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Reflexões e impactos da aplicação da Lei 14.193/2021 no âmbito do TRT da 1ª Região

Ultimamente, tivemos ciência de decisões da Presidente do E. TRT da 1ª Região – RJ – proferindo a favor do Club de Regatas Vasco da Gama e Botafogo de Futebol e Regatas decisões idênticas aplicando a Lei n. 14.193/2021 (Lei da SAF) e instituindo o Regime Centralizado de Execuções (RCE), 1) deferindo o prazo de 60 dias para que apresentarem o plano de credores, 2) suspendendo o prosseguimento dos REEFs em curso 3)  suspendendo a execução da garantia apresentada no PEPT; 4) suspendendo toda e qualquer medida constritiva em desfavor das referidas agremiações até ulterior decisão acerca da concessão do Regime Centralizado de Execuções, nos moldes da Lei 14.193/2021; e, finalmente, 5) determinando que os clubes efetuem o depósito judicial do valor correspondente a 20% de suas receitas.

Não cabe aqui discorrer sobre a aplicação ilegal da referida lei aos clubes em comento, matéria já abordada nesta coluna, assim como tais considerações não se aplicam ao Fluminense Football Club, também beneficiado pelo RCE, pois à época suas execuções estavam sendo processadas no juízo natural, de forma fracionadas.

Atualmente, a Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, de 19 de dezembro de 2019, é o único regramento em vigor no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, pois o Ato nº 27/2021 da Corregedoria Regional revogou seu Plano Especial de Pagamento Trabalhista (“PEPT”) do Club de Regatas Vasco da Gama, concedido através do Ato nº 20/2020 da Presidência daquele Regional.

O Botafogo tinha suas dívidas centralizadas no Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT) via Ato da Presidência n. 156/2014 do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região (TRT-1), com duração de 10 (dez) anos, mas que foi revogado, também por descumprimento, em maio de 2021.

Apenas a título ilustrativo e para melhor compreensão, o PEPT (Plano Especial de Pagamento Trabalhista) é um sistema de execução concentrada (antigo Ato Trabalhista) aperfeiçoado, com prazo máximo de pagamento das dívidas de 03 (três) anos e exigência de garantia livre e desembaraçada para os credores, caso o clube beneficiado não cumpra com as obrigações assumidas com o Tribunal. Já o REEF (Regime Especial de Execução Forçada) nada mais é do que o desdobramento de um PEPT revogado – in casu, por descumprimento dos clubes – dando início à execução forçada no órgão competente do Tribunal.

Na época em que os clubes obtiveram o Regime Centralizado de Execuções (RCE) já tinha sido instaurado o REEF e tomadas medidas executórias pelo Juiz da CAEX (órgão competente do E. TRT da 1ª Região) a pedido dos credores.

Isto posto, algumas reflexões e questionamentos se fazem pertinentes, ainda que não tenham sido discutidos judicialmente. São temas de conversas entre advogados e clientes, ávidos por encontrar uma solução para frear a celeuma criada.

  • Da ausência de regulamentação obrigatória do regime centralizado de execuções

Versa o artigo 15 da Lei n. 14.193/2021 que:

“Art. 15. O Poder Judiciário disciplinará o Regime Centralizado de Execuções, por meio de ato próprio dos seus tribunais, e conferirá o prazo de 6 (seis) anos para pagamento dos credores.

  • 1º Na ausência da regulamentação prevista no caput deste artigo, COMPETIRÁ AO TRIBUNAL SUPERIOR respectivo suprir a omissão.” – destacamos.

A decisão da Exma. Presidente reconheceu expressamente que inexiste regulamentação, mas que tal fato não impede a postulação do direito garantido em lei pelo simples fato do TRT da 1ª Região dispor de órgão de centralização de execuções (CAEX), devidamente estruturado, perante o qual poderá se processar, caso deferido, o recém-positivado Regime Centralizado.

Entendemos que a questão não pode ser tratada com tal simplicidade, pois envolve diversas outras variáveis. Não basta dispor de órgão centralizador. Indagamos: como se processaria o recém-criado regime se não há regulamentação? Que regras seriam aplicáveis ao RCE se o próprio Tribunal, reconhecido por lei como competente, não o fez?

