Pesquisar
Close this search box.

Qual a diferença entre liga e federação?

Por Renan Lopes Martins

Certamente o leitor já deve ter ouvido no termo “liga”, seja pela tentativa frustrada com a Primeira Liga (tentativa de reedição da antiga Copa Sul-Minas) ou pela Copa do Nordeste, liga criada pelos clubes do nordeste com chancela da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Mas o que é uma liga? Qual a diferença de uma liga para uma federação ou confederação?

Pois bem, tentaremos responder essas perguntas de forma bem didática e objetiva a seguir.

A liga é uma competição organizada exclusivamente por clubes, ou seja, sem interferência de um terceiro, como por exemplo, a própria CBF.

Enquanto os campeonatos organizados por uma federação (ex. FPF, FCF, FERJ, etc.) ou confederação (CBF, p.ex.) não são construídos pelos clubes, mas sim pelas próprias federações e confederações, que impõem regras para admitir novos clubes, e estes devem respeitar a hierarquia ali exigida, as ligas são criadas pelos próprios clubes e não há hierarquia entre os filiados da liga, e na maioria das vezes, nem mesmo o sistema de acesso e rebaixamento (o que é conhecido como TOP DOWN).

Veja, o Campeonato Paulista, a título de exemplo, é organizado pela Federação Paulista de Futebol. É ela quem impõe as regras e regulamentos, como o Regulamento Geral das Competições e o Regulamento Específico de uma Competição. Assim como também a Confederação Brasileira de Futebol, quando organiza o Campeonato Brasileiro.

É um sistema hierárquico, chamado de sistema piramidal. Ou seja, a Federação Paulista organiza os campeonatos em seu estado (São Paulo) e obedece às regras de um ente maior, qual seja, a Confederação Brasileira de Futebol, que organiza os campeonatos em um sistema nacional (Brasil).

Já no sistema de ligas, não há uma entidade terceira organizando o campeonato (chamada de entidade de administração do desporto). Ela é a própria entidade de administração do desporto (art. 20, § 6º, Lei Pelé).

Geralmente, no sistema de ligas, como são formadas por entidades (leia-se clubes) com interesses comuns, não há imposição do sistema de acesso e rebaixamento (à exceção do futebol).

Então os clubes que desejam formar uma liga se reúnem e se filiam a esse sistema, sendo a liga formada pelos próprios clubes (art. 20, Lei Pelé), diferente do que acontece no sistema de federação.

No Brasil ainda não vingou o sistema de ligas, pelo menos no futebol.

Isso porque os exemplos citados logo no início deste artigo não são casos de sucesso – pelo menos é o que podemos afirmar da Primeira Liga.

A Primeira Liga foi uma tentativa de reedição da antiga Copa Sul-Minas, extinta em 2002.

Não deu certo por várias razões: primeiro porque foi feita às pressas, movida também pelos ideais de transparência e melhores benefícios ao clubes, já que o ano de sua criação, 2015, foi o ano do Fifagate, ocasião em que foram divulgados casos de corrupção no futebol, com prisão de diversos dirigentes.¹

Segundo, porque tal liga não teve a chancela da CBF, como foi o caso da Copa do Nordeste.

A verdade é que os clubes estavam insatisfeitos com a forma de organização do futebol, tanto pela CBF, como pelas federações regionais, e movidos pelas ideias de conseguir melhores benefícios aos clubes (seja de distribuição de cotas de TV ou de receitas de jogo), decidiram criar a Primeira Liga.

Resumidamente, a Primeira Liga teve apenas duas edições: 2016 e 2017. Na primeira o campeão foi o Fluminense, e em 2017, o Londrina.

Por falta de espaço no calendário, por falta de chancela da CBF, por discussões políticas e financeiras, dentre outras questões, a Primeira Liga foi anunciada como extinta, em 25 de junho de 2019.

A Copa do Nordeste existe até hoje, pois foi criada no século anterior pelos clubes e depois a sua organização passou para as mãos da Confederação Brasileira de Futebol, inclusive dando vaga à Copa Sul-Americana.

É bem verdade que nenhuma liga precisa se sujeitar a qualquer federação ou confederação, já que, pelo princípio da autonomia esportiva (art. 217, I, Constituição Federal Brasileira) e pelas disposições da própria Lei Pelé (art. 20, § 5º), nenhuma organização pública ou privada é “dona” de qualquer modalidade esportiva.

Mas é uma questão lógica. Se a CBF é a única reconhecida no Brasil como representante do futebol brasileiro (inclusive membro filiada da FIFA) e as federações regionais obedecem às disposições da CBF e, por conseguinte, os clubes que jogam tanto as competições da CBF e das Federações dependem de suas receitas e da sua organização, como irão abdicar de tais prerrogativas para criar uma liga “clandestina”?

É necessário um acordo entre CBF e clubes para que a primeira fique apenas com a parte burocrática e de organização das seleções brasileiras de futebol e que os clubes fiquem com as organizações dos campeonatos, por meio da criação de uma liga, assim como ocorre em outros países.

Na Espanha, por exemplo, a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) cuida da Seleção Espanhola e da Copa do Rei, apenas, e a La Liga cuida do Campeonato Espanhol, com distribuição de receitas entre os clubes, inclusive com a profissionalização da gestão – por exemplo, o cargo de CEO para cuidar da liga e dos interesses dos clubes.

Isso também ocorre em países como França, Portugal e Inglaterra, com estilo parecido com o que acontece na Espanha.

Enfim, após explicarmos o conceito de liga, as diferenças entre o sistema de liga (filiação de clubes com interesses em comum) e o sistema de federação (subordinação dos clubes aos interesses da federação, com sistema de acesso e rebaixamento) e os casos práticos no Brasil e no mundo, esperamos que o leitor tenha gostado e entendido o que foi passado neste artigo.

Se os clubes brasileiros desejam criar uma liga, certamente tal decisão terá que ser bem pensada e em conjunto com a Confederação Brasileira de Futebol, evitando o exemplo de insucesso que foi a Primeira Liga nos anos de 2016 e 2017.

……….

Referências:

¹Jennings, Andrew. Um jogo cada vez mais sujo / Andrew Jennings; tradução Renato Marques de Oliveira. – 1. Ed. – São Paulo: Panda Books, 2014. 240 pp.

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

Art. 20, Lei nº 9.615/98. As entidades de prática desportiva participantes de competições do Sistema Nacional do Desporto poderão organizar ligas regionais ou nacionais.           (Regulamento)

  • 5oÉ vedada qualquer intervenção das entidades de administração do desporto nas ligas que se mantiverem independentes.
  • 6oAs ligas formadas por entidades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais equiparam-se, para fins do cumprimento do disposto nesta Lei, às entidades de administração do desporto.                   (Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)

……….

Renan Lopes Martins é advogado, especialista em Direito Desportivo, com pós-graduação no Instituto Ibero Americano de Derecho Deportivo. Advoga para intermediários e atletas. É fundador do projeto Entenda o Esporte, plataforma digital que explica conceitos jurídicos ligados ao esporte de forma didática e objetiva (@entendaoesporte, no Instagram).

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.