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Reflexos da pandemia de Covid-19 no controle de doping

Por Flávia Zanini

A incomum situação de reclusão domiciliar adotada pela maioria dos países, desde março de 2020, tem refletido no esporte. Competições foram suspensas, bem como os treinos dos atletas. Como estávamos em ano olímpico (Jogos de Verão de Tóquio 2020), seria normal o incremento de controles de doping em competições classificatórias e os fora de competição. Com a suspensão das competições e o adiamento dos Jogos de Tóquio levanta-se a questão de permanência, eficácia e operacionalização dos exames fora de competição durante o período de pandemia de Covid-19.

A WADA, em seu último comunicado de atualização e instruções para o período pandêmico, no dia 20 de Março, flexibilizou a obrigatoriedade de manter os exames durante a quarentena. Frisou, em suas orientações, que, caso algum atleta receba a visita de oficial de controle de dopagem, terá por obrigação fornecer o material necessário para realização do exame. Os DCOs e BCOs (Oficiais responsáveis pela coleta de sangue e urina) receberam orientação de tomar as medidas necessárias para evitar contágio: manter distância recomendada do atleta, fazer higienização, utilizar luvas, etc.

A necessidades dos atletas que fazem uso de AUT (Autorização de Uso Terapêutico) e precisam tomar medicamentos que podem testar positivo, tem incluso no sistema ADAMS (sistema disponibilizado aos atletas) um campo online que pode ser solicitado e concedido. Se neste período o atleta estiver tendo dificuldades de contatar seu médico devido a pandemia, poderá descrever sua situação e caso a caso será analisado. Também foi solicitado que a localização do atleta deve estar sempre atualizada no sistema, pois, caso seja selecionado para coletar fora de competição, cumprindo a quarentena em outro local que não está informado no sistema, deve atualizar.

Os Estados Unidos da América clamam pela manutenção dos exames, alegando que a supressão dos mesmos pode ensejar “ciclos de doping” por parte dos atletas que recorrem ao uso de substâncias/métodos proibidos. Para eficácia de um “ciclo”, necessita-se de tempo para que a droga aja no organismo e exerça seu poder farmacológico e tenha tempo de eliminação (excreção) pelo organismo a fim de ser indetectada em controle de competição. A criação e implementação dos exames fora de competição se deu exatamente com o intuito de flagrar eventuais procedimentos ilícitos antes da completa eliminação da droga pelo organismo a fim de preservar a lisura das competições. Para que a demanda norte-americana seja atendida, há pontos importantes a serem esclarecidos. O primeiro é a data de retorno das competições e, antes disso, dos treinos, pois fazer um ciclo com o atleta parado é inconsequente. O ciclo é instituído para potencializar os ganhos de treinamento. Como todos os locais de treino estão fechados (um alto rendimento desportivo é muito mais que o atleta possa estar conseguindo fazer no confinamento, pois, por mais que possua estrutura, academia…), os atletas estão impossibilitados de manter a qualidade e especificidade de seus treinamentos para competição.

Entretanto, mesmo que consigam algum local para treino (o que é desaconselhado), não teriam a equipe, o técnico e toda estrutura necessária para um bom recondicionamento físico.

Outro aspecto importante levado em consideração nesta pausa de exames é a questão do fechamento de laboratórios que realizam as análises. E, nos casos que se envia para laboratórios de outros países, temos ainda que lembrar a questão da restrição de voos e principalmente o risco de todos os profissionais, desde a coleta até o final da cadeia de custódia (de quando oficial de controle realiza a coleta do atleta até a chegada da amostra ao laboratório).

Países como a Espanha, que decretou “lockdown” até mesmo para o deslocamento dos oficiais até onde o atleta está, infringiria a conduta imposta pelos governantes.

A Alemanha, nesta semana, voltou a ter treinos dos clubes principais do futebol (17 dos 18 principais clubes retomaram os treinos). Eles estão mantendo distância entre os atletas e fazendo treinos em pequenos grupos, mas como vão responder só o tempo nos dirá se será o início da vida normal ou uma volta ao confinamento.

Cabe sempre ressaltar que os Jogos Olímpicos e todas as outras competições servem para promover e estimular a saúde e principalmente o exemplo de superação e que, neste momento, deve ser priorizar a volta lentamente e o recondicionamento de cada um sem suprimir etapas. A pressa em retomar a vida normal não nos pode deixar colocar pessoas em risco, a preservação da saúde é meta de todos!

……….

Flávia Zanini é mestre e doutoranda em Direito Desportivo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Auditora do Tribunal de Justiça Desportiva do Rio Grande do Sul no Futebol e Rugby. Diretora administrativa da SBDD (Sociedade Brasileira de Direito Desportivo). Membro do grupo de estudos GEDD – UFRJ/FND.

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