Tal matéria foi discutida na decisão do I. Corregedor daquele Regional nos autos do Processo Petição Cível n. 0102738-82.2021.5.01.0000 que negou a suspensão do REEF requerida pelo Club de Regatas Vasco da Gama, ressaltando que:

“Como bem pontuado pelo requerente, “a concessão do REC ao CRVG constitui verdadeira questão PREJUDICIAL EXTERNA em relação ao REEF”. Ocorre que, da decisão prolatada pela Exmª Desembargadora Presidente nos autos da PetCiv 0102840-07.2021.5.01.0000 (Id. f58d4ae), verifica-se que o Regime Centralizado de Execuções não é concedido, mesmo porque esse procedimento encontra-se PENDENTE DE REGULAMENTAÇÃO pelo Tribunal, nos termos do art. 15 da Lei 14.193/2021.” – destacamos.

Qual seria o ato deste E. Tribunal regulamentador do Regime Centralizado de Execuções? Já foi reconhecido pela Exma. Presidente prolatora da decisão que não existe. Como então presumir que a ausência de regulamentação é irrelevante? Nos parece ilegal a Exma. Presidente legislar por conta própria.

Nos socorremos ao parágrafo 1º do referido artigo. S.m.j., correto seria a questão ser resolvida pelo único regramento vigente criado pelo C. TST, qual seja, a Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho de 2019 que criou as regras do PEPT e do REEF que estão sendo simplesmente fulminadas pelas decisões em análise.

DA ILEGALIDADE NA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO ANTES DE APROVADO O REGIME CENTRALIZADO DE EXECUÇÕES (RCE)

Nos socorremos da tese esposada no artigo “Clubes Brasileiros não podem usar Lei da SAF para institucionalizar o calote” publicado no site Consultor Jurídico em 23 de novembro de 2021[1], de autoria de José Francisco C. Manssur e Carlos Eduardo Ambiel, impugnando a suspensão prévia das execuções:

“As decisões que deferem “antecipação de tutela” para concessão do RCE antes mesmo da apresentação do plano de pagamentos e dos documentos exigidos pelo artigo 16 da lei nos parecem, em princípio, carentes do requisito essencial do fundamento do bom Direito. Afinal, o deferimento do pedido de RCE está condicionado ao exame da razoabilidade do plano de pagamentos apresentado pelo devedor, acrescido da análise dos documentos exigidos, demonstrando, minimamente, as condições financeiras do clube e sua possibilidade de pagamento das dívidas apontadas. Deferir RCE antes de examinar a razoabilidade do plano de pagamentos e os dados trazidos pelos documentos obrigatórios acaba por diminuir a efetividade da norma, trazendo insegurança quanto ao efetivo recebimento dos valores.

Porém, ainda mais graves são os casos em que se determinou suspensão de penhoras e constrições ainda antes da apresentação do plano de pagamentos e, como tal, antes mesmo que seja dado início ao cumprimento do plano com a realização dos pagamentos. O artigo 23 da Lei da SAF[2] é bastante claro ao determinar que a não realização de constrição se dará “enquanto o clube ou pessoa jurídica original cumprir os pagamentos previstos” na seção que trata do RCE. Ora, como é possível, então, impedir penhoras antes de o devedor ao menos iniciar a realização dos pagamentos, para que se possa aferir sua regularidade?

Trata-se de ofensa frontal ao texto legal, verdadeiro açodamento que se opera desequilibrando a relação entre devedor e credor, no caso, deixando de conceder benefício ao bom pagador, mas, ao contrário, privilegiando aquele sobre o qual não há qualquer garantia sobre a capacidade ou mesmo intenção de sanar a dívida.”

 Nos casos em análise, o simples pagamento determinado pela decisão criticada sem que o RCE tenha sido formalizado após perfunctória análise do órgão competente é ilegal e colide contra o próprio texto da Lei n. 14.193/2021.

Como permitir a inversão da ordem natural das coisas? Imaginem se o plano de pagamento que será apresentado, não se sabe de que forma, não for aprovado e gerar futuras discussões por parte dos clubes requerentes, inclusive judiciais? Obviamente, a solução demandará tempo. E, ainda assim, as execuções continuarão suspensas os beneficiando em detrimento dos credores.

Não se pode admitir esse tipo de contexto.

Trata-se de ofensa frontal ao texto legal, verdadeiro açodamento que se opera desequilibrando a relação entre devedor e credor, no caso, deixando de conceder benefício ao bom pagador, mas, ao contrário, privilegiando aquele sobre o qual não há qualquer garantia sobre a capacidade ou mesmo intenção de sanar a dívida.

