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US Soccer: isonomia retributiva entre mulheres e homens

A grande notícia desta semana que revela um êxito na reivindicação das jogadoras profissionais de futebol nos Estados Unidos da América é a igualação das remunerações entre mulheres e homens que servem a selação do país. O anúncio foi publicado na terça-feria passada pela própria entidade máxima do futebol norteamericano.

O caso não revela matéria de relação empregatícia, mas sim conteúdo de trabalho lato sensu mais afeito à prestação de serviço nos termos do civil rights norteamericano ou de natureza civil, contida no Código Civil no caso brasileiro.

De fato, segundo se afirma e reafirma ao longo dos anos em aulas de pós-graduação e agora de maneira escrita no livro “Curso de Direito do Trabalho Desportivo”, segunda edição pela Editora Juspodivm saindo em março de 2022, no vínculo de jogadoras e jogadores convocados para defender a seleção nacional do país não há o implemento de todas as características de uma relação de emprego (trabalho stricto sensu), o que impossibilita a sua existência.

Tal convocação das atletas mulheres e homens não circunscrevem uma relação de emprego desportivo mediante contrato especial de trabalho desportivo, contudo desenha uma relação jurídica civil de certa forma estável, que até provoca a interrupção típica no vínculo empregatício desportivo entre jogadores e clubes durante a prestação de serviços às seleções nacionais (no exemplo do Brasil, previsão implícita no art. 41, § 1o, da Lei n. 9.615/98-Lei Pelé).

No caso dos Estados Unidos da América, o pronunciamento oficial da US Soccer é bastante forte, tendo em vista que além de estabelecer a partir de agora a igualdade (isonomia) retributiva entre jogadoras e jogadores, também prevê um orçamento de indenização de 24 milhões de dólares para um grupo de atletas mulheres, incluindo ex-jogadoras da seleção nacional do país que sofreram discriminação remuneratória de gênero nos idos dos últimos anos.

Ainda no plano estadounidense a isonomia retributiva é substancialmente de justa medida, pois é cediço que no futebol local as mulheres possuem muito mais conquistas pela selação nacional, prestígio social e até suas competições são mais interessantes do que as dos homens.

Portanto, a posição enérgica da US Soccer repara uma discriminação remuneratória sobre gênero com muita dignidade humana, equidade, equilíbrio e justiça, representa de hoje em diante uma referência para as demais federações e confedereções de outros países.

No Brasil, embora o vínculo atlético com as seleções nacionais em todas as modalidades esportivas não constituam liame empregatício, conforme o já exposto acima, não deixa de ser referência em nosso sistema jurídico o art. 7o, XXX, da CF/88 ao delinear: “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.

Se for pela análise exclusivamente civil, vale ressaltar que na contratação civilista se deve cumprir o princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade material de gênero, da função social dos contratos e da boa-fé objetiva (arts. 1o, III, 5o, caput, I, XXIII, 170, III, da CF/88 c/c arts. 11 a 21, 113, 187, 421 e 422, do CC), o que significa realçar a isonomia retributiva que deve prevaler entre homens e mulheres, seja em uma vinculação jurídico trabalhista, seja em um liame jurídico civil.

No entanto, é importante lembrar que igualdade, equivalência material para o direito tem uma canalização de medida de equilíbrio, justiça, mérito, medida ajustada a cada realidade e não pressupor ou impor uma isonomia que não existe.

Nessa dimensão, é injustificável do ponto de vista da realidade que as confederações ou federações convocantes estabeleçam retribuições e premiações com valores fixos diversos entre mulheres e homens, pois a modalidade esportiva praticada é a mesma, o que existem são apenas categorias de gêneros: disputas somente entre mulheres ou somente entre homens dentro de uma mesma espécie de desporto.

Os critérios de remuneração e premiação devem até ser organizados em planos de retribuição por conquistas das competições ou de certas classificações/pontuações, mas simplesmente pagar menos por questão de gênero se revela uma discriminação remuneratória entre homens e mulheres.

Admite-se que, alguns patrocinadores/investidores possam direcionar mais retribuição a algum ou alguns jogadores ou jogadoras, mas essa predileção surge em decorrência da exploração da imagem da atleta ou do atleta que propaga melhor a atividade econômica do investidor/patrocinador, jamais pode ser forçoso à confederação (federação em alguns países) realizar distinção retributiva em derredor exclusivo de gênero.

Sendo assim, todas as confederações desportivas brasileiras, incluindo a do futebol deveriam seguir o mesmo exemplo norteamericano e dissipar uma injustiça histórica contra as mulheres no esporte brasileiro.

No terreno das relações empregatícias desportivas, que na situação brasileira é constituída por via do contrato especial de trabalho desportivo (art. 28 da Lei Pelé), os clubes empregadores deveriam se preocupar em organizar melhores critérios de igualdade remuneratória, pois quaisquer desigualdades só se justificariam diante dos contratos de imagem mediante cotação de uso da imagem de uma certa jogadora ou jogador no mercado e do percerntual do direito de arena pelo valor da transmissão da competição em si.

Em relação ao salário base, como no Brasil é explícito e totalmente sabido que os salários dos jogadores são registrados em valores bem ínfimos em comparação aos recebidos pelos contrato de imagem, então, cada vez mais se tornará injustificável pagar bem menos as mulheres em face dos homens.

Rememore-se que clubes detêm como principal objeto econômico a explanação da modalidade praticada, independentemente do gênero. Aliás, esta é a nova referência normativa contida no art. 1o, caput, § 2o, I e II, da  Lei n. 14.193/21 (Lei da Sociedade Anônima do Futebol).

Em síntese, será cada vez menos aceitável os abismos salariais existentes entre homens e mulheres no futebol profissional. Todavia a discriminação de remuneração de gênero não tem um campo fértil apenas no segmento econômico do esporte brasileiro, está arraigada em quase todas as atividades humanas.

Crédito imagem: Getty Images

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