Por Gabriel Coccetrone e Marcello De Vico
O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) já julgou casos de “mala branca”, mas nunca envolvendo torcedores. Um deles, em 2014, teve como personagem o então goleiro do Palmeiras Fernando Prass, investigado por uma declaração na qual dizia supostamente ter recebido o incentivo; ele escapou de uma punição que poderia ser de até dois anos.
O termo “mala branca” é usado quando alguém paga incentivo em dinheiro para que uma equipe vença um jogo, de modo que o resultado da partida beneficie uma terceira equipe, normalmente a responsável pelo pagamento do incentivo.
Mais recentemente, em 2019, o STJD puniu um dirigente do Botafogo-PB por oferecer dinheiro ao Altos-PI para vencer ou ao menos empatar um jogo com o Náutico pela Copa do Nordeste 2018.
O debate sobre “mala branca” voltou à tona depois de o torcedor colorado Elusmar Maggi, do Mato Grosso, que pagou R$ 1 milhão para Rodinei estar em campo contra o Flamengo, ter prometido dar dinheiro ao São Paulo para dificultar a vida dos cariocas em um dos jogos que definirá o título do Campeonato Brasileiro, na próxima quinta-feira (25). Ao UOL Esporte, porém, Maggi disse ontem (22) que havia feito a promessa no calor da rodada e nega que oferecerá esse incentivo aos são-paulinos.
Agora líder do Brasileirão com 71 pontos, o Flamengo visita o São Paulo no Morumbi, enquanto o Internacional, que soma 69 pontos, recebe o Corinthians no Beira-Rio. Todos os jogos da 38ª e última rodada da competição nacional acontecem às 21h30 (horário de Brasília).
“Vou injetar dinheiro no São Paulo para a gente ser campeão. Vou estudar com a minha parte jurídica como proceder amanhã (22). Vai ser 1 a 0 para a gente contra o Corinthians”, havia declarado Elusmar Maggi em entrevista ao GZH no domingo. O caso foi abordado no blog Lei em Campo, com análise das devidas consequências para os clubes em caso de “mala branca”.
Vale ressaltar que, em todos os casos já julgados pelo STJD envolvendo o incentivo, nenhum deles teve algum torcedor como responsável pela oferta de pagamento.
“O problema é sempre a prova, a maioria é bravata. Ninguém mostra recibo da mala branca, óbvio. Atleta diz que é bem-vindo, dirigente fala que vai pagar… Mas na hora mesmo, vai saber… Não me parece que por ser originada de torcedor ganhe ares de legalidade”, disse Paulo Schmitt, ex-procurador-geral do STJD entre os anos de 2004 e 2016, em entrevista ao Lei em Campo —veja outras opiniões de especialistas mais abaixo.
Fernando Prass: “Se eu já recebi? Sim”.
Na entrevista de 2014, Fernando Prass não especificou quando e de qual time recebeu o incentivo para vencer. O assunto surgiu na época pelo fato de o Flamengo não ter mais pretensões no Brasileirão e ser rival do Vitória, que brigava contra o Palmeiras pelo rebaixamento.
“O prêmio para vencer, se você ganha do seu clube, não tem problema nenhum. Isso existe há muito tempo, normalmente se ganha por vitórias”, disse o atleta para depois ser questionado diretamente sobre o tema.
“Se eu já recebi [de outro clube] para vencer jogo? Sim”
Prass, no entanto, ressaltou que a tática nem sempre tem resultados: “Primeiro que se dinheiro garantisse alguma coisa, a gente mesmo fazia uma vaquinha e pagava, mas isso não existe. Que acontece, acontece”.
O então goleiro palmeirense foi denunciado no Artigo 238 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que indica punição àquele que “receber ou solicitar, para si ou para outrem, vantagem indevida em razão de cargo ou função, remunerados ou não, em qualquer entidade desportiva ou órgão da Justiça Desportiva, para praticar, omitir ou retardar ato de ofício, ou, ainda, para fazê-lo contra disposição expressa de norma desportiva”. Porém, acabou absolvido.
Dirigente do Botafogo-PB foi punido por um ano.