Nos termos do mencionado artigo dos criadores do PL n. 5516/2019, concluímos que: “Por tudo quanto acima exposto, para que a Lei 14.193/21 atinja seus objetivos e finalidades, é fundamental que o bom modelo do RCE seja conferido apenas aos clubes que constituírem SAF e, outrossim, que qualquer possibilidade de suspensão de penhoras seja admitida apenas àqueles que, além da constituição da SAF, apresentem plano de pagamento justificável e razoável, além de já estarem cumprindo regularmente tal plano. Sem isso, o instrumento criado para ajudar na transformação dos clubes brasileiros, servirá apenas para postergar suas dívidas e institucionalizar o calote.”

O calote nos credores por parte de clubes de futebol já passou de conta e o TRT da 1ª Região teve a infeliz oportunidade de analisar diversos casos. Não há mais como aplicar a lei de forma desvirtuada a fim de beneficiar contumazes devedores.

  • Da apropriação indevida dos valores ofertados em garantia do PEPT pelo Club de Regatas Vasco da Gama

O Club de Regatas Vasco da Gama teve o seu PEPT revogado em 14/05/2021 e teve início o REEF.

No dia 17 de agosto de 2021 o Exmo. Juiz Dr. Fernando Reis De Abreu – Juiz Gestor de Centralização Junto a CAEX – nos autos do Processo piloto n. 0010745-06.2014.5.01.0031, determinou uma série de medidas constritivas em face da referida agreniação, a fim de prosseguir com o processo de execução forçada do REEF.

Constou no item 5 que:

“5 – Ratifica-se o mandado de bloqueio de créditos junto ao Sistema Globo, no valor de R$ 24.000.000,00, considerando que este valor foi espontaneamente dado em garantia pela reclamada, devendo ser enviado o despacho do CEJUSC de ID. c58147f, bem como determino que o restante do numerário também seja bloqueado e transferido, mas com percentual de 30% após o pagamento integral da garantia”.

Imperioso ressaltar, antes de qualquer discussão, que o valor em comento pertence aos credores que estavam habilitados no REEF, e está sendo dilapidado, sabe-se lá como, por força das decisões da Exma. Presidente.

Pior. A agremiação em comento confessou que está utilizando a garantia ofertada aos credores quando requereu o PEPT[3] – art. 2º, parágrafo 1º, VII do Provimento 02/2019 do TRT/RJ – contratos de televisionamento do Sistema Globo (Televisionamento, “Pay per View” e outros) em valor equivalente a 12 mensalidades, ou seja, R$ 24.000.000,00 – para pagar salários de seus funcionários.

Tal fato pode ser comprovado pela ata de audiência realizada pelo Exmo. Juiz da CAEX[4] e também para própria alegação do clube nesse sentido nos autos do agravo regimental interposto no processo Petição Cível n. 0102738-82.2021.5.01.0000 se insurgindo contra a instauração do REEF (itens 9 e 10) cujo teor segue abaixo transcrito:

“9. O presente recurso é manejado contra a decisão de ID cb19b47 que, usurpando competência funcional da Desembargadora Presidente deste Tribunal, com base em dispositivo infralegal inaplicável, fundamentos equivocados e, principalmente, antes do trânsito em julgado dos recursos pendentes, determinou o processamento do “REEF” em desfavor do agravante e, por conseguinte, está executando açodada e indevidamente a garantia de cumprimento de um “PEPT” revogado, mas que atualmente se presta ao pagamento de salários correntes.

  1. A decisão agravada subverte a boa ordem processual e causa dano irreversível ao agravante porque instaura o REEF e determina a execução e exaurimento açodado da garantia – que atualmente se presta a pagar salários, conforme acordo homologado judicialmente que será adiante abordado -, por conta de decisão que, ao menos em tese, pode vir a ser reformada pelo Órgão Especial desta Colenda Corte.”

