Após a publicação da Nota Técnica SPA/MF nº 229/2025, que propôs a inclusão das recompensas não sacáveis na base de cálculo do GGR (Gross Gaming Revenue), mesmo antes de sua conversão em aposta, publiquei neste Lei em Campo um artigo apontando os vícios contábeis e jurídicos dessa interpretação. As inconsistências técnicas da nota repercutiram no mercado e chegaram ao Poder Legislativo. O Deputado Federal Gilson Marques (NOVO-SC) questionou por meio do Requerimento de Informação nº 595/2025 o Ministério da Fazenda sobre a forma de contabilização das recompensas no âmbito das apostas e seus reflexos tributários.
A resposta oficial do Ministério da Fazenda reafirma os fundamentos da nota anterior, mas não supera — nem enfrenta com profundidade — os pontos críticos que vêm sendo levantados.
O próprio Ministério reconhece, expressamente, que as recompensas não sacáveis não têm natureza contábil de receita. Apesar disso, defende que esses valores “devem compor a base de cálculo do GGR por definição regulatória”. Ou seja, admite-se que não há fato gerador concreto, mas insiste-se em ampliar a base tributável com base em uma construção normativa própria da autoridade reguladora.
Esse raciocínio é incompatível com o princípio da legalidade tributária, consagrado nos artigos 5º, II, e 150, I da Constituição, além de reiterado pelo art. 3º do Código Tributário Nacional, que estabelece que tributos só podem ser exigidos com base em lei. Criar ou ampliar a base de cálculo de tributos como PIS e COFINS por meio de norma infralegal — mesmo que regulatória — afronta diretamente a Constituição e compromete a segurança jurídica do setor.
O argumento de que a inclusão da recompensa na base do GGR busca desincentivar seu uso excessivo é compreensível do ponto de vista regulatório e filosófico. Mas a regulação de condutas comerciais não pode se sobrepor aos limites constitucionais do sistema tributário. O Estado não pode tributar com base em objetivos, intenções ou finalidades — ele só pode fazê-lo quando há previsão legal e ocorrência do fato gerador.
Além disso, a resposta do Ministério da Fazenda é, em muitos trechos, evasiva e repetitiva. Não responde de forma clara sobre questões como a possibilidade de bitributação (quando a recompensa for posteriormente convertida em aposta) e não apresenta respaldo técnico-contábil consistente para considerar a recompensa como receita. Também evita discutir o risco de que essa prática represente um precedente perigoso para a tributação indireta de incentivos internos e créditos fictícios.
A Constituição não autoriza o uso do poder regulatório para contornar o princípio da legalidade tributária. A tentativa de justificar a tributação com base em “definições regulatórias” pode até ser eficiente para fins arrecadatórios, mas viola a estrutura jurídica do sistema tributário nacional e abre espaço para distorções e insegurança jurídica — justamente o oposto do que se espera de um marco regulatório sólido para o setor de apostas.
É preciso reconhecer a importância do debate regulatório sobre incentivos, jogo responsável e fidelização de apostadores. Mas esse debate deve acontecer dentro dos limites da Constituição Federal e das normas contábeis e tributárias vigentes. Persistir no erro conceitual de tratar despesa como receita, apenas porque isso facilita a arrecadação ou sob o argumento de que auxilia no jogo responsável, não fortalece a regulação — apenas a fragiliza.
Crédito imagem: Getty Images
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