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“Recuperação judicial” para clube-empresa pode afugentar investidores

A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada o projeto de lei que cria incentivos para os clubes se transformarem em empresas. O texto agora segue para o Senado e, se for aprovado, ficará a cargo do presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) sancionar ou não. Atualmente, a maioria dos clubes brasileiros são constituídos como associações civis sem fins lucrativos. O texto não obriga a adesão dos clubes de futebol ao modelo. Mas dá vantagens para quem optar por se transformar em empresa, como um regime tributário diferenciado, sistema próprio de refinanciamento de dívidas, regras mais benéficas para a recuperação judicial, além de uma maior abertura para a contratação de jogadores com um regime trabalhista diferenciada. O Lei em Campo mostra quais são as principais mudanças e como elas vão afetar os clubes. “Virar empresa não é solução. A solução é ser profissional na gestão, é pensar como empresa. Não há garantia de que o PL profissionalizará o futebol. Talvez ajude a salvar alguns clubes, e isso sirva de exemplo para que outros se ajustem”, adverte o economista César Grafietti, especialista em gestão do esporte.

Recuperação judicial

A maior crítica ao projeto recai sobre a possibilidade de recuperação judicial aos clubes. Os clubes poderão se submeter às regras previstas na Lei de Falências e Recuperação Judicial. Times que optarem por entrarem em recuperação judicial não poderão ser impedidos de participar de competições nacionais.

“A recuperação judicial é um problema enorme e pode criar um caos. Ela pode levar a um descrédito do projeto e afugentar os investidores, porque pode ser usada para o clube dar calote nas dívidas. É um risco, esse ponto deveria ser retirado ou vetado pelo Senado”, critica Alexandre Rangel, sócio de consultoria, especialista em megaeventos do setor esportivo da consultoria EY.

Em vigor desde 2005, a  Lei de Falências e Recuperação Judicial estabelece que empresas somente podem entrar com o pedido de recuperação judicial após dois anos de sua abertura. No PL, quem virar empresa só poderá pedir recuperação judicial a partir de dezembro de 2020, pouco mais de um ano se contarmos a partir de agora.

“Esse conjunto de benefícios adicionado com a velocidade que o PL foi aprovado, e o curto prazo para adesão ao REFIS, traz um risco enorme de clubes aderirem ao clube-empresa sem o devido planejamento e sem terem estrutura para tal, o que vai culminar com possibilidade de lavagem de dinheiro, por exemplo. Já vimos isso acontecer em outros países e o risco é alto”, alertou o advogado especialista em compliance Fernando Monfardini.

“O clube-empresa é uma atividade diferente da associação. Na associação há o social, esportes olímpicos, outra dinâmica de gestão. O clube empresa precisa seguir as regras de uma nova empresa, colocar seu projeto de pé e seguir as regras de qualquer empresa nova”, explicou Grafietti.

Impostos

Pela proposta do PL do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), clubes de futebol podem se transformar em sociedades empresariais, nos mesmo formatos já previstos no Código Civil. Podem, ainda, fazer parte de fusão, cisão e incorporação a outras sociedades empresariais.

O clube-empresa poderá escolher o modelo LTDA (Limitada) ou S/A (Sociedade Anônima) e cria um regime de tributação específico para os clubes de futebol, o chamado Simples-Fut. Quem optar pela mudança terá de recolher 5% sobre a sua receita bruta, que será o equivalente a unificar Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ); Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL); Contribuição para a Seguridade Social (Cofins); Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS-Pasep). O clube que tiver projetos sociais e desenvolver as categorias de base no futebol feminino poderá ser beneficiado com a redução desta tributação em 1%.

“O Simples-Fut vai criar o ambiente para atrair investidores. No final, os clubes vão pagar mais para o governo. Como hoje eles não pagam nada, nem sobre a venda de jogador, no final o montante será maior. Vão sair de zero para 5% [de tributação]. Não sairão de zero para 30% (que é a tributação para as empresas de outros setores da economia).

“Por mais que as leis sejam bem feitas, para funcionarem elas sempre dependerão do fator humano, e aqui não será diferente. Para que os clubes evoluam será necessária uma quebra de paradigmas, uma mudança de cultura e desvinculação da política que impera em vários clubes e que acaba apenas por atrasar sua modernização”, pontua o advogado especialista em direito esportivo Eduardo Carlezzo.

“Acho bom. Define uma regra tributária que permite equilíbrio dentro de uma mesma indústria. Era uma das necessidades de se ter uma lei específica para o tema, e me parece que a regra funciona bem. Acho até que as associações deveriam ter alguma cobrança sobre as receitas do futebol, mas ao menos assim a tributação não cria um desequilíbrio tão grande”, elogia Grafietti.

Dívidas 

Quatro anos após terem aderido ao Programa de Modernização da Gestão de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), quando puderam parcelar seus débitos com o governo em até 240 meses, com descontos de 70% das multas e de 40% dos juros, e receberam isenção de encargos legais, os clubes recebem novo benefício fiscal. O PL traz a possibilidade de um refinanciamento de dívidas com a União em até 60 meses (cinco anos). A parcela mínima é de R$ 3 mil por mês. Há possibilidade de pagar em parcela única e com redução de 95% dos juros e 65% das multas, além da isenção dos encargos legais. Se o pagamento for em 12 parcelas, a redução será de 90% das multas, 60% dos juros de mora e 100% dos encargos legais.