Conforme narrado na referida ata de audiência, “noticiou o Ministério Público do Trabalho que a mesma garantia foi dada nos autos do processo ACP nº 0100271-47.2021.5.01.0060, bem como que o valor devido ao clube pela Globo, no valor de R$ 2.808.654,26, foi desmembrado para pagamento de R$ 895.000,00 ao Banco BMG, em razão de cessão de crédito firmado entre este e a agremiação; R$ 543.056,29 por força dos processos de nº 5035884- 69.2019.4.02.5101,5101329-34.2019.4.02.5101,5101460-09.2019.4.02.5101 e 5037705-11.2019.4.02.5101, cujas penhoras visam  garantir créditos tributários da União Federal (Fazenda Nacional); e R$ 1.089.732,55 foi depositado na conta judicial da ACP nº 0100271-47.2021.5.01.0060.”

Todo esse lamentável contexto narrado foi ignorado pela decisão da Exma. Presidente do E. TRT da 1ª Região. Típico caso, analogicamente comparando, de depositário infiel. Para revolta dos jurisdicionados e dos advogados militantes nessa seara, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é ilegal a prisão do depositário infiel – prevista no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal (CF), o que incentiva esse tipo de postura desleal.

  • Da inobservância dos princípio constitucional da condição mais benéfica

Os créditos trabalhistas são dotados de natureza alimentar e preferencial, § 1º-A do art. 100 da CR/88 c/c art. 186 do CTN, porquanto constituem patrimônio social mínimo dos trabalhadores inerente à sua subsistência e necessidades básicas vitais, art. 6º c/c art. 7º da CR/88. São destinados a manutenção das condições de subsistência do homem, sendo créditos essenciais e sensíveis às transformações sociais, econômicas/financeiras e políticas, o que justifica a finalidade social do Processo do Trabalho, e respeito aos princípios da proteção, norma mais favorável e condição mais benéfica que informam o Direito Material do Trabalho.

A partir do momento em que o Club de Regatas Vasco da Gama teve o seu PEPT revogado por culpa única e exclusiva sua, os credores impetrantes passaram a fazer jus às regras do REEF que foi instaurado, infinitamente mais vantajoso do que o atual – e inseguro! – sistema do RCE deferido pela decisão impetrada.

É sabido por todos, inclusive por quem criou essa lei Frankstein, que o pagamento de dívidas através de repasses de percentuais a favor de credores nunca deu certo no âmbito do E. TRT da 1ª Região. Para quem não lembra, apenas a título ilustrativo – e lamentável – o Botafogo de Futebol e Regatas teve seu Presidente à época ameaçado de prisão por insistir em escamotear repasses decorrentes de lucros com negociações de atletas aos credores do ato trabalhista. Se safou aos 45 minutos do 2º tempo em sede de habeas corpus.

No caso em tela, não foi observada a norma do princípio da condição mais benéfica, a partir do momento em que a decisão em comento fulminou o REEF que se encontrava em curso, com atos executórios já determinados, promovendo a constrição da garantia ofertada pelo clube executado quando foi beneficiado com o PEPT – contratos da Globo no valor de 24.000.000,00 (vinte e quatro milhões de reais) – e aplicando o sistema do RCE – ainda sem regulamentação e, portanto, inseguro – criando um novo plano especial de execuções ao bel prazer da Exma. Presidente deste E. TRT, sem regras definidas, onde os credores somente terão direito a disputar o percentual de 20% das receitas do financeiramente combalido e esvaziado Club de Regatas Vasco da Gama.

Obviamente, o contexto é infinitamente desvantajoso para os credores, tanto é que o clube em questão não está medindo esforços para se valer da nova lei nesse particular. Basta observar o despacho supra referido do Juiz da CAEX que no dia 17/08/2021 determinou nos autos do REEF diversas medidas de bloqueio de créditos em mãos de terceiros, limitando-se a 30% do valor mensal devido, dentre outras mais vantajosas aos impetrantes.

Tal contexto colide com o princípio da proteção do trabalhador, que visa garantir o mandamento constitucional relacionado ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI). Visa este a proteção de “situações pessoais mais vantajosas que se incorporam ao patrimônio do empregado, por força do próprio contrato, de forma expressa ou tácita, (…)” (Barros, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho, 6ª edição, pg. 182). Por meio do princípio da condição mais benéfica, “assegura-se ao empregado a manutenção, durante o contrato de trabalho, de direitos mais vantajosos, de forma que as vantagens adquiridas não podem ser retiradas nem modificadas para pior”.

  • Da impossibilidade de irretroatividade lei – Afronta ao ato jurídico perfeito

Todo processo de execução centralizada do CRVG foi amparado na única regra ainda vigente, qual seja, a Consolidação dos Provimentos da CGJT de 2019 – norma criada pelo C. TST – art 151 e seguintes – e que deveria estar sendo respeitada por força do artigo 15, parágrafo 1º, da novel Lei da SAF[5].

