Nos últimos dias, além dos indícios de que a NBA está estudando a criação de uma liga na Europa, outros dois temas tiveram destaque na mídia esportiva norte-americana, um pertinente ao basquete e outro relacionado ao futebol americano: as limitações que o vigente acordo coletivo de trabalho impõe a algumas equipes e o acerto do treinador Bill Belichick, lenda da NFL, com a universidade de North Carolina.
Sobre o primeiro tema, a coluna já fez referência, em mais de uma ocasião, às regras do Collective Bargaining Agreement (CBA) firmado no final de junho de 2023 entre a NBA e a associação dos atletas, a NBPA (National Basketball Players Association).
Como repercutimos por aqui, o atual CBA instituiu, além do tradicional luxury tax (penalidade paga pelas equipes que extrapolam o teto salarial), “barreiras” adicionais que, se transpostas, geram para as franquias não apenas punições financeiras, mas também restrições esportivas.
A primeira dessas “barreiras” (first apron), quando atingida, impede que um time contrate atletas com a utilização de algumas das exceções salariais previstas nos regulamentos da NBA.
Quem está no first apron não pode contratar jogadores via sign-and-trade e via bi-annual exception, bem como não pode assinar contratos com atletas dispensados de outra equipe durante a temporada regular cujos salários sejam superiores à non-taxpayer mid-level exception.
Adicionalmente, uma franquia “punida” pelo first apron também terá mais dificuldades em obter a equivalência salarial necessária para a realização de trocas de jogadores. Na NBA, para que atletas possam ser trocados entre franquias, os salários deles precisam ser equivalentes, com uma pequena margem de tolerância. Tal margem é ainda menor quando atingida essa primeira “barreira”.
Ainda mais punitiva do que o first apron, a segunda “barreira” (second apron) proíbe as equipes “infratoras” de contratarem jogadores utilizando a taxpayer mid-level exception, além de impedir (i) a geração de uma trade exception a partir de um somatório de salários, (ii) a inclusão de dinheiro visando a viabilizar uma troca, (iii) a utilização de uma trade exception gerada em ano anterior e (iv) a negociação, durante sete anos, de escolhas de primeira rodada do Draft.
Regras bastante complexas, as quais fazem com que as franquias precisem de especialistas no CBA e em salary cap para conseguirem competir no mercado.
Para ilustrar o efeito prático dessa intrincada regulamentação, basta notar que o Milwaukee Bucks, o Phoenix Suns, o Minnesota Timberwolves e o atual campeão Boston Celtics, equipes acima do limite de US$ 188,9 milhões de gastos com a folha salarial, estão “engessados” por conta do second apron.
Com expectativas mais ou menos realistas, todos esses times acreditam ter o potencial de conquistar o título da liga em junho de 2025 (no caso do Bucks, a conquista da Emirates NBA Cup pode acontecer ainda esta semana).
Como mostra um levantamento feito pelo jornalista Fred Katz para o The Athletic, Bucks, Suns, Wolves e Celtics não são as únicas franquias cujas margens de manobra estão severamente comprometidas em função das restrições impostas pelo CBA.
O Denver Nuggets, o New York Knicks e o Los Angeles Lakers estão bem próximos de atingir o second apron e outras quinze equipes estão hoje posicionadas no first apron.
Já o Cleveland Cavaliers e o Los Angeles Clippers estão um pouco acima do luxury tax, sendo factível imaginar que possam fazer alguma movimentação no elenco para mudar esse cenário e gerar alguma economia (embora o dono do Clippers, Steve Ballmer, seja um dos homens mais ricos do mundo, ele certamente ficará feliz em preservar alguns milhões de dólares).
Mudando da NBA para o College Football, quem não conseguirá gastar pouco é a universidade de North Carolina. Ao menos por um tempo…
Muito tradicional no basquete, especialmente por ter sido a alma mater de um certo Michael Jordan, a instituição sediada na cidade de Chapel Hill, e primeira universidade pública dos Estados Unidos, resolveu apostar suas fichas em Bill Belichick a fim de emplacar temporadas vencedoras no futebol americano.
Para muitos o maior treinador da história da NFL, Belichick venceu, com seu estilo disciplinador e austero, oito Super Bowls (seis como treinador do New England Patriots e dois como coordenador defensivo do New York Giants).
Surpreendentemente, no entanto, ao deixar o Patriots após mais de duas décadas em que a competitividade e as vitórias foram a tônica, Belichick não recebeu nenhuma proposta efetivamente atraente de alguma das trinta e duas franquias da liga profissional.
O contrato de Bill Belichick será um dos maiores do futebol americano universitário: US$ 10 milhões anuais durante cinco anos, sendo apenas os três primeiros garantidos.
O valor da multa rescisória para deixar a universidade de North Carolina? Os mesmos US$ 10 milhões até 1º de junho de 2025. Daí em diante, a multa cai para US$ 1 milhão. Curioso, não?!
Evidentemente, o tempo de vigência do contrato e a estrutura da cláusula de rescisão, incomuns no futebol americano universitário, causam a percepção de que uma volta de Belichick à NFL a partir de 2025 seria um tanto quanto natural. Ainda assim, o nível de investimento é inegável para uma universidade que não ganha uma competição da modalidade desde 1980.
De fato, a maioria dos novos treinadores do College tem contratos que variam de quatro a seis anos de vigência. Alguns têm acordos garantidos por uma década.
Bill Belichick, que teria imposto contratualmente o seu filho Steve como sucessor em North Carolina, claramente possui currículo e autoridade para exigir um acordo mais longo. Se não o fez, deve existir uma boa razão para isso.
A mesma razão para que a multa contratual seja tão baixa a partir de um determinado momento, que é, justamente, quando uma boa oportunidade pode surgir no mercado de treinadores da NFL.
A incerteza quanto ao tempo de permanência de Belichick em Chapel Hill certamente será utilizada por universidades concorrentes no recrutamento de atletas. E pode ser determinante na montagem dos elencos que representarão a universidade de North Carolina nos gramados da NCAA (National Collegiate Athletic Association).
Belichick terá 73 anos quando a próxima temporada da NFL começar. Faltam poucos triunfos para que ele se torne, além de grande campeão, o mais vitorioso técnico da história da competição.
Enfim, tudo parece se encaixar para que Bill Belichick retorne ao principal palco do esporte nos Estados Unidos, sendo que somente essa possibilidade já basta para, nos próximos meses, causar sérias implicações tanto na NCAA quanto na própria NFL.
Na NBA, no College e na NFL, regras e contratos ditam os rumos do esporte. Tanto quanto a estrutura, a aptidão atlética e a preparação.
Crédito imagem: Chris Vannini
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