qualquer um afetam (ou deveriam afetar) toda a humanidade, Hemingway faz o mesmo no romance For Whom the Bell Tolls, de 1940.
Ao retratar a solidariedade e o sacrifício em meio à Guerra Civil Espanhola, ele reforça a noção de que a luta de um homem pela sobrevivência é uma causa que deveria ser compartilhada por muitos outros homens. Em um mundo ideal, por todos eles.
Em 1º de janeiro de 2025, Nova Orleans, sede do Super Bowl realizado no último domingo, foi palco de um trágico atentado terrorista. Shamsud-Din Bahar Jabbar, de 42 anos, avançou com sua caminhonete contra uma multidão que celebrava o Ano Novo na Bourbon Street, no histórico French Quarter.
Após o atropelamento, o terrorista saiu do veículo e iniciou uma troca de tiros com a polícia, na qual foi morto. Ao todo, foram outras 14 vítimas fatais e mais de 30 feridos.
O atentado gerou grande comoção e levou ao adiamento do Sugar Bowl, tradicional jogo de futebol americano universitário programado para o mesmo dia.
Em resposta, o país se uniu em solidariedade às vítimas e seus familiares, reafirmando o compromisso com a resiliência diante do terrorismo.
Por quem os sinos dobram?
Coincidentemente, o Caesars Superdome, onde seria disputado o Sugar Bowl naquele 1º de janeiro, é um símbolo do esporte a serviço da vida. Foi lá que encontraram abrigo, no final de agosto de 2005, os sobreviventes do furacão Katrina, que matou mais de 1.400 pessoas e devastou Nova Orleans.
Por quem os sinos dobram?
Antes do Super Bowl LIX, diversas homenagens foram feitas às vítimas do atentado de 1º de janeiro. A mais tocante delas ficou a cargo de Lady Gaga. Vestida de branco, ela interpretou, na própria Bourbon Street, local da tragédia, a canção Hold My Hand, cantando em meio a moradores locais e primeiros socorristas.
Além dos tributos musicais, o presidente Donald Trump participou das homenagens e prestou condolências às famílias das vítimas (a segurança no estádio foi significativamente reforçada, com medidas sem precedentes para um evento esportivo).
Por quem os sinos dobram?
A bela metáfora de John Donne e que inspirou Ernest Hemingway encontra um paralelo simbólico no Sino da Liberdade, localizado na Filadélfia.
Originalmente fundido em 1752, o Sino da Liberdade é um dos ícones mais emblemáticos dos ideais democráticos e da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, sendo associado à Declaração de Independência e ao movimento abolicionista.
A famosa rachadura da estrutura representa as imperfeições e desafios na construção da nação, mas também a capacidade dos norte-americanos de superar adversidades.
O Sino da Liberdade lembra que a luta por justiça e igualdade pertence a todos nós. A cada toque, continua a ecoar na consciência coletiva o dever de cada geração de refletir sobre a sua responsabilidade na defesa dos valores que “a América” pretende preservar.
Por quem os sinos dobram?
Sim, permitam-me enxergar uma pitada de justiça poética na expressiva vitória da equipe da Filadélfia, terra do Sino da Liberdade, no Super Bowl LIX.
Em termos mais mundanos, o título do Philadelphia Eagles coroa a visão estratégica e a competência de Howie Roseman, General Manager que assumiu o cargo em 2010 e que, em 15 anos, levou a equipe a três aparições no Super Bowl, com dois triunfos sobre as mais recentes dinastias da NFL: o Kansas City Chiefs neste 2025 e o New England Patriots de Bill Belichick e Tom Brady em 2018.
Tom Brady, aliás, foi um dos personagens do jogo. Desta vez, fora de campo. Recrutado para ser o principal comentarista da FOX por impressionantes US$ 375 milhões em um contrato de 10 anos, Brady foi alvo de escrutínio durante toda a temporada não somente por seu desempenho ao microfone, mas especialmente pela linha tênue entre o analista de televisão e o proprietário minoritário do Las Vegas Raiders.
Como destacamos em texto anterior da coluna, a NFL, temendo pela caracterização de um conflito de interesses, impediu que Brady tivesse o mesmo acesso privilegiado que outras equipes de transmissão têm a treinadores, atletas e centros de treinamento nas vésperas das partidas de maior visibilidade.
O receio era que Brady, conhecido por ser um competidor implacável, coletasse informações que pudessem representar uma indevida vantagem técnica para a franquia da qual é um dos donos.
Especula-se que uma das outras restrições impostas a Brady tenha sido a de não criticar os árbitros abertamente, algo que ele fez durante o Super Bowl em duas ocasiões. Embora as chamadas “regras Brady” tenham sido ligeiramente afrouxadas para o jogo decisivo, os dirigentes da liga devem ter sentido um “nó na garganta” nesses momentos…
Dentro das quatro linhas, a partida ficará marcado pela consagração do running back Saquon Barkley, contratado como agente livre pelo Eagles, e do quarterback Jalen Hurts, que agora, ao lançar para 221 jardas e 2 touchdowns, além de contribuir com um touchdown terrestre, ostenta um troféu de MVP do Super Bowl.
No mais, o sucesso de sempre: audiência estimada em mais de 120 milhões de telespectadores, ingressos com preço médio em torno de US$ 9.500 (este não foi o Super Bowl mais caro de todos os tempos) e comerciais de enorme impacto durante os intervalos (um anúncio de 30 segundos custava US$ 8 milhões).
A propósito, quem voltou a anunciar no intervalo do jogo depois de um hiato que vinha desde 1998 foi a Nike, com a nova campanha global “So Win”, estrelando Caitlin Clark e outras atletas para exaltar a ascensão feminina nos esportes.
Apostas? É preciso aguardar a divulgação de mais dados para sabermos se o volume de dinheiro apostado no Super Bowl em 2025 foi superior aos aproximadamente US$ 23,1 bilhões movimentados em 2024.
Por fim, após a confirmação de uma partida em Melbourne, na Austrália, em 2026, a NFL utilizou o Super Bowl para anunciar a realização de um jogo no estádio Croke Park, em Dublin (Irlanda), ainda este ano, tendo o Pittsburgh Steelers como mandante.
Segue a todo vapor a internacionalização que trouxe o futebol americano ao Brasil em 2024. A NFL vai por mais.
Crédito imagem: Bob Kupbens/Icon Sportswire via Getty Images
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