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Pressão do Planalto sobre participação da Seleção Brasileira na Copa América viola estatuto da Fifa? Especialistas avaliam

A intenção dos jogadores da Seleção Brasileira em não disputar a Copa América está causando preocupação ao Governo Federal. De acordo com o jornal ‘Correio Brasiliense’, para evitar um vexame político do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), um dos principais apoiadores da realização da competição no Brasil, o Palácio do Planalto colocou toda sua estrutura em funcionamento para garantir a participação do país na competição. No entanto, esse tipo de intervenção não é permitido pela Fifa e já causou punições para outras federações.

O Estatuto da Fifa, em seu artigo 14 e 19, dispõe sobre a independência e autonomia de suas federações em atuar e tomar decisões sem nenhuma interferência de terceiros em seus assuntos internos.

“Não vejo qualquer possibilidade de punição nesse caso. Ao que parece, é uma coisa que vem sendo negociada politicamente entre as partes, não uma imposição por parte do governo. Isso, em minha visão, não configura a intervenção estatal que é vedada pela FIFA. Esse tipo de negociação entre federação nacional e governos locais é bastante mais comum do que ouvimos falar, e deve ser, desde que a autonomia da entidade de administração não seja ferida”, analisa Vinicius Loureiro, advogado especialista em direito desportivo.

“Acho muito difícil, tanto pelo fato de que estamos falando de uma seleção pentacampeã do mundo, quanto pela dificuldade em se provar que haveria interferência política sobre a CBF”, afirma Martinho Miranda, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

Tanto os jogadores quanto a comissão técnica não gostaram da forma como foi feita a negociação entre o governo e a CBF para a transferência da Copa América para o Brasil. Um dos principais motivos está nos números da pandemia de Covid-19 no País, com média diária de óbitos de aproximadamente duas mil pessoas.

Na sexta-feira (4), após a vitória do Brasil sobre o Equador por 2 a 0, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, o volante Casemiro disse que a posição de seus colegas e da comissão técnica sobre a Copa América é unânime e de conhecimento público, dando a entender o que foi noticiado nos últimos dias na qual todos são contrários à realização do torneio.

“Não podemos falar do assunto. Todo mundo já sabe do nosso posicionamento. Mais claro, impossível. O Tite deixou claro para todo mundo o que nós pensamos da Copa América. Existe respeito e hierarquias que respeitamos. Claro que queremos dar a nossa opinião, rolou muita coisa”, afirmou Casemiro, em entrevista à ‘TV Globo’.

O posicionamento oficial dos jogadores provavelmente deverá acontecer após a partida válida pelas Eliminatórias, contra o Paraguai, em Assunção, na próxima terça-feira (8). Até lá, a promessa é de que a tensão dentro da entidade brasileira só aumente diante dos inúmeros problemas que a cercam.

Ainda segundo a matéria do ‘Correio Braziliense’, o Planalto acredita que, mesmo com a negativa da atual Seleção, seria possível convocar um novo time a tempo de participar da Copa América e trocar o Tite por um técnico mais alinhado ao Governo Federal. Isso inclusive já estaria sendo negociado com a CBF.

Aí está o problema. Para a Fifa punir uma federação nacional é necessário se provar a interferência política e haver uma denúncia. Também se levanta um outro ponto: a entidade máxima do futebol teria ‘peito’ para punir uma confederação do tamanho da CBF?

Recentemente, o Lei em Campo falou sobre casos recentes em que a Fifa puniu federações nacionais por conta de interferências políticas.

No começo deste ano, em maio, o Conselho de Ética da Fifa suspendeu as federações do Chade, por interferência governamental, e do Paquistão, por violação aos estatutos e regulamentos da organização que rege o futebol mundial. Em 2017, a Federação do Mali de Futebol (FEMAFOOT) foi punida pela entidade após interferência do governo.

Na prática, ao serem punidas, as seleções das respectivas federações são proibidas de participar de competições internacionais, como a Copa do Mundo. Membros que fazem parte dessas organizações também não podem se beneficiar de programas de desenvolvimento, curso ou treino da Fifa.

Federação do Chade

A Fifa explicou que a suspensão aplicada a federação do Chade (FTFA, na sigla em francês) se deve pelas recentes decisões do Ministro do Esporte de retirar definitivamente os poderes delegados à estrutura federativa, de criar um comitê para a gestão temporária do futebol e dessa forma assumir as instalações da FTFA.

A entidade ainda deixou claro que a punição será retirada assim que o governo revogue essas iniciativas e que o atual presidente da FTFA, Moctar Mahamoud Hamid, confirme à Fifa que reassumiu o controle das instalações.

No mês de março, a seleção do Chade, foi excluída das Eliminatórias para a Copa Africana de Nações de 2021, que será disputada em Camarões, em 2022, por conta das ações governamentais que levou à dissolução dos órgãos sociais da FTFA.

Federação do Paquistão

Já a federação paquistanesa (PFF, na sigla em inglês), a sanção se deve à interferência de terceiros, em uma grave violação dos estatutos da Fifa. Tudo começou quando um grupo de manifestantes tomou a sede da PFF, em Lahore, e o líder da comissão de regularização, Haroon Malik, foi destituído para a entrada de Syed Ashfak Hussain Shah, ex-presidente da federação.

“A Fifa emitiu uma carta advertindo que, caso a ocupação ilegítima da sede da PFF não fosse revertida e os titulares de cargos reconhecidos pela Fifa não tivessem acesso livre ao edifício para cumprirem os seus mandatos, o assunto seria imediatamente submetido ao Conselho para decisão”, disse a entidade em comunicado na época.

De acordo com a Fifa, a “situação permanece inalterada, pelo que o Conselho decidiu suspender a PFF”. Assim como no caso da federação de Chade, a sanção será cancelada assim que a Fifa receber as garantias de regularização dos problemas citados.

Em que situações a Fifa pode interferir em federações nacionais?

“Para falar sobre isso é preciso fazer uma análise jurídica do estatuto da Fifa, mais especificamente de dois artigos, o 14 e o 19. Um trata sobre as obrigações das federações membros e outro em relação a independência das mesmas”, afirma Luiz Marcondes, advogado especialista em direito desportivo.

“O estatuto da Fifa, no seu art. 14, traz obrigações que devem ser cumpridas pelas associações nacionais e que, caso não sejam, podem levar à suspensão e até a expulsão das mesmas. Entre essas obrigações está o cumprimento de regulamentos, disposições, decisões e estatutos da entidade. No que toca a questões pessoais, de membros das associações nacionais, estas devem observar toda a regulação do Código de Ética da Fifa, em especial o capítulo que versa sobre as regras de conduta”, explica Pedro Juncal, advogado especialista em direito desportivo.

Luiz Marcondes ressalta que o estatuto da Fifa garante independência às federações membros.

“É importante analisar o artigo 19, que traz a independência das federações membros e seus órgãos. Aqui fica claro que elas administrarão seus assuntos de forma independente, sem interferência de terceiros. Dessa forma, assuntos internos da CBF, deverão ser tratados pela própria, isso está garantido, a menos que houver violação de dispositivos de decisões de estatuto ou regulamento da Fifa”, completa.

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