“O refinanciamento das dívidas é um exagero, desnecessário. Já estão alongadas. Talvez o que pudesse ser feito é autorizar o novo dono a incluir novas dívidas assumidas entre o Profut e a aquisição num pacote de alongamento.  Mas realongar o que já existe não faz nenhum sentido. A soma desses dois pontos (refinanciamento e recuperação judicial) abrem espaço para a chegada de aventureiros ao futebol”, desaprova Grafietti.

Depois da recuperação judicial, a possibilidade de um novo refinanciamento de dívidas é o ponto que sofreu mais críticas.

“Na questão do Refis, é desnecessário e inadequado para o momento do país. O país está em uma nova realidade, de que existe um excesso de refinanciamentos fiscais. Teve recentemente o Profut. Não vemos necessidade de um novo refinanciamento, quem aderiu, aderiu, quem não aderiu, adere a um outro programa”, pontuou Alexandre Rangel.

Direitos trabalhistas

O texto altera a Lei Pelé, único conjunto de normas específicas do esporte. O PL aproxima o futebol das regras previstas na Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, como por exemplo tornar hipersuficiente os jogador que tiver salários a partir de R$ 11,6 mil [duas vezes acima do teto da Previdência]. Assim, os jogadores podem ganhar 80% dos vencimentos via direito de imagem, com 20% do salário sujeito às normas da CLT.

“A questão trabalhista precisa ser melhor debatida e o caminho não me parece ser via PL. Precisa medir o impacto fiscal total e não vi isso em lugar nenhum. O futebol precisa repensar a estrutura. Mas é complexo para ser incluído como item de um projeto de lei que beneficia alguns e não a indústria. Precisa de um debate mais amplo, com atletas, justiça do trabalho, clubes grandes e pequenos”, defende o economista César Grafietti.

Alexandre Rangel, porém, acredita que é um avanço que pode tornar os clubes brasileiros mais competitivos na hora de reter os talentos ou mesmo ajudar na contratação de jogadores do exterior.

“Essa questão do direito de imagem é positiva. Hoje em dia os jogadores usam pouco o direito de imagem, preferem a proteção da CLT. O salário hoje é uma limitação para trazer jogadores para o Brasil. Na questão sobre a arrecadação para o governo, o projeto é muito benéfico”, afirma Rangel.

Só que a proposta de mudança dos direitos trabalhistas também encontra vozes dissonantes.

“Na prática, os clubes grandes utilizam a pessoa jurídica para pagar boa parte dos salários dos atletas. Daí o projeto regulamenta isso. Mas a realidade do futebol brasileiro aponta para o outro lado. Uma grande maioria de atletas que ganha muito menos que isso, em clubes com calendário curtos que oferecem contratos de curtíssimo prazo. Mas essa preocupação não foi sequer levantada, porque não interessa. Mas quem conhece o futebol sabe que a base da nossa formação de talentos está nesses clubes”, dispara o advogado especialista em compliance Fernando Monfardini.

Alexandre Rangel acredita que o PL vai fazer com que os clubes brasileiros tenham mais poder na hora de negociar. E que mesmo com o país passando por dificuldades econômicas, vai atrair interessados em administrar o futebol brasileiro.

“O entretenimento esportivo é uma das coisas mais lucrativas do mundo. É lucrativo e atrai investidores. O Brasil tem um belo passado. Mas nós, brasileiros, mostramos que não sabemos fazer futebol no século XXI. Precisa ter alguém que o apoie, com dinheiro de fora, conhecimento técnico de quem faz o futebol. O que a gente ouve de investidores e empresas internacionais é que assim que o Brasil tiver um marco jurídico e regulatório, vão colocar dinheiro nos clubes daqui, porque o Brasil é um celeiro de craques, tem um mercado publicitário muito grande. m clube que tem R$ 500 milhões de dívidas, isso equivale a 100 milhões de euros, é muito pouco para os grandes investidores internacionais. Os clubes hoje são filiais de empresários. Os jogadores são vendidos aos 14 anos para pagar salários dos jogadores do profissional. Quando o clube estiver com as contas saneadas, não vai precisar fazer negócios ruins para pagar salário”, argumenta Alexandre Rangel.

“O Brasil está extremamente atrasado em relação ao mundo desenvolvido do futebol no quesito corporativo. Portanto, era imperioso que tivéssemos uma legislação sobre a transformação dos clubes em empresa. O projeto aprovado parte de bases realistas e tem capacidade de possibilitar aos clubes uma mudança radical e necessária na sua governança, gestão e propriedade. Evidentemente tudo isso vai depender unicamente dos clubes. As bases para tanto estão postas”, resume Eduardo Carlezzo.

“Queria finalizar dizendo que é triste ver num momento tão frágil da nossa democracia o Presidente da Casa [Rodrigo Maia (DEM-RJ)], apoiar a urgência de aprovação de um projeto de lei para evitar que ele seja discutido pelos interessados. O assunto é complexo, o futebol brasileiro precisa urgentemente melhorar sua gestão. O futebol é um esporte de identidade nacional e vemos uma tentativa desesperada de se aprovar um PL sem discutir nada, sem ouvir os torcedores, os sócios dos clubes, dirigentes e a academia. A quem interessa essa pressa toda?”, questiona o advogado especialista em compliance Fernando Monfardini.

Por Thiago Braga

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