Pesquisar
Close this search box.

Tem condição?

Uma das grandes questões que ronda os julgamentos na Justiça Desportiva diz respeito à condição de jogo dos atletas. O fato de não termos uma definição clara e unificada do que vem a ser “condição de jogo”, muitos julgamentos apresentam resultados diferentes para questões semelhantes.

Em artigo escrito no ano de 2002, Marcílio Krieger[1] buscou resumir quais são os requisitos para que o atleta tenha condições de participar das partidas. Para ele, há 4 requisitos básicos para que um atleta possa participar de partidas ou provas, que ele elencou como sendo: condição legal; registro do contrato na entidade responsável pela competição; condição de jogo jurídico desportiva; e a saúde do atleta.

Em linhas gerais, não observamos grandes mudanças nesses requisitos, mas há algumas questões que mudaram com o passar do tempo.

Com relação à condição legal não há dúvidas: em competições profissionais os atletas precisam ter contrato de trabalho válido com a equipe que representa, além de outros documentos que sustentem essa relação, como o visto de trabalho para atletas estrangeiros. Sem que essa condição seja atendida, sequer há que se falar em seguir para a análise dos demais requisitos. Por outro lado, caso a competição seja não profissional, não há necessidade de relação de trabalho entre atleta e equipe, sendo suficiente o cumprimento dos requisitos exclusivamente desportivos.

Profissional ou não, a relação entre equipe e atleta deve estar formalizada junto à entidade que administra a competição, que pode ser federação, confederação ou liga. É com o registro do atleta nessas entidades que surge o que chamamos de vínculo federativo. Os vínculos federativos são exclusivos, ou seja, os atletas só podem ter vínculo federativo ativo com uma única equipe.

Esses dois vínculos são claros e de pouca discussão. Sem que exista o vínculo trabalhista (no caso das competições profissionais) e o vínculo federativo, não há como falar em atleta com condição de jogo.

Há, no entanto, uma outra questão que precisa ser atendida: a existência de vínculo federativo não autoriza automaticamente a participação do atleta nas competições, sendo necessária ainda sua inscrição para a competição, atendendo aos critérios impostos por cada regulamento.

Já quando falamos na condição de jogo jurídico-desportiva falamos da ausência de impedimento específico para a participação de algum atleta decorrente de suspensão automática, prevista em regulamento, ou qualquer pena pendente em face de decisão da Justiça Desportiva.

Ainda que algumas pessoas entendam que a participação de atletas suspensos pela Justiça Desportiva não caracterize infração ao artigo 214 do CBJD, mas sim ao artigo 223, esse entendimento é absolutamente minoritário, prevalecendo a interpretação de que as duas infrações podem ocorrer simultaneamente, uma por parte da equipe e outra por parte do atleta.

Mas não é apenas em caso de suspensão que o atleta pode ter sua condição de jogo limitada pelas normas jurídico-desportivas. Regulamentos de competições podem limitar as condições de determinados atletas, em função dos outros atletas que estejam participando da partida, limitando o número de atletas de determinada idade ou nacionalidade (ainda que esta limitação seja bastante questionável com base nas normas gerais de direito).

Por fim, o atleta ainda precisa ter condições médicas para participar das partidas, e essas condições fazem parte do que chamamos de condição de jogo. Em 2002, quando Marcílio Krieger escreveu sobre o assunto, essa condição era de responsabilidade única e exclusiva do médico, não podendo a entidade que gere a competição impedir a participação de um atleta em uma partida em razão da ausência de condição médica.

De lá pra cá, no entanto, muita coisa mudou. As entidades de administração do desporto passaram a demonstrar uma preocupação muito maior com as condições de saúde dos atletas, por uma questão de imagem mas também por uma questão jurídica. A participação de um atleta sem as condições ideias pode resultar em graves consequências jurídicas para todas as partes envolvidas. Por isso, exames médicos periódicos passaram a ser compulsórios para que os atletas tenham condições de jogo.

Desde a trágica morte do atleta Serginho, transmitida ao vivo do campo de jogo, os protocolos médicos ganharam maior relevância no esporte brasileiro. Nos Estados Unidos a situação não é diferente. Um exemplo claro disso é o protocolo que os atletas da NBA precisam cumprir para que possam voltar a jogar após casos de concussão. Enquanto não houver plena condição de saúde os atletas ficam impedidos de participar das partidas.

No Brasil, um exemplo recente da limitação da condição de jogo por razões médicas são os protocolos de prevenção à Covid-19 desenvolvidos por diversas entidades de administração. Logo na primeira rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol a partida entre Goiás e São Paulo foi suspensa pois o clube goiano não possuía número suficiente de atletas com condição de jogo para a partida, mesmo tendo mais atletas em seu plantel que não tiveram resultado positivo para o exame de Covid-19.

Isso se deu porque, com base no protocolo vigente, o resultado negativo no exame é condição indispensável para que os atletas possam participar das partidas. Ou seja, um atleta que não tenha realizado o exame no período previsto está tecnicamente sem condições de jogo e sua escalação poderia resultar em punição com base nos artigos 191 e 214 do CBJD.

Como ficou claro, a existência de condição de jogo não é simples, e pode ser impactada por diversos fatores, internos e externos à estrutura esportiva. E precisa ser estudada em profundidade, já que as penas decorrentes da participação em partida sem condição regular são bastante graves e podem prejudicar não apenas o atleta, mas também a equipe à qual ele está vinculado.

……….

[1] https://www.efdeportes.com/efd54/direito1.htm#:~:text=CONDI%C3%87%C3%83O%20DE%20JOGO%20%2D%20conjunto%20de,determinada%20associa%C3%A7%C3%A3o%20de%20pr%C3%A1tica%20desportiva.&text=%C3%89%20o%20registro%20na%20CBF,v%C3%ADnculo%20desportivo%20entre%20as%20partes

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.