“Art. 154. O Regime Especial de Execução Forçada (REEF) consiste no procedimento unificado de busca, constrição e expropriação, com vistas ao adimplemento da dívida consolidada de devedor com relevante número de processos em fase de execução, como medida de otimização das diligências executórias, doravante realizadas de forma convergente, mediante a utilização de processo piloto.

  • 1º O Regime Especial de Execução Forçada (REEF) poderá originar-se:

I – do insucesso do Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT);”

Tal disposição não pode ser afrontada pela nova Lei da SAF.

A decisão em comento fulmina de morte todos os procedimentos que já vem sendo determinados pela CAEX a fim de garantir o pagamento das dívidas do clube que, atualmente, são muito superiores a garantia ofertada aos credores e que já está sendo – indevida e confessadamente utilizada pelo CRVG para pagamento de sua folha – conforme anteriormente comprovado.

Ou seja, absurdamente, a decisão da Exma. Presidente determinou o fim do REEF – melhor dos mundos para o mau devedor! – juntamente com o contrato por ele próprio ofertado em garantia dos credores, agredindo um procedimento válido, lícito e regular, com o qual o Club de Regatas Vasco da Gama sempre concordou, até o momento em que teve que arcar com as penalidades. O procedimento do PEPT e a instauração do REEF se caracterizam como ato jurídico perfeito e acabado, não podendo ser revogado – de forma prejudicial aos credores – por novo regramento criado após a sua adoção que, diga-se de passagem, sempre foi benéfica ao clube na época em que o livrou de constrições judiciais.

A blindagem constitucional ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada configura cláusula pétrea, bem assim um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, consubstanciando garantias individuais de todos os cidadãos, não havendo como aplicar a novel Lei n. 14.193/2021 aos contratos firmados anteriormente à sua vigência, em obediência ao art. 5°, XXXVI, LIV, LV, da CF/88.

Com a entrada em vigor da Lei n. 12.376/2010, foi criada autônoma denominada “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” (LINDB). As normas previstas na LINDB não regulam apenas as partes integrantes do Código Civil, mas todas as normas previstas no ordenamento jurídico, alcançando tanto o direito privado, quanto o direito público.

É sabido que a lei, em regra, é feita para valer para o futuro. A regra adotada pelo ordenamento jurídico é de que a norma não poderá retroagir, ou seja, a lei nova não será aplicada às situações constituídas sobre a vigência da lei revogada ou modificada (princípio da irretroatividade). Este princípio objetiva assegurar a segurança, a certeza e a estabilidade do ordenamento jurídico.

O art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal prevê que: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.” Já o art. 6º, da LINDB diz o seguinte: “A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.”

Direito adquirido é o direito material ou imaterial já incorporado ao patrimônio de uma pessoa natural, jurídica ou ente despersonalizado. Pela previsão do § 2º do art. 6º da LINDB: “consideram-se adquiridos assim os direitos que seu titular, ou alguém por ela, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha tempo prefixo ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.

Ou seja, não se restringe apenas ao direito que já se incorporou ao patrimônio de seu titular, mas também o exercício de um direito que depende de um termo prefixo ou condição preestabelecida e que seja inalterável, pelo arbítrio de outrem.

No caso em comento, os impetrantes fazem jus a promover a execução nos termos do regramento da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho de 2019, eis que foi instaurado muito antes da entrada em vigor da nova Lei n. 14.193/2021 e vinha sendo respeitado até as decisões exaradas pela Exma. Presidente deste E. TRT.

Não podemos nos olvidar que a Constituição Federal e a LIND, adotaram a Teoria de Francesco Gabba, que respeita integralmente o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, com o escopo de garantir a segurança jurídica.

  • Da impossibilidade de renovação de planos especiais de execução a clubes infratores

Novamente, não foram respeitadas as regras da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho de 2019.

A partir do momento em que teve o PEPT revogado por reiterados descumprimentos, o Club de Regatas Vasco da Gama não poderia ser agraciado com nova centralização de suas execuções, pois estaria sendo premiado indevidamente, eis que é contumaz infrator.

