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SAF: decisões da Justiça sobre responsabilidade mostram incerteza jurídica

Nos últimos dias, uma decisão da Justiça do Trabalho de Minas Gerais envolvendo a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Cruzeiro gerou confusão e dúvidas sobre penhoras envolvendo as SAFs. Isso porque a sentença de um juiz no caso de uma cobrança de um ex-fisiologista vai no sentido contrário a outra da mesma Justiça do Trabalho, que considerou que a empresa poderia, sim, ser cobrada diretamente. Diante dessa contradição no judiciário, apenas tribunais superiores deverão criar uma jurisprudência sobre o tema.

Para o advogado trabalhista e colunista do Lei em Campo Theotonio Chermont, a divergência é motivada principalmente pela forma que a lei da SAF foi redigida.

“A confusão causada por decisões conflitantes, em grande parte, se deve a má redação da lei da SAF, a partir do momento em que ela tenta criar uma falsa sucessão objetivando blindar a responsabilidade da nova empresa (SAF) pelas dívidas do clube original (artigo 9), assim como permite ao julgador entender que de fato houve a caracterização de grupo econômico entre ambos (clube e SAF), incidindo no caso a regra da responsabilidade solidária do art. 2º da CLT”, avalia.

“A divergência de interpretações e posicionamentos por parte do Judiciário é natural, na medida em que a lei é nova e leva tempo até que haja uma consolidação do entendimento. Mas talvez essa controvérsia poderia ter sido mitigado com uma redação mais clara por parte do legislador no que toca à responsabilidade da SAF”, afirma Rafael Marcondes, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

“Os casos envolvendo ex-empregados do Cruzeiro foram julgados de forma distinta muito por conta da fundamentação da inicial de cada reclamatória. A primeira decisão favorável ao empregado utilizou a tese do reconhecimento do grupo econômico, enquanto a segunda decisão sustentou a impossibilidade de executar a SAF por considerar que a lei criou um modelo de sucessão com regras próprias, a partir do momento em que não houve pedido na inicial de reconhecimento de grupo econômico trabalhista”, explica Theotonio Chermont.

Apesar dos entendimentos diferentes da Justiça, Rafael Marcondes entende ser exagerado dizer que há insegurança jurídica sobre a legislação.

“Ainda que a lei permita esses diferentes entendimentos, acho exagerado dizer que a Lei das SAF não traz segurança jurídica. Como disse anteriormente, as divergências interpretativas são naturais em novas normas e é preciso tempo para a uniformização das posições”, afirma.

O imbróglio foi divulgado inicialmente pelo jornalista Rodrigo Mattos, do UOL Esporte. Em ação movida pelo fisiologista Emerson Garcia, que trabalhou no Cruzeiro em 2021, o profissional cobrava cerca de R$ 105 mil por direitos trabalhistas não pagos. A cobrança foi direcionada tanto à associação quanto da SAF igualmente.

Na decisão, proferida em 4 de abril, o juiz Marcos Cesar Leão, da Justiça do Trabalho de Minas Gerais, reconheceu que o Cruzeiro SAF é sucessora do clube associativo nos pagamentos dos débitos, conforme previsto na lei do clube-empresa (Lei 14.193/21) para profissionais que trabalharam no futebol. Porém, o magistrado citou os artigos 9 e 10 da legislação para sustentar que a SAF apenas será obrigada a repassar os 20% da receita para pagamento de dívidas e assim está livre de responder diretamente no processo e ser submetido a penhoras.

“Pelos termos da lei, portanto, não há dúvidas de que a segunda reclamada (Cruzeiro SAF) é sucessora do primeiro réu (Cruzeiro) quanto às obrigações por este contraídas com o reclamante, que fazia parte da comissão técnica do departamento de futebol profissional do clube, transferido para a companhia. No entanto, o obrigado principal pela dívida continua sendo o primeiro réu e a responsabilização do segundo réu, a princípio, ficará limitada ao repasse das parcelas mencionadas no art. 12 da Lei 14.193”, disse o magistrado em sua sentença.

Apesar disso, o juiz não retirou as obrigações da SAF com dívidas se houver uma tentativa de evitar ou dar calote no pagamento aos credores. Dessa forma, se houver indício de fraude ao pagamento, a empresa passará a ser responsabilizada diretamente juntamente com a associação.

“Por essas razões, a segunda reclamada (Cruzeiro SAF) responde subsidiariamente pelos créditos reconhecidos ao autor (fisiologista do clube) por esta sentença, nos exatos termos previstos no art. 12 da Lei 13.143/2021, sem prejuízo de sua futura e eventual responsabilização solidária, caso restar alegada e comprovada, por exemplo, fraude na alienação de patrimônio que garanta a satisfação dos direitos do reclamante, ou se não repassar à primeira as parcelas previstas no dispositivo legal acima mencionado”, acrescentou.

De acordo com o magistrado, a SAF passaria a ser cobrada diretamente se deixar de repassar os 20% sobre a receita e 50% dos dividendos para pagamentos dos débitos, conforme previsto em lei. Ele destaca na decisão que o Cruzeiro SAF “responde subsidiariamente pelo cumprimento das obrigações impostas ao primeiro réu”.

Na prática, isso livraria a SAF de penhoras diretas por cobranças judiciais ou de ter de administrar o pagamento de dívidas por meio de recuperação judicial ou do Regime Centralizado de Execuções (RCE).

O entendimento é importante pois pode recair sobre outros processos trabalhistas contra o clube, como é o caso do goleiro Fábio, hoje no Fluminense, que cobra cerca de R$ 20 milhões do Cruzeiro SAF.

“Ainda teremos muitas decisões conflitantes e me parece que a criatividade dos advogados fará toda a diferença ao explorar as brechas de uma lei repleta de incongruências, assim como os julgadores deverão interpretar as questões postas à sua apreciação de maneira distinta por se tratar de matéria recente e sem precedentes. Não há sombra de dúvidas que a lei foi redigida de forma açodada e conveniente a certas partes. Poderia ter sido elaborada com mais cuidado e menos pressa. A insegurança jurídica é clara e manifesta”, finaliza Theotonio Chermont.

Crédito imagem: Cruzeiro

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