Pesquisar
Close this search box.

Um inteiro vale mais que duas metades

A polêmica MP 984, que concede ao mandante a exclusividade de negociação dos direitos de transmissão das partidas esportivas, continua gerando polêmicas. A decisão mais recente, do Desembargador Abraham Lincoln Merheb Calixto, do TJ do Paraná, garantiu à Globo, por enquanto, o direito de não ter partidas de clubes com os quais tenha contrato exibidas por outros meios de comunicação.

Outras decisões, ainda provisórias, têm garantido à Globo um direito que, pessoalmente, entendo não existir. Primeiro porque contrato não pode contradizer lei, e sendo um contrato de execução contínua, deve ser executado de acordo com as leis vigentes no momento da execução, não da assinatura. Imaginemos, por exemplo, que a Globo tivesse assinado contrato com uma equipe por 50 anos. Isso faria com que a empresa pudesse escapar da lei pelos 50 anos, com base em um contrato? Não parece razoável.

Mas a questão é ainda mais absurda. Um contrato entre duas partes, no caso, a Globo e o clube X, retira o direito de uma parte que não está envolvida no contrato, o clube Y. Vamos dar um exemplo mais direto. Imaginemos que a Globo tem contrato com o Fluminense. Nesse contrato, o Fluminense cedeu à Globo os direitos de transmissão das partidas que disputasse, como mandante ou visitante. Neste momento, a lei garante ao Athlético Paranaense o direito de negociar a transmissão das partidas das quais seja mandante.

Vamos tentar trazer isso para mais perto da realidade de todos. Imagine que você e um colega de trabalho tenham uma casa cada um. A lei autoriza que vocês vendam suas próprias casas, sem interferência um do outro. Seria razoável que você fosse proibido de vender sua casa para outra pessoa em razão de um contrato assinado entre seu colega de trabalho, com o qual você não concordou e do qual você não recebeu um centavo sequer? A resposta parece óbvia, não é?

O caso dos direitos de transmissão é exatamente o mesmo. O contrato só pode obrigar as partes que dele fazem parte. Nesse caso, se a Globo acredita que um clube se comprometeu em contrato a entregar algo que não pode mais entregar, cabe à empresa buscar indenização pela parte que se tornou indisponível do contrato.

O clube, por outro lado, também pode buscar indenização pela mudança de característica do que está sendo oferecido. Antes, cada clube poderia vender 50% dos direitos de cada partida. Agora, ainda que o número de partidas negociáveis seja menor, cada clube mandante tem o direito de vender 100% dessa partida.

Sabidamente, a venda parcial de um direito possui uma valoração menor do que a venda integral de tal direito. Esse deságio se dá pela incerteza do direito de realizar a transmissão, uma vez que o exercício de tal direito depende da aquisição da outra parcela. Isso pode ser observado em qualquer tipo de negócio, inclusive em imóveis, e pode ser facilmente valorado com base em parâmetros já existentes. Sendo assim, uma vez que os clubes agora entregam o direito integral à transmissão de 19 partidas, ao invés de entregarem direito parcial à transmissão de 38 partidas, eles entregam maior valor à contratante.

Essa diferença de valor pode justificar a estratégia escolhida pela emissora na hora de acionar o Poder Judiciário, uma vez que pedir a compensação financeira ao clube poderia acabar significando para a empresa a necessidade de complementar o valor pago.

Muita água ainda deve rolar nesse caso, mas em última instância, caso a MP continue existindo, é grande a possibilidade de que a Globo veja sua tentativa frustrada e que os clubes que não têm contrato com ela possam exibir suas partidas como mandantes onde quer que desejem.

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.