Diz a referida consolidação[6] que:

“Art. 151 – § 2º – O inadimplemento de qualquer das condições estabelecidas implicará a revogação do PEPT, a proibição de obter novo plano pelo prazo de dois anos e a instauração de REEF em face do devedor.” – destacamos.

O regramento é de clareza solar! Sendo incontroverso que o clube descumpriu o PEPT que o beneficiou durante anos, razão pela qual foi instaurado o REEF, é ilegal aplicar uma lei recente que afeta diretamente todas as regras do referido provimento que ainda se encontra em vigor.

  • Desrespeito ao princípio da razoável duração do processo

Perguntas que não tem respostas: quantos anos mais os impetrantes levarão para receber seus haveres de natureza alimentar ilegalmente sonegados ao longo de vários e sucessivos atos trabalhistas e/ou planos especiais de execução? Conseguirão receber em vida?

Desnecessário reiterar o longo histórico de descumprimentos do Club de Regatas Vasco da Gama dos mecanismos de execução excepcionais criados por este E. TRT da 1ª Região desde o primeiro ato trabalhista em 2004. Agora, com a implementação ilegal do RCE previsto na Lei n. 14.193/2021, o clube terá mais 10 anos para pagar suas dívidas – 06 (seis) anos com permissão de prorrogação por mais 04 (quatro) anos -, mesmo sem a figura garantidora da SAF (art. 24)

Uma incerteza completa. Caso ultrapassados os 10 (dez) anos previstos no artigo 15[7] e o clube não consiga honrar com o pagamento integral da dívida, os credores não terão a opção permitida na lei – art. 24[8] – de direcionar a execução, ainda que de forma subsidiária, para a SAF, pelo simples fato de que ela NÃO EXISTE!

Isso mostra, mais uma vez, o quão é ilegal a aplicação da referida lei à agremiação em comento, e como ainda podem os impetrantes ficarem de mãos atadas à mercê da boa vontade do devedor em pagar a dívida. Quantos anos isso levará?

Por sua vez, o artigo 151, II, da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho[9] limita em 03 (três) anos o prazo máximo de pagamento da dívida, sendo infinitamente mais benéfico aos impetrantes.

A Constituição de 1988, originalmente, não fez menção expressa à duração processual, mas a doutrina entendia estar o conceito implícito no art. 5º, LIV e XXXV, que são relativos ao Princípio do Devido Processo Legal e da Inafastabilidade da Jurisdição. Por sua vez, o Pacto de São José da Costa Rica, consagrou o direito a um processo justo com diversas garantias, inclusive a de um julgamento em tempo razoável.

Com a reforma do judiciário a EC45/2004 incluiu a razoável duração do processo (judiciais e administrativos), garantindo a utilização de todas as técnicas necessárias à celeridade na tramitação como direito fundamental, incluindo assim o art. 5º LXXVIII, o que não está sendo respeitado.

Tal princípio foi reforçado pelo Novo Código Processo Civil 2015 em seu art. 4º, que tratou com maior clareza esse tema, impondo que a condução do processo priorize sempre a questão principal discutida, incluindo em seu texto que a solução razoável compreende a atividade satisfativa e não apenas a fase de conhecimento.

O art. 139, II, do mesmo Código elenca que o dever do magistrado “velar pela duração razoável do processo”, ou seja, deve garantir tempo plausível a todos os procedimentos da lide até sua satisfação. Nada disso foi pensado pelo legislador, que se preocupou em divulgar a fantasia de que a Lei da SAF seria a salvação para o deficitário cenário dos clubes brasileiros por ser atrativa para os investidores.

Os credores ganharam, mas não levaram, como se diz no jargão popular jurídico. E, ao que tudo indica, tão cedo não receberão seus créditos de natureza alimentar ilegalmente sonegados. Muitos deles não mais desempenham suas profissões, outrora rentáveis. Hoje dependem de receber os créditos perseguidos, o que vem ocorrendo com inadmissível demora. E, a partir do momento em que o REEF em curso foi fulminado pelas decisões atacadas, essa perspectiva desmoronou. O REEF era de fato a única forma de imprimir celeridade na execução e acelerar a cobrança dos valores devidos, mas a Lei n. 14.193/2021 veio para mudar a regra do jogo no meio do campeonato, tal a sua falta de clareza quanto aos seus destinatários e, principalmente, a intenção de promover um sistema de execução confortável para os clubes e criar uma regra ilegal de sucessão trabalhista. Mas isso será assunto para a próxima coluna.

