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Transação Tributária: mais um capítulo da novela passivo tributário dos clubes de futebol no Brasil

O histórico quadro de inadimplemento tributário dos clubes de futebol no Brasil é público e notório. Os não atuantes na indústria da bola sempre questionam o porquê do monstruoso passivo tributário, quando a maioria dos clubes de futebol no Brasil experimentam inúmeros benefícios fiscais.

Ao longo dos anos, percebemos a relação dos clubes de futebol com o Fisco, analogicamente, como a relação do pai com aquele filho malcriado, que tem tudo a sua disposição, não lhe falta nada, mas sempre estar cometendo um deslize e o seu papai sempre passando a mão na sua cabeça, sem aplicar qualquer tipo de sanção eficaz visando educá-lo, gerando assim um ciclo vicioso de irresponsabilidade e péssimas práticas.

Segundo estudos da EY (Ernst & Young Global Limited, ou Ernst & Young) fez um levantamento financeiro dos clubes brasileiros em maio de 2021, que analisou o passivo tributário de 22 clubes, extraímos que entre 2016 e 2020 houve um crescimento de 30% em relação ao inadimplemento tributário, chegando à dívida dos clubes analisados ao patamar aproximado de R$ 3,3 bilhões.

Embora o inadimplemento tributário no futebol brasileiro seja de longa data e contumaz por parte de boa parcela dos clubes, ainda assim, não devemos buscar a extinção do seu modelo de constituição associativo (associação), esta não é de longe a pior medida a se pensar, uma vez que não irá resolver essa questão da insolvência tributária. A irresponsabilidade fiscal de alguns não pode pôr a perder a real intenção do legislador em relação ao efetivo papel social a instituição do modelo associativo.

A solução para o passivo tributário tem no seu histórico inúmeras tentativas empreendidas pelo Poder Público, dentre elas a criação de uma loteria específica advinda da Lei n° 11.345/2006 (Lei da Timemania), que apresentou a época números que até o momento nunca foram experimentados, principalmente, no tocante as receitas. O respectivo comando legislativo ainda vige repassando aos clubes valores que para muitos são cifras irrisórias, mas para outras entidades são consideradas uma fonte de receita razoável.

Após o fracasso da Timemania tivemos a edição da Lei n° 13.155/2015 (Lei do PROFUT), que foi criada com intenção de modernizar a gestão do futebol assim como dar solução ao passivo tributário dos clubes, vale ressaltar que a Lei em matéria tributária não trouxe apenas benefícios, mas também sanções aos que não apresentassem ao final do ano calendário suas certidões de forma satisfatória, entre elas a de débitos fiscais.

Porém, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, no bojo da ADI n° 5.450, declarou inconstitucional o artigo 40 da Lei n° 13.155/15, na parte que alterava o artigo 10, §§ 1º, 3º e 5º da Lei n° 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor). No meu entendimento, de forma assertiva do ponto de vista técnico, entendeu o ministro que o inadimplemento tributário não pode ser usado como ferramenta punitiva ao contribuinte inadimplente, se este é devedor, que seja executado nos ditames da Lei 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal – LEF), sendo a via mais adequada.

Muitos clubes, de 2016 até o presente momento, não conseguiram organizar tampouco quitar seus passivos tributários, alguns por conta do inadimplemento foram sancionados com a sua exclusão do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT), prevista no artigo 16 da Lei n° 13.155/15, não lhes restando outra saída senão fazer uso da Transação Tributária (com previsão no art. 171, da Lei n° 5.172/66, regulamentada pela Lei 13.988/2020) com intuito de tornar a gestão, no mínimo, viável.

A Transação Tributária (instituída pela Lei n° 13.988/2020) é a mais nova tentativa criada por lei para que os contribuintes inadimplentes regularizem sua situação de insolvência, da forma mais ampla possível no tocante aos passivos tributários.

Em um primeiro momento, levantou-se a questão se a respectiva lei teria aplicabilidade aos clubes de futebol pelo fato de trazer em seu escopo literal, precisamente no artigo 5º, inciso III, que a Transação Tributária não se aplicava ao devedor contumaz, fato é que o respectivo dispositivo delegou a lei específica definir o que seria devedor contumaz – o que até o momento não se tem notícia. Pelo histórico dos clubes brasileiros, eles seriam facilmente enquadrados como devedores contumazes.

A aplicação da Transação Tributária em relação aos contribuintes, em geral, tem sido noticiada como um sucesso, uma vez que a Lei n° 13.988/2020 permitiu a regularização de R$ 165 bilhões em quase 1,8 milhões de inscrições, totalizando cerca de 650 mil acordos celebrados. No tocante aos clubes de futebol, verificamos que alguns já transacionaram seus passivos junto a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Ao analisarmos algumas propostas de transação tributária de alguns clubes, percebe-se que determinados mandatários buscam em verdade viabilizar o clube apenas durante o lapso de sua gestão, quando deveriam traçar um planejamento para resolver o problema fiscal de forma definitiva.

A Lei n° 13.988/2020, além de se apresentar como nova possibilidade de organização e quitação do passivo tributário dos clubes, em seu artigo 11, §§ 3º e 4º, inciso I, acaba por trazer benesses para os clubes de futebol frente a muitos contribuintes que queiram fazer uso da respectiva ferramenta:

Art. 11. A transação poderá contemplar os seguintes benefícios:

[…]

§ 3º Na hipótese de transação que envolva pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte, a redução máxima de que trata o inciso II do § 2º deste artigo será de até 70% (setenta por cento), ampliando-se o prazo máximo de quitação para até 145 (cento e quarenta e cinco) meses, respeitado o disposto no § 11 do art. 195 da Constituição Federal.

§ 4º O disposto no § 3º deste artigo aplica-se também às:

I – Santas Casas de Misericórdia, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil de que trata a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014;

Verifica-se que o artigo 11, §4º, inciso I, da Lei n° 13.988/2020, faz remissão a Lei n° 13.019/2014, que em seu artigo 2º, inciso I, alínea “a”, define a quem se aplica seu regramento, expressamente, deixa claro que os clubes de futebol constituídos no formato associativo sem fins lucrativos são Organizações da Sociedade Civil – OSC, nos seguintes termos:

Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se:

I – organização da sociedade civil:

  1. a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva;

Por todo o exposto, percebemos que os clubes de futebol além de ter à sua disposição nova ferramenta, visando equacionar seus passivos tributários, ainda há alguns privilégios a mais que não estão disponíveis para os demais contribuintes, que são o desconto de até 70% e parcelamento da dívida em até 145 meses.

De fato, somente fazer uso das benesses sem qualquer responsabilização efetiva, não vejo como melhor caminho, precisamos em verdade pautar a gestão dos clubes e, em especial, a gestão dos tributos sob a égide das melhores práticas de Governança e Compliance.

Agora só nos resta aguardar para saber se teremos um desfecho satisfatório deste novo capítulo da novela passivo tributário dos clubes de futebol no Brasil.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei no 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm. Acesso em: 11 de nov. de 2021.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 11 de nov. de 2021.

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