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Vasco proibido de registrar atleta: decisão traz discussões importantes

Cenas do próximo capítulo

“Cenas do Próximo Capítulo” (1984) é um álbum musical do cantor e compositor Belchior, cujo material gráfico faz inúmeras alusões ao título do disco.

Na capa, o rosto de Belchior aparece dentro de uma tela de TV. No encarte, mostram-se quatro tubos de TV, novamente com a imagem do cantor. Na contracapa existem mais vinte e cinco tubos de televisão com a foto de Belchior ficando cada vez mais nítida ate o último tubo.

A alusão às telenovelas é evidente, pois nesse tipo de ficção as tramas se arrastam ao longo de meses e vão se revelando lenta e progressivamente. Mas o desfecho só se sabe mesmo no capítulo final.

Há uma novela muito mais longa que quase coincide com a própria história da humanidade. Trata-se das dívidas que as pessoas contraem na sociedade e terminam por não honrar seus compromissos.

Um dos capítulos foi recentemente escrito pelo Vasco da Gama, que pelas informações da imprensa, deve cerca de R$ 1 milhão ao atacante Jorge Henrique. Este, por sua vez, cobrou a dívida do clube da colina perante a Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD), órgão criado pela CBF para solucionar litígios.

Diante do descumprimento de um acordo anteriormente celebrado com o atacante, a CNRD decidiu impedir o Vasco de registrar novos jogadores na CBF por seis meses.

A decisão da CNRD reaviva uma questão tão antiga quanto a inadimplência, que são os meios utilizados para compelir o devedor a cumprir com suas obrigações, sempre com muitas voltas e contravoltas ao longo dos séculos.

Antigamente valia tudo para forçar o devedor a quitar seu débito.

No império romano, por exemplo, a Lei das XII tábuas, do ano 450 antes de Cristo, dizia que o devedor pagava com seu próprio corpo por suas dívidas. Poderia ser preso, escravizado ou até mesmo levado à morte.

Tal proceder durou até 326 antes do início da era cristã com a entrada em vigor da Lex Poetelia Papiria, definindo que a obrigação pecuniária é uma relação de caráter meramente patrimonial e restringido o exercicio do direito do credor apenas e tão somente sobre os bens do devedor.

No começo da Idade Média praticamente tudo voltou ao que era ao tempo da Lei das XII tábuas, pois com a queda do Império Romano em 476 d.C. pelas invasões bárbaras, o direito destes povos passou a triunfar e suas regras prestigiavam a velha teoria de que tudo poderia ser feito contra o devedor inadimplente.

Resquícios daquela época ainda se fazem sentir em nosso ordenamento, uma vez que a Constituição brasileira autoriza a prisão civil por dívidas em virtude do não pagamento de pensão alimentícia.

Apesar desta recaída, o fato é que a ideia da Lex Poetelia Papiria prevaleceu no Código Civil brasileiro de 2002, que limitou a responsabilidade do devedor às suas economias.

Ocorre que com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (CPC) em 2015, algumas práticas antigas parecem estar voltando à tona. Isto porque o art.139, inciso IV, diz que o juiz poderá “determinar   todas   as   medidas   indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para   assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

O problema deste dispositivo é o seguinte: até onde se pode ir para forçar o devedor a honrar seus débitos? Qual o limite?

Já se viu de tudo: suspensão de serviço de redes sociais, bloqueio de contas e cartões de crédito, recolhimento de Carteira Nacional de Habilitação, proibição de participar de concurso público ou licitações e apreensão do passaporte, que foi o que aconteceu recentemente com Ronaldinho Gaúcho, conforme amplamente noticiado nos jornais.

Algumas dessas medidas foram revistas por Tribunais superiores e outras não e com a jurisprudência vacilante sobre o tema, ainda não dá para definir como será o final desta novela.

Esta indefinição se agrava ainda mais porque pende no STF o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade, (ADI 5941 MC/DF) que tem por objetivo nulificar o referido artigo do CPC por incompatibilidade com a Constituição.

O caso da decisão da CNRD é ainda mais peculiar porque ela não brotou da cabeça do julgador, mas foi tomada com base no seu regulamento, ou seja, um código de regras privado.

Um caso recente nos tribunais brasileiros em que se discutiu os limites de regras de ordenamentos privados foi no Recurso Especial nº 1.699.022 – SP, em que o Superior Tribunal de Justiça decidiu ser ilícito privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do edifício, incorrendo em abuso de direito a disposição condominial que proíbe a utilização como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais.

O caso mais paradigmático que tivemos no esporte foi o famoso affair Bosman. Todo o sistema de fixação e cobrança do passe que vigorou por décadas acabou ruindo porque esse atleta resolveu colocar em dúvida a legalidade desse regime.

Por isso é que saber se a decisão da CNRD de proibir o Vasco de registrar novos atletas extrapola ou não os limites do razoável irá depender de apreciação do Poder Judiciário. É que órgãos particulares de solução de controvérsias só veem seus limites testados quando alguém que se sinta prejudicado por uma decisão deste tipo resolva entrar na Justiça questionando as regras do jogo.

Ainda mais quando o assunto é saber até onde se pode constranger o devedor para fazer com que este honre seus compromissos, pois nosso Judiciário ainda não definiu um caminho.

Impossível dizer, portanto, qual será o final dessa estória.

É melhor aguardar as cenas do próximo capítulo.

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