Pesquisar
Close this search box.

25 anos de um título mundial que uniu um país dividido e salvou vidas

Julho é um mês histórico para a África do Sul. No dia 18 de julho de 1918 nasceu em Mvezdo, uma pequena cidade às margens do rio Mbashe, Nelson Mandela. O ex-preso político e ex-presidente sul-africano entendeu como poucos o poder transformador do esporte.

Há 25 anos, Mandela teve o rugby como aliado para unir um país ferido e dividido. A conquista (até então inédita) do mundial pelos Springboks recolocou o país no cenário esportivo internacional, e internamente começou a curar graves feridas provocadas por um regime de exclusão.

Neste mês em que se celebra os 102 anos do nascimento de Mandela, e no ano que se comemora os 25 daquele título histórico, é importante lembrar o poder de um verdadeiro líder e a capacidade que o esporte tem de transformar vidas e realidades.

A África do Sul, um país que foi banido pela FIFA e pelo Comitê Olímpico Internacional em função do Apartheid, é um bom exemplo.

Uma história que mostra o papel político do esporte e a natureza transnacional do direito esportivo.

Esporte precisa se posicionar

O esporte é um dos principais fenômenos da nossa cultura e sociedade. Ele tem uma capacidade rara de mobilização, encantamento e engajamento. Isso é reconhecido pelos principais órgãos do planeta, como a ONU.

Por seu alcance, ele serve também como ferramenta de transformação social. E, em questões que lidam com discriminação, violação de direitos humanos, genocídio, é importante que ele se posicione.

Muitas vezes ele cala, como nas construções dos estádios para a Copa do Qatar, que usa trabalho escravo, por exemplo. Mas ele teve papel no combate à segregação na África do Sul.

Independência esportiva

Para conhecer a posição de entidades como a FIFA e o COI naquele momento do país sul-africano, é importante conhecer como o sistema transnacional do esporte se organiza. Ele se alimenta de ordenamentos jurídicos privados e autônomos em relação ao Estado.

Muito embora no direito esportivo normas de origem estatal e origem privada se relacionem, nem sempre se entendendo, o pluralismo desse sistema fica claro. As regras da entidade que cuida do jogo limitam o poder do Estado. E esse poder foi o que fez com que o mundo do esporte dissesse “não” à África do Sul por longos anos.

Política do Apartheid

Apartheid significa “vidas separadas”. Ou seja, o regime implementado pela África do Sul do Apartheid não permitia o convívio entre brancos e negros, negando a estes direitos sociais, econômicos e políticos.

A segregação era um problema histórico no país, e vinha desde o século XVII, quando a África do Sul foi colonizada pelos europeus. Mas em 1948 ele foi institucionalizado por meio de lei.

Governo controlado pelos brancos de origem inglesa e holandesa, que criavam leis e governavam sempre favorecendo os brancos. Para os negros, as leis tratavam de privação, exclusão e controles sociais.

O esporte não ficou de fora disso.

A política externa do Apartheid levou a África do Sul ao isolamento e internacional, e o esporte precisava se posicionar.

Quando o Apartheid foi institucionalizado, em 1948, a África do Sul tinha quatro ligas de futebol separadas: uma branca, uma negra, outra mulata e uma indiana. Na seleção nacional, só brancos podiam jogar. A regra que impedia contratações inter-raciais caiu em 1956, mas, na prática, não funcionou.

Negros e brancos continuavam separados. Mesmo assim, o esporte ainda não havia se manifestado. Até que, em 1960, 69 negros morreram e 180 ficaram feridos durante um protesto em Sharperville, quando a polícia abriu fogo contra manifestantes. Logo depois, o movimento negro Congresso Nacional Africano (CNA) foi banido.

Então, a FIFA se manifestou.

Em 1961 a FIFA suspendeu a África do Sul de todas as competições internacionais. O Comitê Olímpico foi além, e em agosto de 1964 expulsou o país do seu quadro de entidades associadas.

Em 1976, como a situação seguia igual, a FIFA decidiu também banir a África do Sul de seus quadros. Era o movimento esportivo se posicionando diante de um problema social grave. Com o isolamento, gerações de atletas sul-africanos acabaram alijados das principais competições esportivas e tiveram as carreiras prejudicadas de maneira definitiva.

Mas a luta era difícil, e só no dia 17 de marco de 1991 o Apartheid chegou ao fim, por meio do presidente Frederick de Klerk. Ele sucumbiu diante da escassez do domínio branco no país, a volta do Congresso Nacional Africano, as intensas manifestações contra o sistema e a pressão internacional, na qual o esporte foi um agente importante.

O esporte como instrumento de união

Com o fim do Apartheid, o movimento esportivo recebeu a África do Sul de volta.

Em 1992 o país participou da Olimpíada de Barcelona, depois de 28 anos de afastamento. Mas o esporte não apenas reintegrou a África do Sul ao movimento esportivo, ele também serviu como ponte de união em um país completamente dividido e machucado pelos anos de separação racial. E nesse momento, um personagem central na luta contra o Apartheid foi decisivo.

Em 1994 o negro Nelson Mandela, que passou 27 anos na prisão por conta do Apartheid, foi eleito presidente da África do Sul.

E ele também precisou do esporte nesse momento de união nacional.

Em 1995 ele levou a Copa do Mundo de rúgbi para o país. O rugby sempre foi um esporte muito popular na África do Sul e praticado quase que exclusivamente pela elite branca.

Naquele time dos springsbooks, o nome que leva a seleção sul-africana, apenas um negro, o ponteiro Chester Williams.

Quando entrou no time, Williams disse que sofria preconceito dos próprios colegas: “havia apelidos e algumas piadas ofensivas, mas só no começo. Todos viam minhas habilidade, e formamos um time”.

No governo, Mandela, de maneira inteligente, se aproximou dos líderes brancos da seleção, como o capitão Pienaar

A África do Sul ganhou a Copa do Mundo em 1995, em uma final emocionante contra os All Blacks, a seleção da Nova Zelândia

Mandela e Piennar ergueram juntos o troféu de campeão mundial de rúgbi, no superlotado Ellis Park, em Joanesburgo. A imagem dos dois com a taça foi mais um símbolo da união e dos novos tempos de paz. O filme “Invictus“, com Matt Damon e Morgan Freeman nos papéis de Pienaar e Mandela, retrata a importância dessa conquista.

“Eu percebi o impacto que aquele esporte poderia causar, tamanha era a importância dele para o país. E principalmente porque o esporte fala uma língua que é entendida por todos, e em todas as partes do mundo”, disse Mandela naquele momento, quando fez com que brancos e negros estivessem juntos pela primeira vez.

A conquista foi fundamental para reaproximar brancos e negros afastados de maneira cruel pelo Apartheid. Com a inteligência de um líder que entendeu que o momento era de diálogo e de união, e não de confronto, vingança e divisões, Mandela evitou confrontos tendo o esporte como aliado. Ele poupou vidas.

O esporte é surpreendente. Pelo que consegue fazer em um campo, numa pista, ou numa quadra, mas também pela capacidade de transformar o que está ao redor dele. Ele ajudou a África do Sul não só internamente, mas também internacionalmente. Removeu estereótipos negativos sobre o país, reforçando compromissos assumidos pós-Apartheid.

Uma nova África do Sul, muito bem recebida pelo movimento esportivo.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.