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Vitória – Lucas Esteves – Grêmio: em poucas palavras

Consoante o caso pode invocar sentimentos viscerais de ambas direções/administrações e torcidas das entidades empregadoras desportivas envolvidas no conflito, os comentários redigidos nesta coluna de hoje são baseados em canais oficiais de comunicação dos próprios clubes e da mídia de credibilidade.

Na segunda quinzena de janeiro deste ano (início de temporada 2025) surge um conflito entre Esporte Clube Vitória e Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense sobre o jogador Lucas Esteves. Em seguida, bem sucintamente as duas versões.

A versão do Vitória – em seus canais de comunicação oficial, alega-se que o Grêmio negociava diretamente com o jogador sem envolver o atual clube empregador (Vitória), transferindo os valores da cláusula indenizatória desportiva para a conta do empregador Vitória, ainda durante o período protegido, desrespeitando a estabilidade contratual, na medida em que o contrato de trabalho do atleta estava em pleno vigor até outubro de 2025, portanto, ainda nem chegara ao período permitido para a pré-contratação (permissão do contrato promessa). Comunica-se ainda que, no contrato especial de trabalho desportivo havia uma cláusula de renovação contratual mediante a quitação de um valor de 100.000,00 (cem mil) dólares para o jogador, algo que teria ocorrido após o surgimento do conflito.

A versão do Grêmio – em resposta a entidade desportiva afirma ter negociado corretamente com o empregador da época (Vitória) por via de um de seus representantes, pois recebera até mesmo os dados de conta bancária para a transferência dos valores pecuniários previstos na cláusula indenizatória desportiva, destacando-se a anuência e a vontade do jogador em se transferir.

Últimas notícias – no dia 14 de fevereiro de 2025 (sexta-feira passada) o atleta Lucas Esteves foi apresentado ao Grêmio após uma ação movimentada na Câmara Nacional de Resolução de Disputas da Confederação Brasileira de Futebol (CNRD/CBF) e uma outra ação ajuizada na Justiça do Trabalho provocativa de um acordo que liberou a contratação do jogador pela entidade desportiva de Porto Alegre.

Análises jurídicas sumárias quanto à questão material contratual, excluindo-se a dimensão processual aprofundada perante a Justiça do Trabalho e a CNRD da CBF

A cláusula aposta sobre renovação contratual mediante o pagamento ao atleta empregado de 100.000,00 (cem mil) dólares, seja com a menção de preferência, opção unilateral ou simples descrição, é completamente “leonina ao estilo mascote do Vitória”, abusiva, arduamente restrititva da liberdade de trabalho desportivo do jogador, remontando à época do instituto do passe[1], abolido da ordem jurídica brasileira desde a completude da vacatio legis da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé), que remanesce em vigor.

Referido clausulado viola o princípio da liberdade de trabalho (art. 5o, XIII, da CF/88) e o princípio da liberdade de trabalho desportivo, devendo ser declarado plenamente nulo (art. 27-C, III, da Lei n. 9.615/98), exatamente por relembrar diversas manobras tinhosas das entidades empregadoras desportivas para a manutenção do atleta empregado por suporte da antiga figura jurídica do passe, instrumento que tolhia demasiadamente o livre consentimento do jogador empregado na renovação ou não de seu contrato de trabalho.

O jogador Lucas Esteves só tem vinte e quatro anos de idade, o que significa ainda não estar consagrado no mercado, ser destituído de hipersuficiência ou poder de barganha nas negociações diante dos clubes. Mesmo em situações com atletas consolidados, verifica-se bastante dificuldade de constitucionalidade e legalidade de cláusulas como estas que são sempre interpretativas de restrições mínimas ou máximas sobre um princípio humano fundamental de primeira dimensão – livre exercício de labor, ofício, profissão.

Nessa medida, cláusulas abusivas como essas devem ser declaradas nulas de pleno direito, sob o fundamento expresso do art. 27-C, III e IV, da Lei Pelé, inclusive a CNRD/CBF quando acionada para julgar questões dessa natureza (liminarmente ou definitivamente) tem o dever de reafirmar tais valores da ordem jurídica brasileira em torno da sagrada liberdade do trabalho desportivo, do contrário enfraquecerá a sua atuação diante do Poder Judiciário Trabalhista para tais casos.

Recorde-se sempre que a Justiça do Trabalho detém jurisdição e a sua decisão prevalece sobre a da CNRD/CBF (instância extrajudicial), mormente quando o atleta empregado comprova ao juiz laboral que houve vício de consentimento na assinatura do contrato especial de trabalho desportivo, que contém a cláusula de aderência à CNRD/CBF. Na prática, por experiência própria, em maioria esmagadora dos casos, mesmo com orientação de juristas, agentes (intermediários), o jogador nem sabe do que se trata esta cláusula e todas as outras, quando muito é informado a respeito da remuneração, ofuscando-lhe todo o resto.

