Ainda que a definição de esporte, incluída na atual redação da Lei nº 14.597 (em junho de 2023), não englobe o esporte eletrônico, fato é que o operador do direito tem o dever de suprir as lacunas legislativas quando da aplicação da lei ao caso concreto.
Trata-se de princípio geral do direito brasileiro, inserido na Lei de Introdução às Normas, datada de 1942, como se infere de seus artigos 4º e 5º, abaixo reproduzidos:
Art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. (grifei)
Art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Nesse espectro, a ausência de qualquer legislação específica aos eSports no ordenamento jurídico atual impõe ao juiz e ao intérprete de direito, quando da análise da relação entre atleta e organização de eSports, o desafio de melhor encaixar o emaranhado de normas gerais existentes à específica situação em tela.
Ademais, não é errado comparar a rotina de um atleta de esporte eletrônico à rotina de um atleta do esporte tradicional. Há treinos, trabalhos táticos, técnicos, físicos e mentais. Subordinação a um treinador e à disciplina. Calendário de competições, competitividade interpessoal e, quando numa modalidade coletiva, respeito e convívio com colegas de time, além de entrosamento e adaptação à forma de lidar e jogar dos demais.
Igualmente, sob o prisma vertical, a relação entre a organização de eSports e o atleta costuma ser muito similar à realidade do esporte tradicional. A organização espera desempenho, vitórias, conquistas em campeonatos, além de exposição midiática favorável para poder atrair patrocinadores e fãs. O atleta busca estrutura, espaço, oportunidade e incentivos materiais e financeiros para se dedicar à prática (muitas vezes, com a perspectiva de prover sua subsistência da atividade, tornando-se profissional).
Não suficiente, também no prisma tridimensional, isto é, relação entre publisher/liga-organização-atleta (Publisher), a similitude ao esporte tradicional se revela. Há a necessidade de se submeter a regras de jogo e a regulamentos desportivos que regem variadas situações, desde inscrição e condição de jogo até aspectos disciplinares e suas respectivas sanções, passando por formato de competição, vedações à publicidade e conteúdo, prêmios e diretrizes técnicas (equipamentos, local de jogo, etc.).
Todo esse cenário leva à conclusão inicial de que, analogicamente, a Lei Geral do Esporte se mostra a norma mais adequada a especificamente reger a relação sui generis entre atletas e organizações de eSports, ao invés, por exemplo, da pura e simples adoção do Código Civil e/ou da CLT.
Em outras palavras, a um atleta não profissional de eSports, mostra-se muito mais razoável a aplicação dos preceitos das normas gerais do esporte, tanto a Lei nº 14.597/23, quanto a ainda vigente Lei Pelé (9.615/98), a fim de que a relação dele com a organização de eSports seja regida por meio de contrato de atleta amador, autorizado o recebimento de incentivos materiais em dinheiro.
Ao profissional (assim entendido aquele que obtém sua subsistência única ou preponderantemente da remuneração auferida com os eSports), seja ele atleta e/ou influencer atuando como atleta, há a possibilidade da celebração de contrato especial de trabalho esportivo (quando houver vínculo empregatício) ou a celebração de contrato de prestação de serviços, prestigiada a liberdade econômica trazida pela Lei Geral do Esporte (artigo 71) a fim de autorizar a pactuação de outros contratos de natureza civil (sem vínculo empregatício), como, por exemplo, o licenciamento de uso de imagem, os contratos por performance ou produtividade e, no caso do atleta de modalidade individual, o contrato de autônomo previsto no artigo 28-A da ainda vigente Lei Pelé.
Dessa forma, mesmo que o contexto fático da relação estabelecida entre atleta e organização seja determinante para se aferir o tipo contratual mais adequado à sua regência, é cediço que a aplicação da Lei Geral do Esporte, bem como da própria Lei Pelé, enquanto vigente, permanece preservada aos eSports, podendo (e devendo) o intérprete se valer e aplicar, analogicamente, as específicas alternativas trazidas nestas legislações especiais, em plena conformidade à Lei de Introdução às Normas no Direito Brasileiro.
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