……….

[1] https://www.conjur.com.br/2021-nov-23/opiniao-nao-usar-lei-saf-institucionalizar-calote

[2] Art. 23. Enquanto o clube ou pessoa jurídica original cumprir os pagamentos previstos nesta Seção, é vedada qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas, por penhora ou ordem de bloqueio de valores de qualquer natureza ou espécie sobre as suas receitas.

[3] “Art. 2º O Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT) será requerido pelo executado ao Presidente do Tribunal que analisará, segundo critérios de oportunidade e conveniência, sua concessão àquele que comprovar que as penhoras ou ordens de bloqueio de valores, decorrentes do cumprimento de decisões judiciais trabalhistas, põem em risco seu regular funcionamento e comprometem a efetividade da prestação jurisdicional em relação a grande parte dos trabalhadores, ou proporcionam tratamento desigual a seus credores.

  • 1º A petição com o requerimento de centralização das execuções deve ser dirigida ao Presidente do Tribunal e instruída obrigatoriamente com:

(…)

VII- garantia patrimonial suficiente ao atendimento das condições estabelecidas no PEPT, podendo recair em carta de fiança bancária ou seguro garantia, nos limites impostos pelo Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT n.1/2019, e em bens da empresa ou de seus sócios, devendo, nesses casos, ser comprovada a inexistência de impedimento ou ônus sobre referidos bens, ficando o devedor obrigado a comunicar ao juízo centralizador, imediatamente, qualquer alteração na situação jurídica desses, sob pena de cancelamento do Plano e impossibilidade de novo requerimento de parcelamento pelo prazo de 2 (dois) anos.”

[4] “O Clube de Regatas Vasco da Gama deu em garantia ao Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT), ora revogado, os Contratos formalizados com o Sistema Globo (Televisionamento, “Pay per View” e outros), conforme sua petição de requerimento de Plano Especial de Pagamento Trabalhista no dia 04 de julho de 2019 (ID. ec9a831), nos autos processo piloto PEPT ATOrd 0100282-64.2019.5.01.0022. À época, o valor a ser garantido era o equivalente a 12 mensalidades, ou seja, R$ 24.000.000,00”

[5] Art. 15.  O Poder Judiciário disciplinará o Regime Centralizado de Execuções, por meio de ato próprio dos seus tribunais, e conferirá o prazo de 6 (seis) anos para pagamento dos credores.

  • 1º – Na ausência da regulamentação prevista no caput deste artigo, competirá ao Tribunal Superior respectivo suprir a omissão.

[6]https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/166690/2019_consolida_prov_cgjt_rep01_atualizado.pdf?sequence=5&isAllowed=y

[7] “Art. 15. O Poder Judiciário disciplinará o Regime Centralizado de Execuções, por meio de ato próprio dos seus tribunais, e conferirá o prazo de 6 (seis) anos para pagamento dos credores.

  • 1º Na ausência da regulamentação prevista no caput deste artigo, competirá ao Tribunal Superior respectivo suprir a omissão.
  • 2º Se o clube ou pessoa jurídica original comprovar a adimplência de ao menos 60% (sessenta por cento) do seu passivo original ao final do prazo previsto no caput deste artigo, será permitida a prorrogação do Regime Centralizado de Execuções por mais 4 (quatro) anos, período em que o percentual a que se refere o inciso I do caput do art. 10 desta Lei poderá, a pedido do interessado, ser reduzido pelo juízo centralizador das execuções a 15% (quinze por cento) das suas receitas correntes mensais.”

[8] “Art. 24. Superado o prazo estabelecido no art. 15 desta Lei, a Sociedade Anônima do Futebol responderá, nos limites estabelecidos no art. 9º desta Lei, subsidiariamente, pelo pagamento das obrigações civis e trabalhistas anteriores à sua constituição, salvo o disposto no art. 19 desta Lei.”

[9] Art. 151. Para a apreciação preliminar do pedido de instauração do Plano Especial de Pagamento Trabalhista – PEPT, o interessado deverá atender aos seguintes requisitos:

II – apresentar o plano de pagamento do débito trabalhista consolidado, incluída estimativa de juros e de correção monetária até seu integral cumprimento, podendo o pagamento ser fixado em período e montante variáveis, respeitado o prazo máximo de três anos para a quitação integral da dívida;

 

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