Nessa seara, sendo política interna ou caso isolado do Vitória na contratação de jogadores, este tipo de “cláusula leonina” deve ser declarado inválido, expungido por qualquer decisão do Poder Judiciário Laboral ou da CNRD/CBF, no sentido de inibir a continuidade da prática de tais clausulados, depreciadores da sacramentada liberdade de trabalho desportivo.

Por outro ângulo, caso seja verídico o aliciamento do jogador sem o contato direto do Grêmio com o Vitória, por mais que o art. 27-C, V, da Lei Pelé se refira à cláusula contratual, serve como um paradigma de conduta nas negociações trabalhistas em geral, observando-se a boa-fé objetiva e o fim social dos contratos, o que significa a infração ao período contratual protegido (estabilidade), já que o contrato de Lucas Esteve estava em pleno vigor até outubro de 2025, nem sequer chegando ao período de pré-contratação permitida – igual a seis meses antes do termo final do contrato (art. 18, n. 3,  do Regulamento e Estatuto de Transferência de Jogadores (RETJ) da Fédération Internationale de Football Association (FIFA) c/c arts. 462 a 466 do CC).

As consequências pela infringência da estabilidade contratual, além do pagamento da pecúnia prevista na cláusula indenizatória desportiva, seriam sanções desportivas ao suposto infrator gaúcho, sustentadas no movimento federativo (associativo), de acordo com a gravidade e reincidência: multa pecuniária, retenção de valores a serem repassados pela CBF em decorrência de conquistas de competições, aplicação de transferban (vedação de registro de novos jogadores contratados por no mínimo seis meses e no máximo dois anos), suspensão ou cancelamento do certificado de clube formador, desfiliação/desvinculação, dentre outras (art. 28, § 2o do Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol/RNRTAF da CBF usque art. 56, §§ 1o e 3o Regulamento da CNRD/CBF).

Acerca dos fatos noticiados, verdades e/ou mentiras, o certo é que em nenhum país republicano e democrático o jogador é obrigado a permanecer trabalhando para o mesmo empregador, expurgando a sua liberdade de trabalhar, portanto o contato, a informação e a aquiescência do atleta é essencial em todas as negociações contratuais laborais o envolvendo, devendo mesmo predominar sobre a vontade das entidades desportivas, desde que quitada a cláusula indenizatória desportiva para os  casos dos contratos em vigência, pois após o seu fim nada mais resta de indenização. Assim é desde a lavratura do acórdão Bosman pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), o fim da Lei do Passe no Brasil e a extinção da legislação por todo mundo com o mesmo mecanismo similar.

No recente acórdão Lassana Diarra do TJUE, com foco fundamental no princípio da livre concorrência, reflexivo no reforço do princípio da livre circulação de trabalhadores (princípio da liberdade de trabalho) no espaço da União Europeia (UE), determinou-se obrigatórias modificações no Regulamento e Estatuto de Transferência de Jogadores (RETJ) da Fédération Internationale de Football Association (FIFA).

Nesse sentido, desde o dia 01 de janeiro de 2025 vigora um quadro regulamentar provisório da FIFA sobre transferência de jogadores e treinadores no espectro mundial (entre países componentes ou não do bloco da UE) que suspendeu temporariamente as sanções desportivas relatadas acima, bem como intensificou a liberdade de trabalho dos atletas ao permitir a emissão do certificado internacional de transferência e a movimentação do registro de jogadores, mesmo em caso sub judice sem decisão liminar, observadas as regras de períodos de transferência (art. 6 do RETJ da FIFA).

Nesse raciocínio, como o RNRTAF/CBF segue o parâmetro do referido RETJ da FIFA, daqui para frente em transferência interna de jogadores (entre entidades desportivas brasileiras) a tendência será, mesmo diante de judicialização de conflitos sem decisão (liminar ou definitiva), a liberação de documentos para os jogadores se transferirem, salvaguardando primordialmente o seu livre exercício de trabalho, restando quando for o caso o devido direito à indenização do empregador desportivo que sofreu com o rompimento antecipado do contrato especial de trabalho desportivo.

Por fim, segundo a notícia desta última sexta-feira (dia 14 de fevereiro de 2025), já retromencionada, preponderou a valorização da vontade do jogador em se transferir para o Grêmio (suporte do princípio da liberdade de trabalho), afastando-se a cláusula leonina de renovação por pagamento de numerário ao jogador, embora tenha ocorrido um acordo em que para o Vitória restará vinte por cento (20%) de futura transferência onerosa do atleta.

Crédito imagem: Vitória/divulgação

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[1] Artigos revogados de imediato pela Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) com vacatio legis que sustentavam o instituto do passe: 3o, §§ 1o, 3o, 10, 11, 13, 16, parágrafo único, 17, 26, da abrrogada Lei n. 6.354/76 (Lei do Passe) do Brasil.

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