Superando estigmas da “Era dos Esteróides”, a MLB, no impulso do “efeito Othani”, avança para a era do esporte globalizado

O mirante do aeroporto de Haneda, em Tóquio, estava lotado de fãs na tarde de 13 de março de 2025. Muitos deles não paravam de fazer registros em seus smartphones e câmeras fotográficas. No desembarque, nenhuma banda famosa ou celebridade do cinema. Tampouco alguma autoridade política. Todos os olhares estavam voltados para Shohei Ohtani, que trazia, “a tiracolo”, seus compatriotas Yoshinobu Yamamoto e Roki Sasaki, atletas do Los Angeles Dodgers.

No Japão para os jogos de abertura da temporada regular da MLB, que ocorrerão no Tokyo Dome nos dias 18 e 19 da próxima semana, o Dodgers, além de exibições amistosas contra dois times locais, enfrentará o muito menos badalado Chicago Cubs. Ninguém tem dúvidas, contudo, de que o grande foco da “excursão” é a passagem de Ohtani pelo território japonês.

A ida de Shohei Ohtani para o Dodgers, em dezembro de 2023, ocupou as manchetes por conta dos US$ 700 milhões de dólares que foram garantidos ao jogador por dez anos de contrato (e que foram diferidos em uma ousada manobra fiscal e esportiva). Porém, é a consolidação do arremessador/rebatedor como um fenômeno cultural e midiático na Ásia que continua chamando a atenção.

O “efeito Ohtani”, de fato, transcende os limites do beisebol. Como destacado em matéria do Sport Insider, o atleta vem contribuindo para o aumento da audiência das transmissões da MLB especialmente entre o público de 18 a 34 anos.

Quer uma boa amostragem? A última World Series, que contrapôs o Dodgers, vencedor da Liga Nacional, e o New York Yankees, vencedor da Liga Americana, foi a mais assistida desde 2018. E o interesse do público japonês, evidentemente, cresceu bastante com a presença de Ohtani em campo. Como “bônus”, a equipe de “Ohtani-San” ainda faturou o título.

Como se não bastassem os cerca de US$ 30 milhões em novas receitas de patrocinadores japoneses que assinaram com o Dodgers, a própria cidade de Los Angeles vem se beneficiando do “efeito Ohtani”: a visitação de turistas nipônicos quase dobrou, sendo que 80% deles incluem no roteiro ao menos uma partida no Dodger Stadium. Aproveitando a oportunidade, o estádio incorporou guias turísticos e opções gastronômicas pensadas exclusivamente para esse novo público.

Fazer os jogos de abertura da temporada no Japão, portanto, foi algo bastante natural para o atual campeão da MLB.

A visibilidade global obtida com a participação decisiva no World Baseball Classic, a Copa do Mundo da modalidade, ajudou Othani, o herói da conquista japonesa, a caminhar para quase 9 milhões de seguidores no Instagram, algo que, por via reflexa, impulsionou as contas do Dodgers e da MLB na rede social.

Três vezes MVP unânime da liga, potência de marketing, símbolo de orgulho nacional e embaixador (involuntário) de uma modalidade, Shohei Ohtani foi inspiração para que alguém cunhasse a expressão “Sho-time”, que alude ao magnetismo do jogador e brinca com outra história marcante do esporte em Los Angeles, o “Showtime Lakers” de “Magic” Johnson.

Ironia do destino: um dos proprietários do Los Angeles Dodgers é, justamente, o onipresente “Magic” Johnson

Por falar em basquete (afinal, “Magic” Johnson é sinônimo de basquete), o mundo viu algo parecido ao “Efeito Ohtani” no início do século, quando Yao Ming serviu como o catalisador do crescimento exponencial da NBA na China e em outros mercados do Oriente.

Sim, as ligas esportivas norte-americanas compreendem muito bem que a criação de laços com certas comunidades é essencial para fomentar a identificação emocional que transforma meros espectadores em ávidos consumidores.

