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Público Zero!

Uma das coisas que me apraz escrever esta coluna é ter esse espaço como ambiente livre, para que possa tecer as mais diversas reflexões, sem peias, por amor ao debate e ao direito.

Transcorridos mais de 6 (seis) meses de que aportou a pandemia em nossas vidas, algumas mudanças e adaptações são pontos comuns em nosso dia a dia. Situações que antes nos pareciam distantes ou somente vistas em películas hollywoodianas de ficção científicas, hoje estão bem próximas da praxe diária.

Na realidade do mundo esportivo, tivemos paralisações longas de competições, de todas as modalidades, um retorno aos jogos (sobretudo no futebol) renhido e conturbado; enfim, não tem sido fácil o enfrentamento dos efeitos da pandemia na vida de clubes, atletas e…torcedores!

Primeiro, como assinalei, as competições esportivas foram paralisadas. Havia, em meados de março, um reinante temor de que ginásios e estádio fossem locais de difusão em larga escala do vírus. Voltando olhares ao futebol, que apresenta o case de maior visibilidade, inicialmente, as partidas foram realizadas sem público nos estádios e, em seguida, suspensas, à medida que o número de infectados e mortos crescia. Outrossim, o medo de não se combater adequadamente a covid-19 foi um dos fatores centrais também para que se adotassem medidas mais severas de restrição nos mais diversos campos da vida em sociedade.

Em segundo lugar, instalou-se um grande temor pelo transcurso do ano, por parte dos clubes, porque se encontravam em vigência os contratos de trabalho desportivo dos atletas, técnicos e demais funcionários; enquanto, os pagamentos de direitos de arena eram suspensos, não havia bilheteria e alguns patrocinadores cancelavam os aportes que fariam. O cenário era de incerteza e desilusão. A partir dai, se iniciou uma série de debates ao derredor da estabilidade destes contratos à luz da primazia da realidade e os impactos da (imprevista) pandemia.

O atual estágio em que nos encontramos é menos doloroso que os anteriores, mas revela a necessidade dos clubes buscarem inovações com o retorno dos jogos. As adversidades de momento se verificam, sobretudo, com a tensão própria ante um rigor maior com a segurança sanitária – principalmente, com a aplicação de protocolos de controle (testagem, aferição de temperatura, uso de máscara, etc.)-, a inexistência de torcidas em campo e recuperação gradual do ritmo de jogo em nível mais elevado.

De julho até o hoje foram finalizados a imensa maioria dos campeonatos estaduais e a Copa do Nordeste, iniciadas as principais competições nacionais (Séries A, B e C, bem como a Copa do Brasil). Todas as partidas não contemplaram a presença de torcidas nos estádios.

Após esta experiência compulsória, me forço à seguinte indagação: será que poderemos ter o futuro mais jogos sem torcida?

Quero dizer, será admissível que algum clube opte por não contemplar a participação de torcedores, de forma livre e deliberada?

Inegavelmente, temos visto a total falência de diversos campeonatos e até mesmo fracasso de alguns clubes, que, cada vez mais, os números apontam partidas de futebol sem qualquer apelo popular com números inexpressivos de torcedores em campo, gerando sempre prejuízos ao mandante.

Por outro lado, com a alteração do artigo 42 da Lei Pelé[1], que garante aos mandantes a exclusividade na negociação dos direitos de arena, clubes poderão negociar melhor a transmissão dos seus jogos.

Some-se, ainda, os gastos naturais da preparação da praça desportiva para receber torcedores, como confecção de ingressos, contratação de segurança privada, custos com forças de segurança pública, custeio de quadro móvel. Quantas matéria são veiculadas indicando que os jogos de futebol dão prejuízos aos clubes com provas nos borderôs?[2]

Além disso, há uma submissão ao que reza o Estatuto do Torcedor, inclusive, podendo o clube ser responsabilizado civilmente por danos que padeçam torcedores durante o certame futebolístico.

Acresço, ainda, que s jogos poderão ser realizados em horários mais flexíveis (a critério da TV para ampliar a grade) e em equipamentos esportivos mais modestos, inclusive.

Ademais, o clube poderá vender a transmissão da partida e os espaços de arquibancada serem utilizados para projeção de marca do patrocinador. Ou as imagens que se projetem ali sejam das marcas que custeiam o evento esportivo.

A presença da torcida, logicamente, faz parte da nossa cultura futebolística, do ritual de ir ao campo de jogo! O clube vive de seus torcedores! O futebol existe por causa do amor da torcida!

Mas, será que esta realidade é aplicável a todos os clubes de forma horizontal?

A ausência de torcidas repercute deveras para os clubes que dela dependem nas arquibancadas, especialmente os mais antigos e que têm relação mais indissociável[3], e aqueles que desenvolveram bem o game day, que monetiza deveras a experiência de qualquer um torcedor que vá assistir uma partida num estádio de futebol.

Ninguém sabe ao certo quando se poderá, com segurança sanitária, se retomar o habitual programa de se ir a um estádio de futebol. Até lá vamos nos acostumando com essa realidade.

E mais, as redes de televisão e os organizadores dos eventos esportivos aprimoram cada vez mais uma transmissão, diminuindo muitíssimo a sensação de vazio que provoca a falta de público, seja através de emprego de áudio (com som de torcida) ou projeções da presença de torcedores (com fotos ou mesmo emprego de recursos eletrônicos).

Há mudanças que vieram como efeitos da pandemia e que permanecerão, não sei ao certo se veremos comumente tabelas de certame que contemplarão jogos sem público; mas que o tema merece ser objeto de reflexão, sobretudo por clubes que não têm apelos popular, isso sim será consequência natural de tudo que se vive hoje. Basta apenas observar a questão sob prisma econômico!

Talvez seja menos oneroso ou até mesmo mais atrativo economicamente dispensar o público entre determinadas agremiações.

O que antes foi punição da Justiça Desportiva, hoje é uma imposição fruto das limitações devido à pandemia, poderá se converter em algo útil ao futebol enquanto business?

Será que, no futuro, o público zero será uma realidade desejada e não forçada?

……….

[1] Olha ela de volta, a tão falada Medida Provisória nº 984!

[2] Recomendável a leitura desta matéria do “Lance” que aponta os prejuízos dos clubes no campeonato carioca de 2019. Disponível em: <https://www.lance.com.br/galeria-premium/carioca-tem-mais-milhoes-prejuizo-veja-numeros-finais-bilheteria-campeonato.html> Acessado em 07 set 2020.

[3] A nossa história aponta que muitos clubes nasceram como associações civis, portanto, guardam estreita relação com a comunidade local, ou até o município em que está sediado. Outros, os mais jovens, porém, não têm tantos laços que os atam à torcida.

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