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Proposta de Copa do Mundo bienal da Fifa ameaça ruptura da cadeia associativa no futebol

O Lei em Campo contou nesta semana como a proposta da Fifa de realizar a Copa do Mundo masculina e feminina a cada dois anos e não mais aos tradicionais quatro anos poderia impactar no calendário do futebol mundial, na qualidade do esporte e até no desenvolvimento de jovens jogadores. No entanto, as consequências não param por aí e uma possível mudança poderia resultar em algo ainda mais grave: uma ruptura da cadeia associativa no futebol, com conflitos entre os próprios membros.

“Depois da tentativa de cisão dos clubes fundadores da Superliga, a aproximação entre Conmebol e UEFA, as duas maiores confederações, promete ter impacto semelhante sobre o sistema do futebol. Irresignadas com o novo Mundial, já planejam competições entre elas, tanto de clubes como de seleções (Nova Liga das Nações), que vão rivalizar com os atuais torneios da FIFA, inclusive a Copa do Mundo, gerando mais receitas para ambas. Contudo, a questão não parece ser tão fácil, pois depende da autorização do órgão máximo de futebol para que ocorram, conforme o Estatuto FIFA. As consequências dessa discórdia serão vistas nos próximos meses”, afirma João Paulo Di Carlo, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

“A decisão pela Copa do Mundo de dois em dois anos afeta diretamente o atual calendário do futebol de clubes e também impacta na relevância de competições continentais de seleções. E isso seguramente reacenderá discussões sobre um possível racha entre Fifa e associações continentais (como Uefa, Conmebol) e poderá resultar na formação de novas ligas, que tentarão concorrer com a própria FIFA de maneira direta. De fato, a mudança altera de maneira muito profunda o sistema do futebol como um todo, e o resultado disso pode ser uma alteração na estrutura do futebol que conhecemos hoje”, alerta o advogado Marcel Belfiore.

Um dos destaques da proposta de tornar a Copa do Mundo bienal, apresentada pela Fifa pela primeira vez em maio do ano passado, é a questão econômica. Uma das apostas da entidade para o desenvolvimento do esporte é o aumento das receitas, que chegaria até as Federações. Para tanto, a entidade suíça estima um incremento na arrecadação de 3,9 bilhões de euros, sendo destinados a cada associação o valor de 16,8 milhões de euros, pagos em quatro anos, se aprovado o novo modelo. Outrossim, seria criado um fundo de solidariedade que dedicaria cerca de 14 milhões de euros a cada Federação.

Além disso, fortaleceria consideravelmente o programa de desenvolvimento, batizado pela FIFA Forward, que converte os ganhos do Mundial para a ajuda ao esporte, concedendo apoio econômico às associações para o fomento da modalidade, para a prática do futebol de base, educação, crescimento do futebol feminino, principalmente para aqueles membros que têm recursos limitados.

Com federações nacionais necessitando por mais receitas, devido à queda brutal gerada pela pandemia de Covid-19, obviamente que o novo formato ganhou muitos adeptos, dentre eles, a Confederação Africana de Futebol (CAF). Em contrapartida, esse modelo também recebeu oponentes muito fortes, como, por exemplo a Conmebol e a UEFA, as principais confederações do mundo, além da FIFPRO, espécie de sindicato internacional dos jogadores e até o Comitê Olímpico Internacional (COI).

De acordo com um estudo da Uefa, entidade responsável por reger o futebol europeu, uma mudança como a Fifa propõe não teria sustentabilidade e traria efeitos muito danosos no âmbito do esporte e das competições. Esse modelo de jogos internacionais poderia expor as ligas nacionais a períodos muito longos de inatividade, principalmente aquelas que, em decorrência do inverno rigoroso, devem parar por um mês. Isso seria ruim esportivamente para os campeonatos e para os jogadores não convocados, que, como se sabe, são a maioria, já que em uma convocação vão geralmente 20 jogadores.

O novo calendário também prejudicaria o desenvolvimento dos jovens, que teriam menos datas nas seleções de base e oportunidades para ascender à seleção principal. Além da parte esportiva, o impacto também seria sentido nos cofres da UEFA e das Ligas, que deixariam de arrecadar em suas competições cerca de 8 bilhões de euros, entre queda no valor dos patrocínios, de bilheteria, dos direitos de televisão em função da perda de datas e da possível supressão dos campeonatos nacionais.

Por fim, o estudo alega que os jogadores serão os principais prejudicados com a mudança, pois o objetivo inicial de aliviar a carga do calendário esbarra na duplicação das fases finais, com o aumento do número de participantes e na frequência de dois anos, o que faria com que cada temporada terminasse com uma Copa do Mundo ou um Campeonato continental importante (Europeu, Liga das Nações, Copa América, etc).

A reação das entidades contrárias à proposta parece ganhar cada vez mais força e promete novos desdobramentos com a aproximação da Conmebol e a Uefa, que possuem todos os campeões mundiais e as seleções mais fortes do planeta. Nesse sentido, com o vazio deixado pelo fim da Copa das Confederações e existência de um Mundial de Clubes fragilizado, elas já confirmaram uma partida, em junho de 2022, entre o vencedor da Copa América com o vencedor da Eurocopa, bem como planejam a volta do antigo Mundial Interclubes, entre o campeão da Liga dos Campeões e o da Libertadores.

Tudo isso ganharia ainda mais corpo com o plano de acrescentar as seleções sul-americanas na já bem-sucedida Liga das Nações, fazendo um torneio com algumas das principais potências mundiais, que promete rivalizar com a Fifa e fornecer um aumento exponencial de receitas para ambas confederações. Dessa forma, se atenderia uma demanda dos sul-americanos, que ultimamente tinham muita dificuldade em jogar contra os europeus, tendo em vista o comprometimento das datas em torneios/partidas entre as próprias seleções europeias.

Essa união seria muito importante para o desenvolvimento da modalidade nos dois continentes. Um confronto de ideias e de estilos de jogo que conduziriam as seleções a uma evolução e ainda representa um novo atrativo aos torcedores. No entanto, a questão não é tão simples e deve encontrar a figura da Fifa como o seu principal obstáculo. Isso porque, baseada em seu Estatuto, mais precisamente nos artigos 71 e 73, que exigem a autorização da entidade máxima do futebol, a entidade máxima do futebol poderia impedir a realização desse tipo de torneio.

Após a discussão da Superliga Europeia, que gerou inúmeros debates no ano passado, novamente o sistema do futebol parece implodir com conflitos entre os próprios membros, em virtude da busca por mais protagonismo e arrecadação. Conforme disse o advogado João Paulo Di Carlo recentemente em sua coluna, qualquer discussão sobre o rumo da modalidade “deve abraçar todos os players que compõe o esporte, sob pena de se tornar ilegítima ou em desacordo com a realidade”.

Crédito imagem: FIFA/Getty Images

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