Na América do Sul, à exceção de Venezuela e Colômbia, o beisebol é, essencialmente, um esporte de nicho. Tal cenário pode começar a mudar, todavia, com a classificação do Brasil para a World Baseball Series de 2026, conquistada no último dia 06 de março.

O excelente resultado da equipe brasileira é atribuído a investimentos na formação e ao exemplo de atletas que abriram caminhos no cenário internacional, como Yan Gomes, primeiro brasileiro campeão da World Series (em 2019, com o Washington Nationals).

Não é coincidência que dois dos outros “pioneiros” do beisebol no Brasil integrem a comissão técnica da seleção nacional: Paulo Orlando, campeão com o Kansas City Royals em 2015, e André Rienzo, primeiro arremessador do país a atuar na MLB.

Há muitos jovens talentosos de origem “tupiniquim” em ascensão nas ligas menores e em universidades dos Estados Unidos. Assim, imaginar que algum deles alcance o estrelato daqui a alguns anos não é um devaneio. Mesmo se não vivenciarmos, por aqui, algo semelhante ao “efeito Othani”, ter um jogador de destaque na elite do beisebol mundial é algo que certamente gerará dividendos.

Seja como for, no contexto do esporte como elemento de integração social, o beisebol tem se reposicionado como um vetor para o intercâmbio cultural, algo fundamental em face dos desafios enfrentados pela modalidade.

Depois da crise de credibilidade decorrente da chamada “Era dos Esteróides”, entre o final dos anos 1980 e os primeiros anos da década de 2000, a MLB vem capitaneando um necessário processo de renovação de imagem.

Embora tenha sido um período de rebatidas impressionantes, inúmeros home runs, estádios abarrotados e relevância no imaginário popular da “América”, o escândalo de dopagem sistêmica, inegavelmente, comprometeu a integridade da liga.

Legados foram afetados e danos institucionais ainda reverberam, fazendo com que uma parte do público continue associando o beisebol ao uso de esteróides anabolizantes e de outras substâncias destinadas a melhorar o desempenho físico.

O caso mais emblemático foi o de Barry Bonds. Estatisticamente o maior rebatedor da história da MLB, Bonds atingiu esse marco, no entanto, sob fortes suspeitas de que usava substâncias proibidas.

Essa desconfiança faz com que, até hoje, Bonds seja preterido do Hall da Fama do beisebol pelos eleitores da Baseball Writers’ Association of America (BBWAA). Mas ele não é o único nessa situação.

Em 2007, a liga encomendou uma investigação independente liderada pelo ex-senador George Mitchell. O chamado Mitchell Report expôs centenas de jogadores ligados ao uso de substâncias dopantes, manchando a reputação de astros como Roger Clemens, Mark McGwire, Sammy Sosa e Alex Rodriguez.

O debate ético é inevitável: deve-se reconhecer o talento puro ou precisam ser preservados os valores do esporte por meio da punição e da infâmia daqueles que mancharam a lisura da competição?

Desde a década passada, a MLB tem implementado rigorosos programas de controle antidopagem, com testes mais frequentes, sanções severas e campanhas de educação sobre substâncias proibidas, o que tem inibido, de modo significativo, as ocorrências envolvendo o uso das chamadas PEDs (performance-enhancing drugs).

No mais, para resgatar sua honra e reconquistar a confiança do público e de patrocinadores, a liga investe bastante na reformulação de seus programas de integridade e na prevenção, desde as categorias de base, de condutas inadequadas por parte dos atletas.

No Japão, por conta de seu comportamento irrepreensível, Shohei Ohtani é chamado de “kanpeki no hito”, que significa “pessoa perfeita”. No fim das contas, o capital reputacional do jogador parece não ter sido afetado pelo escândalo envolvendo o seu tradutor, Ippei Mizuhara, condenado a 57 meses de prisão por fraude bancária e fiscal após haver desviado US$ 17 milhões das contas de Ohtani para pagar dívidas com apostas.

Ser o “rosto” de um esporte para todo o planeta é uma responsabilidade e tanto. Felizmente, para a MLB, Ohtani demonstra plenas condições de assumir esse posto.

Crédito imagem: Robert Gauthier / Los Angeles Times

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