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STJD abre “precedente” ao aceitar notícia de infração de grupo contra Flamengo

Em julgamento nesta segunda-feira (8), a Primeira Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) decidiu punir o Flamengo com uma multa de R$ 50 mil pelos cantos homofóbicos de sua torcida na partida contra o Grêmio, no Maracanã, válida pela Copa do Brasil.

O que chamou a atenção nesse caso foi o fato de que o Rubro-Negro apenas foi levado a julgamento após o Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ apresentar ao STJD uma Notícia de Infração (NI), no dia 27 de setembro, 12 dias após a partida. Ao acolher a denúncia, a Procuradoria abriu um importante precedente, uma vez que grupo não é pessoa natural nem jurídica.

“Nada obstante a importante missão do Coletivo de Torcidas como instrumento de promover a quebra de tabus e preconceitos nas arenas desportivas, não há como enquadrar esta articulação na definição de pessoa natural ou jurídica. Desta forma, é manifesta a ilegitimidade do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ para a apresentação de notícia de infração disciplinar”, afirma Maurício Corrêa da Veiga, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

“Apesar de não ser comum, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), em seu art. 74 permite a qualquer pessoa natural ou jurídica a apresentação da notícia de infração desportiva junto à Procuradoria. A única imposição quanto a essa previsão refere-se à existência de comprovado interesse legítimo. É possível que seja uma informação não tão difundida, razão pela qual não é corrente que a Justiça Desportiva registre casos como o que ocorreu com o Flamengo, na partida contra o Grêmio pela Copa do Brasil, fato que culminou na aplicação de multa em face ao rubro negro carioca”, explica a advogada Ana Mizutori, especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

O art.74 do CBJD diz que “qualquer pessoa natural ou jurídica poderá apresentar por escrito notícia de infração disciplinar desportiva à Procuradoria desde que haja legítimo interesse, acompanhada da prova de legitimidade”.

Maurício analisou o tema mais a fundo em sua coluna semanal no Lei em Campo, a “Sem Olé na Lei”.

Na NI apresentada ao STJD, o grupo anexou imagens de torcedores do Flamengo cantando: “Arerê, gaúcho dá o c* e fala tchê”. Após isso, a Procuradoria do tribunal acolheu a denúncia e enquadro o Flamengo no artigo 243-G do CBJD.

O que diz o art. 243-G do CBJD?

Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

PENA: suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

§ 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, está também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente.

§ 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias.

§ 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170.

Ao ingressar com a denúncia, a Procuradoria relembrou que em 2014, o Grêmio foi excluído da Copa do Brasil porque seus torcedores proferiram gritos racistas.

“Além disso, é preciso considerar o fato de que no estádio havia público de mais de 6,5 mil torcedores da equipe mandante, que delirando com o resultado positivo alcançado na competição e embriagados pela alegria, menosprezavam a equipe adversária com cânticos homofóbicos, hipótese configurada nos parágrafos 1º, 2º e 3º do CBJD. Vale lembrar que em circunstâncias semelhantes (porém tratando de injúria racial), na edição de 2014 da Copa do Brasil, o Grêmio foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 243-G do CBJD, porque durante a partida contra o Santos, sua torcida chamou o goleiro Aranha de ‘macaco’ e, após julgado, restou condenado e punido com a exclusão da competição”, ressaltou.

No julgamento desta segunda-feira, o procurador do STJD, Pedro Wortmann, pediu a exclusão do Flamengo da próxima edição da Copa do Brasil de 2022, no entanto, a maioria dos auditores votaram por enquadrar o clube no parágrafo 2º do art. 243-G, deixando claro que ficou comprovado o ato discriminatório.

“Esses gravíssimos fatos narrados na denúncia restaram comprovados pela prova de vídeo, que não foi sequer objeto de questionamento por parte da defesa do primeiro denunciado (Flamengo). O vídeo comprova que uma parte da torcida proferiu cântico com palavras de cunho homofóbico. Esta prática encontra-se tipificada no CBJD. É exatamente o que nós verificamos”, disse o relator Ramon Rocha.

O árbitro Rodolpho Toski, os assistentes Bruno Boschilia e Victor Hugo Imazu dos Santos, o quarto árbitro Lucas Paulo Torezin, o inspetor da CBF Almir Alves de Mello, e o delegado da partida Marcelo Viana, que também foram denunciados, acabaram absolvidos por não ter sido comprovado que os mesmos teriam como ter conhecimento da música cantada na arquibancada.

Crédito imagem: Fifa/STJD

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