O futebol mundial foi pego de surpresa nesta sexta-feira (14) depois que a Uefa anunciou a exclusão do Manchester City-ING das próximas duas edições da Liga dos Campeões. Segundo a entidade, o clube inglês turbinou os valores de patrocínio pagos pela Etihad Airways. A Uefa diz que a companhia aérea pagou apenas 8 milhões de libras para estampar a marca no uniforme do City. O restante do patrocínio, 59,5 milhões de libras, foi pago pelo Sheik Mansour bin Zayed Al Nahyan, da família que governa Abu Dhabi, e proprietário do City.
Transportando o caso para a realidade brasileira, e falando sob hipótese, o Palmeiras é o mais próximo do exemplo da punição ao Manchester City. E aí é preciso analisar duas circunstâncias, a administração Paulo Nobre, e o patrocínio da Crefisa.
Nobre assumiu a presidência do Palmeiras em 2014 e partir de então emprestou dinheiro do próprio bolso para sanear as contas do alviverde. Foram R$ 146 milhões emprestados por Nobre, grana já devolvida pelo clube ao ex-mandatário.
“O Nobre financiou a operação a juros muito baixos que um clube como o Palmeiras não teria acesso. Então nesse sentido uma parte disso seria um pequeno doping financeiro que seria a diferença de taxa de juros entre um crédito normal que o Palmeiras tomaria e de um crédito como ele deu, né, com prazo longo. Esses empréstimos foram feitos com uma taxa muito próxima da Selic, que quando ele começou a emprestar estava em torno de 11%. Hoje é 4,25%. E ele fez uma operação com um prazo de até 15 anos para o Palmeiras pagar. Clube de futebol em geral não consegue crédito superior a um ano. E são empréstimos com uma taxa mais de duas vezes superior à Selic. O custo financeiro que ele emprestou no Palmeiras foi no mínimo metade que ele conseguiria no mercado. O Palmeiras também nunca conseguiria um empréstimo desse volume, mais de R$ 100 milhões de reais ao clube. E nunca conseguiria um empréstimo por 15 anos, que é prazo de empréstimo do BNDES”, analisa o consultor Fernando Ferreira.
O economista César Grafietti, que trabalha junto com a CBF na implantação das regras do Fair Play Financeiro, discorda.
“Na regra da Uefa não seria punição, porque era uma dívida. Não se pode punir por pagar juros menores. Até porque o clube pagou a dívida. Mesmo se fosse uma capitalização, ainda assim o objetivo foi reduzir passivos e garantir o pagamento de salários em dia. Não dá para caracterizar”, explica.
A relação entre Palmeiras e Crefisa também poderia ser alvo de investigação por parte dos órgãos reguladores. Isso porque para ter sua marca exposta na camisa, calção e meião dos jogadores do Palmeiras, a Crefisa paga R$ 80 milhões por temporada.
“O fato é que a Crefisa paga para o Palmeiras um patrocínio com valor muito acima do que seria o padrão do mercado. Os números da Crefisa de pagamento de patrocínio ficaram muito acima. Ela acha que é justo pagar esse valor e que ela tem retorno. Mas por outro lado tem o fato de que ela paga um valor bem acima o valor de mercado comparando a média do mercado brasileiro. Então, daria para discutir”, pondera Fernando Ferreira.
Conselheira do Palmeiras, Leila Pereira é candidata a virar presidente do clube já nas próximas eleições do clube, que acontecem em 2021. Se concretizar o sonho de se tornar mandatária do Palmeiras, Leila Palmeiras faria com que o alviverde passasse por um controle regulatório mais exigente.
“O Palmeiras fatura R$ 600 milhões por ano, então poderia receber até R$ 180 milhões de uma parte relacionada caso seguisse a regra da Uefa. No caso da Leila presidente poderia ser questionado se a empresa dela poderia ultrapassar esse limite, por exemplo”, esclarece Grafietti.
Desde que passou a patrocinar o Palmeiras, a Crefisa já injetou, além da verba de publicidade, R$ 150 milhões para bancar contratações para o time. A relação inclusive já foi alvo da Receita Federal, que obrigou as partes a mudarem o contrato assinado entre elas, além de multar a Crefisa em R$ 30 milhões pelo aporte feito em 2015 e 2016.
Desde 2018 o alviverde é obrigado a devolver o investimento feito pela parceira nas contratações dos atletas. A Crefisa disponibilizou quase R$ 35 milhões para contratar Borja. Antes da exigência da Receita, o Palmeiras teria que devolver a mesma quantia caso vendesse o atleta e poderia ficar com o lucro. Caso o atacante não fosse negociado ou vendido por um valor menor, o prejuízo ficaria apenas com a Crefisa. Com a mudança exigida, o alviverde pode ter lucro na transação, mas também precisará devolver o dinheiro caso o camisa 9 não seja negociado. Esse pagamento pode ser feito em até dois anos e tem a menor correção monetária disponível.
O Fair Play Financeiro é um conjunto de medidas que visa levar os clubes ao equilíbrio econômico. Ou seja, gastar dentro do que se arrecada, manter pagamentos em dia com atletas, clubes e impostos, e dívidas dentro da capacidade de pagamento. O objetivo é tornar a indústria mais saudável.
No Brasil, Grafietti trabalha para implantar o Fair Play Financeiro nas Séries A e B do Campeonato Brasileiro ainda este ano. Mas as punições esbarram no artigo 217 da Constituição Federal, que prevê a autonomia das entidades esportivas no país. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal tornou inconstitucional a medida 40 do Profut, que exigia certidões negativas de débitos para que o clube entrasse em competições, podendo assim rebaixar os devedores.
“Pela força do clube, ficaria numa multa financeira ou proibição em contratações. A CBF não tem interesse real. Diz que vai fazer, mas duvido que será cobrado como foi com o Profut”, finaliza o especialista em marketing esportivo Amir Somoggi.
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