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Recuperação judicial e o mercado da bola: como ficam os créditos tributários?

A grande maioria dos clubes de futebol no Brasil são constituídos como associações civis sem fins lucrativos, que nada mais são do que a união de pessoas que se organizam para fins específicos sob a roupagem de pessoas jurídicas de direito privado, cujo objetivo principal é a realização de atividades de cunho social, cultural, religioso, recreativo etc. Por algum tempo se discutiu a possibilidade de as associações civis sem fins lucrativos aderirem a recuperação judicial estabelecida pela Lei n° 11.101/2005.

Em meados de 2020, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJERJ) aceitou o pedido de recuperação judicial da Universidade Cândido Mendes, gerando, por óbvio, precedente para que as demais associações de natureza não lucrativa pudessem recorrer fazendo jus a inovadora possibilidade. Abriu-se, portanto, precedente para que as associações desportivas brasileiras pudessem fazer uso da respectiva ferramenta para organização dos seus passivos financeiros. Como é sabido, os clubes de futebol em nosso país arrastam débitos trabalhistas, cíveis e tributários por décadas, em sua esmagadora maioria impagáveis diante da atual receita gerada por estes.

Ressalte-se que a possibilidade de os clubes de futebol fazerem uso da recuperação judicial não guarda mais nenhuma controvérsia, após a publicação da Lei da SAF (Lei n° 14.193/2021), que disciplinou a matéria de forma expressa em seu art. 13, onde tratou de elencar a recuperação judicial como forma de organização do passivo dos clubes de futebol independentemente da sua forma societária de constituição.

Art. 13.  O clube ou pessoa jurídica original poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos seus credores, ou a seu exclusivo critério:

I – pelo concurso de credores, por intermédio do Regime Centralizado de Execuções previsto nesta Lei; ou

II – por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

Vale ressaltar que o art. 25, do mesmo diploma legal, expressamente tratou da respectiva legitimidade, não abrindo azo para qualquer discussão no tocante a possibilidade de adesão dos clubes ao respectivo instituto regulado pela Lei n° 11.101/2005.

Art. 25.  O clube, ao optar pela alternativa do inciso II do caput do art. 13 desta Lei, e por exercer atividade econômica, é admitido como parte legítima para requerer a recuperação judicial ou extrajudicial, submetendo-se à Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

Parágrafo único. Os contratos bilaterais, bem como os contratos de atletas profissionais vinculados ao clube ou pessoa jurídica original não se resolvem em razão do pedido de recuperação judicial e extrajudicial e poderão ser transferidos à Sociedade Anônima do Futebol no momento de sua constituição.

O art. 52 da Lei n° 11.101/2005 estabelece que o pedido de recuperação judicial estando ele em conformidade com toda a documentação e as circunstâncias exigidas pelo art. 51, poderá o juiz além de deferir o respectivo pedido, entre outras coisas, suspender todas as ações ou execuções contra o devedor, como podemos extrair da leitura do Artigo 52, III, ressalvadas algumas hipóteses.

Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6º desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º , 2º e 7º do art. 6º desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei;

Diante da respectiva disposição legal, indaga-se:  como ficam os créditos de natureza tributária durante o período de recuperação judicial?

Quando os créditos forem de natureza tributária, não serão aplicáveis: a) suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime de recuperação judicial; b) a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; c) proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência (art. 6º, I, II, III c/c §7º-B, ambos da Lei n° 11.101/2005).

Merece destaque, ainda, a competência do juízo da recuperação judicial, que poderá determinar a substituição de bens que recaiam possíveis constrições, visando não conflitar a garantia do juízo da execução fiscal com o juízo da recuperação judicial, visto que, de um lado, temos os bens dados em garantia para satisfação do credito tributário, de outro, o juízo da recuperação judicial que tem por premissa maior recuperar a respectiva atividade empresária como próprio nome do instituto apresenta em sua literalidade.

§ 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)

A respectiva disposição legal serviu como base, inclusive, para o cancelamento da análise do Tema 987 em sede de Recurso Repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que possuía como motivação analisar a possibilidade de constrição contra empresas em recuperação judicial em sede de execução fiscal por dívidas tributárias ou de outra natureza.

É inegável a legitimidade da busca pela satisfação do crédito tributário, porém, não podemos renunciar a inteligência do instituto da recuperação judicial, que entre outras coisas, visa preservar a continuidade da atividade empresária, o que de forma indireta acaba por causar reflexos sociais, como a manutenção de postos de empregos, interesse de outros credores e a função social empresarial, que no caso dos clubes de futebol estaria ligada ao lazer, ao entretenimento, a interação e a participação social das classes sociais menos favorecidas.

De todo o exposto nesse estudo, percebe-se que as execuções fiscais seguirão seu rito normal, independentemente do deferimento do pedido de recuperação judicial, muito embora a execução fiscal tenha seu juízo de competência diverso do juízo da recuperação judicial. No que se refere a constrição patrimonial, sua análise deverá ser empreendida de forma pormenorizada, verificando se os bens são relevantes para cumprimento do plano de recuperação judicial, uma vez que este visa recuperar de forma eficaz a respectiva atividade empresarial.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 16 de jun. de 2022.

BRASIL. Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020. Altera as Leis n os 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, 10.522, de 19 de julho de 2002, e 8.929, de 22 de agosto de 1994, para atualizar a legislação referente à recuperação judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 16 de jun. de 2022.

BRASIL. Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021. Institui a Sociedade Anônima do Futebol e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico; e altera as Leis n.º 9.615, de 24 de março de 1998, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14193.htm. Acesso em: 26 de maio de 2022.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Embargos de Divergência em Recurso Especial n° 0030009-95.2015.4.03.0000.  Processual Civil. Recurso Especial. Submissão a regra prevista no Enunciado Administrativo 03/STJ. Proposta de Cancelamento de afetação. Vigência a Lei 14.112/2020, que alterou a Lei 11.101/2005.Novel legislação que concilia Orientação da Segunda Turma/STJ e da Segunda Seção/STJ. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Acordão publicado no dia 28 de junho de 2021. Disponível em: https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1100698125/agravo-de-instrumento-ai-315155320208190000/inteiro-teor-1100698136. Acesso em: 16 de jun. de 2022.Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/30062021-Primeira-Secao-cancela-repetitivo-sobre-constricao-de-empresa-em-recuperacao-judicial-no-ambito-de-execucao-fiscal.aspx. Acesso em: 16 de jun. de 2022.

RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJERJ) – [6ª Câmara Cível]. Agravo de Instrumento n° 0031515-53.2020.8.19.000.  Direito Empresarial. Recuperação judicial de associação e instituto sem fins lucrativos, entidade mantenedora da Universidade Cândido Mendes. Relator Desembargador Nagib Slaibi. Acordão publicado no dia 10 de outubro de 2020. Disponível em: https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1100698125/agravo-de-instrumento-ai-315155320208190000/inteiro-teor-1100698136. Acesso em: 16 de jun. de 2022.

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