Por Milton Jordão[1]
O término da temporada do futebol brasileiro de 2023 está se aproximando rapidamente. Como disse nosso amigo Vitor Lanna, nesta época do ano surge o “gatilho do recesso“, onde muitos de nós tendem a focar apenas nas festividades que se aproximam e esquecer questões importantes de ontem, hoje e amanhã.
Foi um ano de grandes desafios para o futebol, com ataques à integridade do esporte que testaram a CBF, as Federações Estaduais, os clubes, os atletas e os árbitros. Todos os envolvidos no mundo do futebol foram expostos e tiveram que responder aos desafios impostos. Duas operações policiais de alcance nacional e uma Comissão Parlamentar de Inquérito receberam grande atenção da mídia e dos torcedores.
Apesar da resposta firme e assertiva da CBF a esses eventos, incluindo o fortalecimento da diretoria de governança e conformidade e a proposta de criação de uma unidade de integridade para o futebol brasileiro[2], o problema da manipulação de resultados ainda persiste e exige vigilância constante.
É importante destacar que, no âmbito disciplinar, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol agiu prontamente e com firmeza para lidar com essas questões. A corte enfrentou o desafio de buscar a justiça sem agir como justiceiro e obteve sucesso em sua missão.
As duas grandes operações envolvendo o futebol, conhecidas como “Penalidade Máxima“[3] e “Jogada Ensaiada“[4], revelaram sérias lacunas na integridade do esporte, destacando as facilidades que criminosos encontram para corromper atletas e árbitros, muitas vezes sem que os clubes ou federações sequer percebam. Isso trouxe à tona uma realidade desconhecida para a maioria dos fãs de futebol: até mesmo o maior campeonato nacional pode ser alvo de manipulação, algo que poucos acreditavam. Além disso, a preocupação com a falta de controle e a impunidade aumentou
É importante notar que a questão da manipulação de resultados não é nova no mundo do futebol. O jornalista Brett Forrest publicou o livro “Jogo Roubado” em 2015, que narra a impressionante trajetória de Wilson Raj Perumal, considerado um dos maiores manipuladores de partidas de futebol em todo o mundo, conhecido e investigado pela FIFA desde 2011. As ações de manipulação ocorriam em jogos menores e em ligas menos conhecidas, como na Finlândia, e até mesmo em partidas entre seleções nacionais.
Isso demonstra o quão antigo é esse problema e os sérios riscos que ele representa para a integridade esportiva e a segurança jurídica do jogo.
Agora, olhando para o cenário de 2024, fica claro que não podemos depender apenas das ações da CBF e do STJD em relação aos casos que surgirem.
Precisamos ir além e criar um ambiente mais seguro, transmitindo aos fãs e aos patrocinadores a confiança de que a manipulação de resultados será erradicada do Brasil.
A adoção de sistemas de integridade mais abrangentes é essencial. Os departamentos de compliance devem se tornar mais comuns em clubes e federações estaduais. Não podemos abrir mão de um ambiente com maior controle de integridade e informações
Atualmente, a CBF e a Federação Paulista de Futebol se destacam na promoção desses departamentos, e alguns clubes, como o Coritiba e o São Paulo, já estão trabalhando nessa área. No entanto, ainda é preciso mais envolvimento nesse sentido.
É importante lembrar que o Brasil está discutindo a regulamentação das apostas esportivas em suas casas legislativas. Após os eventos de 2023, a busca por intervenção governamental no esporte provavelmente aumentará.
Portanto, nenhum clube ou federação estadual poderá ficar inerte diante desse futuro iminente. Devemos exigir o cumprimento rigoroso das regras, especialmente as éticas e disciplinares, à medida que as apostas esportivas se tornam mais comuns.
O arcabouço regulatório para lidar com essas questões já existe, mas precisamos de um controle mais abrangente desde o início. É necessário um sistema organizado, e não apenas algumas entidades com seus próprios modelos de compliance.
Além disso, a presença de departamentos de compliance nos clubes facilitará o diálogo com as autoridades públicas e garantirá a eficácia na prevenção da manipulação de resultados.
Assim como o problema da manipulação de resultados, o compliance esportivo não é uma novidade. No entanto, muitos ainda não compreendem completamente sua importância, pois temem que possa interferir na gestão esportiva.
Contar apenas com a aplicação da lei não é a solução adequada. Para proteger a integridade do esporte e garantir a segurança jurídica do jogo, é essencial romper com a inércia e agir agora.
Não podemos mais perder tempo. Entre todos os desejos de Natal que podemos ter, a prevenção da manipulação de resultados é um dos mais simples e alcançáveis, dependendo apenas do comprometimento de cada clube ou federação estadual.
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[1] Advogado. Sócio da Jordão & Possídio Sociedade de Advogados. Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela UCSAL. Mestrando em Direito Desportivo pela Universidade de Lleida (Espanha). Vice-presidente da Comissão Especial de Direito dos Jogos Esportivo, Lotéricos e Entretenimento da OAB Nacional. Presidente do Instituto de Direito Desportivo da Bahia (IDDBA). Membro do Conselho Deliberativo do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). Membro do Instituto de Advogados Brasileiros (IAB). Presidente do STJD do Judô. Ex-Procurador do STJD do Futebol. Autor de artigos e obras jurídicas sobre Direito Desportivo.
[2] Disponível em: FIFA e CBF avançam em iniciativas para combater a manipulação de resultados – Confederação Brasileira de Futebol.
[3] Disponível em: Penalidade Máxima: entenda investigação sobre esquema de apostas | futebol | ge (globo.com).
[4] Disponível em: Operação Jogada Ensaiada: PF cumpre mandados contra empresários, jogadores e dirigentes | futebol | ge (globo.com).