Search
Close this search box.

Vínculo trabalhista, vínculo desportivo e cessão de direitos econômicos

O vínculo desportivo constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho desportivo no Departamento de Registro e Transferências de atletas (DRTs) das entidades de administração do desporto (federações, confederações desportivas associadas).

Esse liame desportivo decorre da previsão explícita contida no art. 28, § 5º, da Lei Pelé (Lei n. 9.615/98 – atualizada com as várias leis modificadoras) “O vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva contratante constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, tendo natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais:…”, reforçada pela normatização expressamente delineada no art. 34, I, Lei Pelé: “São deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial: I – registrar o contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional na entidade de administração da respectiva modalidade desportiva;…” (correspondência no art. 81, I, do Projeto da Lei Geral do Esporte n. 68 de 2017 – PLS n. 68/17 em tramitação estagnada no Congresso Nacional).

Conforme as redações legais supratranscritas, o vínculo desportivo dissolve-se com o vínculo empregatício, sendo aquele acessório deste, diferindo do antigo passe, que perdurava mesmo após a extinção do contrato de trabalho desportivo, representando um vínculo desportivo totalmente independente do vínculo trabalhista.

Isso gerou a reificação, coisificação do atleta profissional, tolhendo por completo a sua liberdade de trabalho. Os melhores exemplos eram os engavetamentos dos documentos representativos dos “passes”, com o intuito de prender os atletas e evitando a continuação normal da prestação laboral desportiva dos jogadores a outros empregadores desportivos.

Desse modo, vários desportistas profissionais ficavam impedidos de trabalhar caso não negociassem com o clube que detinha o seu “passe”. Muitas vezes, os jogadores submetiam-se a todas as vontades negociais de terceiros para obter a sua transferência, ocorrendo renúncia de uma série de direitos laborais e até da própria liberdade de se transferir para o clube empregador.

Segundo a redação do art. 28, § 5º, o advento da revogação do art. 33 e a modificação expressis verbis do art. 34, I, pela Lei n. 12.395/11, extinguiu-se a exigência de depósitos de documentos físicos nos Departamentos de Registros e Transferências (DRTs) das entidades de administração do desporto (federações, confederações desportivas) como requisito de validade para a formação do vínculo federativo, ou seja, o vínculo desportivo se implementa apenas com o registro digital dos documentos no sistema federativo eletrônico, concedendo a conhecida “condição legal de jogo” ao atleta e ao seu clube empregador.

Atualmente, este ato registral do vínculo desportivo se comprova no Boletim Informativo Diário (BID), no caso do futebol, mediante a sistemática federativa eletrônica da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Os arts. 83, § 4º, 96, § 2º, do PLS n. 68/17 separam bem o vínculo trabalhista do vínculo desportivo, porém, até o presente momento, não preveem correspondência específica para o art. 28, § 5º, da Lei Pelé, o que se desenha algo perigoso, pois se não há determinação legal expressa para que se dissolva o vínculo desportivo com a extinção do vínculo trabalhista, pode-se abrir margem para futuras manobras semelhantes ao ocorrido na época do “instituto do passe”, violando uma série de direitos laborais atléticos.

Uma novidade trazida pelas alterações da lei n. 12.395/11 foi atribuição de vínculo desportivo entre clubes e atletas que realizam modalidades desportivas individuais em que não haja contrato formal de trabalho entre as partes, inexistindo vínculo empregatício desportivo, porém afigurando relação trabalhista desportiva com sustentação de patrocínio, exploração da imagem e marketing, bem como o enlace desportivo caracterizado pela inscrição do praticante na competição (art. 28-A, da Lei Pelé).

O cuidado deve existir por parte do operador/aplicador do direito ao analisar esse vínculo desportivo, pois a lei não dispõe de que maneira esse vínculo se extingue, além de não vinculá-lo à relação contratual alguma.

Nesse panorama, em possível lide, o magistrado deve restringir a existência desse tipo de vínculo desportivo à inscrição de cada competição ou ciclo de competições, sob pena de criar uma nova teratologia jurídica semelhante ao extinto “passe”.

