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Pressionada pelas atletas, Nike cedeu. Esporte muda com leis e diálogos

O diálogo é a arte do entendimento. Nele, quando praticado sem ranço ou armaduras, se encontra a solução para quase todos os problemas. É tão poderoso que faz com que o esporte evolua e conquistas sociais sejam alcançadas.

O esporte muda por meio de leis, mas também por imposição da tecnologia, para deixar o jogo mais atraente e, também, por pressão da sociedade. O diálogo é protagonista nesses casos.

A gravidez jamais pode ser um problema no esporte, como em nenhuma relação de trabalho. Mas foi. E é.

Mulheres historicamente ganham menos do que homens. A alegação de muitos já foi o “risco” da gravidez e da maternidade. E isso também chega ao esporte.

A Nike foi alvo recente de uma avalanche de críticas por reduzir valor de contrato de patrocínio com atletas que estavam grávidas. Ela não infringiu a lei, mas a marca sofreu uma condenação social.

As pessoas criticaram, se manifestaram, expressaram inconformismo com o absurdo. A reclamação ganhou força, e a empresa americana conversou. E da conversa decidiu mudar.

Entenda mais sobre essa conquista para as mulheres atletas na reportagem de Ivana Negrão. Ela conversou com especialistas da área jurídica sobre o assunto.


 

A Nike sofreu duras críticas no último mês, quando surgiram denúncias na imprensa americana em relação à postura da empresa de reduzir ou suspender patrocínios a atletas que decidiram engravidar.

“Muito embora a situação passe por um argumento sensível que seria o apoio às mulheres em relação à maternidade, a questão não é revestida de ilegalidade plena, principalmente pelas interpretações dadas pela Suprema Corte Britânica e alguns casos nos Estados Unidos”, pondera Vanessa Souza, advogada internacional.

Baseada em Londres e em São Francisco, nos Estados Unidos, Vanessa ressalta que a análise desses casos é feita com base nas regras da Common Low e interpretação contratual. “Primeiramente deve-se buscar o sentido natural e ordinário dos significados das palavras, para retirar a interpretação literal do contrato, antes de considerar qualquer termo implícito que pode ser usado.”

Como foi admitido pela Nike, contratos de patrocínio envolvendo empresas de material esportivo e atletas geralmente incluem cláusulas de redução por “any reason”. Ou seja, redução de pagamentos por diminuição da performance do atleta.

Esse tipo de contrato também não configura vínculo empregatício, o que garante a não obrigatoriedade de pagamento se não ficou estabelecido nos termos do documento. Caso houvesse vínculo, como geralmente acontece entre esportistas e clubes ou agremiações, o contrato não poderia sobrepor a legislação. Assim, as atletas poderiam recorrer à Justiça.

De acordo com a advogada especialista em Direito Tributário Débora Ferrareze, “a discussão, então, seria pela validade do contrato, e não sobre qualquer relação de trabalho. Me parece um contrato padrão em que o atleta apenas aceita o que está escrito e assina. A marca não tem responsabilidade trabalhista sobre os contratados”.

Débora acrescenta que a empresa só perde indiretamente, em termos de imagem. “A única questão que hoje em dia afeta muito é a questão da responsabilidade social da marca. Sendo a Nike, ela deveria incentivar e dar o exemplo na questão.”

Ou seja, deveria alinhar o discurso à prática. Como não fizeram isso, foram vítimas do discurso de Serena Williams: “Querem loucura? Então, vamos mostrar a vocês o que as mulheres com sonhos loucos somos capazes de fazer”.

A tenista fez esse discurso em uma das campanhas que a Nike lançou em 2019, defendendo e estimulando o empoderamento feminino. No Dia das Mães, em 12/5, a marca lançou um vídeo intitulado “Sonhe Conosco” (“Dream With Us”). 

As campanhas tiveram efeito contrário e geraram uma situação constrangedora para a Nike. Algumas atletas vieram a público nos Estados Unidos e se manifestaram sobre a incoerência do marketing com a atuação da empresa frente às atletas. Em relato ao jornal The New York Times, a atleta olímpica Alysia Montaño, que ficou conhecida por correr grávida, disse que a vontade de ser mãe resultou numa redução considerável de seu patrocínio, e acrescentou: “A Nike me disse para ter sonhos loucos, até que eu quis um bebê”, declarou Alysia.

Após toda a polêmica, a Nike reconheceu, via comunicado enviado ao portal UOL, que “historicamente algumas atletas do sexo feminino tiveram pagamentos reduzidos com base no não cumprimento de suas obrigações contratuais de desempenho. Reconhecemos que havia uma necessidade de mais consistência em nossa abordagem e, em 2018, padronizamos nossa abordagem em todos os esportes, de modo que nenhuma atleta feminina seja penalizada financeiramente pela gravidez”.

Há algum tempo vivemos a era do empoderamento feminino. As mulheres cada vez mais ganham espaço no mercado de trabalho e se fazem ouvir na sociedade como um todo. No esporte não é diferente.

Claro que ainda existe desigualdade entre homens e mulheres nos campos, quadras, pistas e piscinas. Mas, apesar disso, elas ganham cada vez mais espaço e reconhecimento. Vivemos um processo de mudança de conceitos, crenças e regras. 

Nesta sexta-feira, estreia a Copa do Mundo de Futebol Feminino. E domingo tem jogo entre Escócia e Inglaterra. As duas seleções fizeram o primeiro amistoso entre mulheres, em 1972, quando futebol ainda não era um jogo para as mulheres. De lá pra cá, muita coisa mudou, conforme relato de Rose Reilly, que marcou o primeiro gol dessa partida histórica. 

Em vídeo publicado no perfil do Mundial no Twitter (@FIFAWWC), ela falou sobre a diferença do futebol feminino na década de 70 em relação aos dias atuais. E aconselhou garotas com 16, 17 anos a seguirem seus sonhos: “Não deixe ninguém entrar no seu caminho. Não deixe ninguém dizer ‘não, você não pode fazer nada’, porque na verdade você pode”.  

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