Em 2019, o STJD julgou um caso de “mala branca” e puniu o dirigente do Botafogo-PB, o ex-presidente Zezinho, por um ano. Ele apareceu em uma escuta com o presidente do Altos-PI, Warton Lacerda, oferecendo dinheiro para o time piauiense ganhar ou empatar o jogo contra o Náutico —a partida da Copa do Nordeste de 2018 terminou com placar de 2 a 2.
“Eu vou ver aqui com o pessoal pra gente mandar aí alguma coisa pra vocês ganharem o jogo ou empatar”
O ex-presidente ainda recebeu uma multa de R$ 50 mil depois de votação por 4 a 3 dos auditores. Warton Lacerta, por sua vez, foi absolvido.
“No documento constam ainda reportagens que sugerem que Warton Lacerda, presidente do Altos/PI, confirma o recebimento de mala branca oferecida por Zezinho”, diz nota do STJD da época.
Com o empate entre Altos e Náutico, o Botafogo-PB avançou às quartas de final da Copa do Nordeste 2018 como segundo colocado de seu grupo, mas acabou parando na semi diante do Bahia. O campeão daquela edição foi o Sampaio Corrêa.
O que dizem os especialistas
“O problema é sempre a prova, a maioria é bravata. Ninguém mostra recibo da mala branca, óbvio. Atleta diz que é bem-vindo, dirigente fala que vai pagar… Mas na hora mesmo, vai saber… Tive alguns casos julgados com punições na minha época na Procuradoria, não sei hoje o entendimento do tribunal. E agora tem a nova modalidade desse tipo de ‘aposta’ através de mala, é tudo a mesma coisa. Não me parece que por ser originada de torcedor ganhe ares de legalidade, muito ao contrário”, Paulo Schmitt, ex-procurador-geral do STJD entre os anos de 2004 e 2016.
“O debate da chamada ‘mala branca’ é sobre ética desportiva, acima de tudo. Há quem entenda que, apesar de eticamente condenável, não seria um ato punível pela Justiça Desportiva, já que se trata de incentivo financeiro pela busca da vitória; e buscar a vitória é um comportamento normal de todo aquele que compete em esporte de alto rendimento. É um debate interessante. O CBJD fala em ‘vantagem indevida’ que ‘influencie o resultado da partida’. Se a mala branca (vantagem indevida) fez com que o atleta atuasse de forma diversa daquela que atuaria, é possível argumentar que ouve influência na partida, configurada, assim, a infração.”, Fernanda Soares, advogada especializada em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
“Tribunais estaduais e o STJD já enfrentaram esta questão diversas vezes, chegando a conclusões distintas, justamente por este debate. Desconheço situação na qual um torcedor foi levado ao Tribunal por esta prática. Até porque, ao meu sentir, o torcedor não é submetido à Justiça Desportiva. Portanto, ao torcedor não se aplicariam diretamente as decisões tomadas pelos tribunais desportivos. Há quem argumente que o torcedor estaria contemplado no inciso VI do artigo 1º, § 1º do CBJD, já que o dispositivo menciona ‘pessoas naturais que exerçam qualquer função’ em entidades de prática desportiva (clubes). Não me filio a esta corrente. Entendo ser uma interpretação extensiva equivocada da norma; fosse a intenção do legislador incluir o torcedor no rol daqueles que são submetidos ao CBJD, o faria de forma mais explícita já que o torcedor exerce papel relevante numa competição desportiva (bem jurídico protegido pela Justiça Desportiva).”, Fernanda Soares, advogada especializada em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
“A mala branca, ainda que pareça inofensiva, é extremamente nociva ao futebol, primeiro por se tratar de uma prática ilegal, pois a legislação desportiva veda esse tipo de prática, mas também prejudica os próprios profissionais do futebol, pois, estaria atrelando eventual resultado ao valor recebido e, por consequência, colocando em dúvida o profissionalismo e seriedade do jogador. Se ele não tivesse recebido esse ‘incentivo’ será que o resultado não seria diferente?”, Nilo Patussi, advogado especialista em compliance e colunista do Lei em Campo.
*Conteúdo reproduzido do portal UOL.
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