No futebol, menos óbvio que há muito o esporte pode ser função é a ideia de que, sendo função então, haverá quem seja seu funcionário. Nesse universo especial, quantos nomes haverá pro sujeito que trabalha antes de lhe chamarem trabalhador?
“Maradona é um investimento”, dizia o presidente do Napoli. Tudo na vida é uma questão de ponto de vista. Perguntassem aos torcedores do mesmo time, e mais provável seria que respondessem se tratar de um Deus entre os mortais. Quem haveria de discordar? Se não fora ele agraciado pelo Todo-Poderoso com a mão emprestada, apesar de jogar com o pé.
Talvez seja isso. O jogador é um Deus, em quem se investe. Enfraquecida a crença do fiel, eventualmente, a quem se empresta. Em time onde falta, a quem se compra, e, onde sobra, a quem se vende. Importante é que, talvez, também como Deus, a quem pouco se ouve.
Fosse uma, fosse outra, disseram que o próprio Maradona parecia não se contentar com qualquer das atribuições. Deus ou investimento, sempre haveria de pertencer seu futebol a outro, quando o correto, pensava, era que ninguém o tirasse de si próprio. Mais preocupado com a boca do que com os pés, queria falar onde não se ouvia.
Quando se juntou a outros na tentativa de criação de um sindicato internacional de jogadores de futebol, pouca gente levou a ameaça de paralisação a sério. Quem haveria de se arrepiar com a simples promessa de que, insatisfeitos, cruzariam os braços – na verdade, as pernas – e dariam fim ao lazer alheio?
Bom, deveriam. Aconteceu em 2017. Se não aqui, logo ali do lado. Jogadores argentinos comandados por Perez, Damonte, Vergini e Gago atrasaram em meses o retorno do campeonato nacional. Não aceitavam que atletas sem receber fossem obrigados a jogar, e por isso também não jogaram. Era verdade que, àquela altura, a maioria menos afortunada chagava a fazer bicos pintando casas de torcedores pra viver.
Verdade seja dita, talvez a insatisfação que brota dos que vivem no Rio da Prata tenha algo de hereditário. Dez anos antes, já tinham parado em outra oportunidade. Dessa vez, em apoio a seis jogadores do Deportivo Español. Falido, o presidente se recusava a renovar seus contratos, mas não os deixava mudar de clube.
Instaurado o caos, foram ao Judiciário, e o juiz sentenciou. Que ficassem. Em processo de falência, não poderiam os credores do clube devedor permitirem que, com a saída de atletas, lhes dilapidassem o patrimônio. E assim foi. Os sujeitos eram como cédulas colocadas em garantia. A saída foi a greve solidária dos que não tinham nada a ver com o assunto. Ou tinham?
No mundo do trabalho, não foram poucas as rebeldias que ajudaram a escrever a história. Apesar do incômodo, nada que se compare ao infortúnio que seria pensar em uma formada por atletas. Há formas de lidar com trabalhadores que, vez ou outra, estão dispostos a desligar as máquinas. Mas parar a fábrica de espetáculos por falta de quem se proponha a jogar? O que fariam, no tempo livre, aqueles que desligaram as máquinas em primeiro lugar? Talvez nem os próprios injustiçados os apoiariam.