O art. 79 do PLS n. 68/17 em trâmite no Congresso Nacional regula de maneira rasa o vínculo dos atletas autônomos, diferentemente dos pormenores salutares previstos no art. 28-A referenciado acima, na medida em que dificulta a reivindicação de direitos desse tipo de atleta.

Outra preocupação atém-se à matéria processual. Com o modelo de autônomos desportivos, quem seria competente para julgar os litígios entre atleta autônomo e entidade de prática desportiva, auxiliada por patrocinadora, ou ainda, empresa de marketing, imagem, etc.?

Entende-se que seria a Justiça do Trabalho a competente, em conformidade com o art. 114, I e IX da CF/88, pois por mais que as empresas que remunerem os atletas autônomos não tenham nada a ver com o objeto de realização da atividade desportiva, os serviços atléticos prestados pelos competidores (treinos, preparos, competição e descanso) se aproximam muito mais de prestações de natureza trabalhista do que exclusivamente cível.

Em relação ao vínculo trabalhista, constitui-se com a pactuação válida do contrato especial de trabalho desportivo, observadas as exigências legais descritas na Lei Pelé (texto do art. 28, caput, todos os dispositivos da antiga Lei n. 6.354/76 foram revogados pelo art. 19, II da nova Lei n. 12.395/11).

Em outra esfera, a cessão de direitos econômicos afigura-se um vínculo de natureza civil sobre os proventos econômicos das cláusulas de extinção do contrato de trabalho esportivo ou de comissões negociais de transferências dos jogadores.

Esse tipo de avença apenas se realiza entre agentes desportivos (empresa de agentes) e o clube empregador acerca de determinado atleta ou atletas, mas pode também ocorrer diretamente entre os agentes desportivos e jogadores agenciados.

Normalmente, esses agentes investem na carreira inicial do atleta ou antecipam receitas aos clubes empregadores na contratação de jogadores e para recuperarem os investimentos firmam os contratos de cessão de direitos econômicos.

A existência do agenciamento desportivo pode gerar repercussões negativas no contrato de trabalho desportivo, ora alienando a mente do jogador profissional para não praticar o seu labor normal, no intuito de provocar uma quebra contratual, ora manipulando a cúpula diretiva do time empregador para tolher a liberdade de trabalho do atleta em decorrência de interesses estritamente econômicos.

A Lei Pelé e as diversas alterações não dispõem de nenhuma norma específica regulando direitos econômicos e a atividade do agenciamento desportivo. Ao contrário, por exemplo, de Portugal. Apenas para tentar conter os reflexos abusivos da cessão de direitos econômicos sobre a liberdade de trabalho do atleta, a exploração de jogadores menores e o regular andamento das competições esportivas, a Lei n. 12.395/11 inseriu os artigos 27-B e 27-C.

Merece registro, entretanto, o Projeto da Lei Geral do Esporte em trâmite no Congresso Nacional (PLS n. 68/17), revogador completo da Lei Pelé, que regulamenta os direitos econômicos, o agenciamento esportivo, a representação e intermediação dos atletas, em seus artigos 91 e 92. Algo que seria um grande avanço para a legislação esportiva brasileira.

O regulamento de transferência de jogadores da Fédération Internationale de Football Association (FIFA), em seus arts. 18, 18/1, 18/2, 18/3 e 19/1 contempla a atuação do agente desportivo, mas veda taxativamente a previsão contratual de sua participação direta nas cláusulas de extinção do contrato de trabalho desportivo ou quaisquer cláusulas econômicas envolvendo a transferência dos atletas e a transferência de jogadores menores de dezoito (18) anos.[1]

A finalidade desses dispositivos é proteger os jogadores menores e os jogadores empregados em geral nas transferências entre clubes empregadores com a intervenção dos agentes desportivos, bem como o prosseguimento da atividade econômica esportiva (competições) e o conteúdo contratual trabalhista esportivo.

Enfim, o vínculo trabalhista, o vínculo desportivo e a vinculação civil da cessão dos direitos econômicos são três relações jurídicas distintas, embora todas relacionadas com o contrato especial de trabalho desportivo.

……….

[1] Disponível em: < https://resources.fifa.com/mm/document/affederation/administration/02/70/95/52/regulationsonthestatusandtransferofplayersnov2016weben_neutral.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2017.

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.